Moradores em situação de rua participam de Festival de Futsal no Centro de São Paulo

Oficinas de futsal para a população de rua já existem há dois anos na região; projeto inspirou tema de doutorado na Universidade Federal da Bahia

Depois de cinco anos, João Damasceno dos Santos Filho, de 32 anos, quer mudar de casa. Seus temores, porém, são mais fortes do que a vontade de mudar. “Sou meio atrapalhado”, conta Damasceno. O medo de brigar com os companheiros e de não fazer as coisas certas o impedem de mudar. Por algumas horas, sua única preocupação foi o futsal. Isso o fazia esquecer que sua casa é a rua e o seu maior desafio é superar o vício em drogas.

Em uma manhã de sábado, pequenas pontes de esperança surgem nos pés descalços de jogadores socialmente vulneráveis. As dificuldades deles, assim como as de João, estão bem acima da falta de chuteiras do tamanho certo. Cerca de cinquenta pessoas vivenciaram essa situação em mais um capítulo de um processo de ressocialização no centro de São Paulo. O Festival de Futsal da População de Rua promoveu esta oportunidade no dia 19 de outubro, na quadra do Centro de Acolhida João Paulo II. O evento foi promovido pela Associação Aliança de Misericórdia e teve apoio da Secretaria de Esportes, Lazer e Recreação (SEME).

O campeonato foi disputado em formato de eliminatórias e contou com seis equipes: Tenda Bela Vista, Tenda Barra Funda, Tenda Santa Cecília, Complexo Prates, Centro de Acolhida João Paulo II e Casa Restaura-Me. No período de duração do festival, o esporte foi o elo de ligação entre a vulnerabilidade e a superação, afastando tentações e recaídas de moradores em situação de rua que lutam contra as drogas. No festival, a equipe da Tenda Barra Funda foi campeã. Os jogadores do Complexo Prates garantiram a segunda colocação, seguidos da equipe da Tenda Bela Vista.

“Se eles não têm nada pra fazer, vão usar drogas, beber, se prostituir. Essas horas que eles passam aqui são uma verdadeira vitória, pois eles ficam longe de tudo o que é ruim. Aqui eles vão se divertir, conhecer outras pessoas”, observa o orientador sócio-educativo Gumercindo Monteiro, que atua na Casa Restaura-Me e foi assistir ao campeonato. Monteiro foi usuário de drogas e ficou preso por 15 anos, mas conseguiu libertar-se do vício depois de ser acolhido na “Restaura-Me”, que pertence à Aliança de Misericórdia.

O projeto

Dentro da quadra, Adriano de Camargo comandava as equipes da Barra Funda e da Bela Vista. Por ter sido viciado em drogas e conhecer a realidade das ruas, Camargo identifica-se com a situação de diversos alunos: “através do futebol, eu me aproximo e crio vínculo com eles, sabendo quais são suas demandas: emprego, cursos, aproximação familiar, problemas de saúde, entre outros”, explica.Idealizadas por Adriano, as oficinas de futebol com moradores em situação de rua do centro de São Paulo já existem há mais de dois anos. Atualmente, o professor é formado em Letras e especializado em Dependência Química.

Qual é o papel do esporte na vida de quem busca se recuperar de um vício? Essa foi a pergunta feita por Ygor Alves, doutorando em Antropologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Para escrever sua tese, Alves acompanha o trabalho desenvolvido por Adriano desde agosto de 2013. Igor relata que conheceu o trabalho do professor na ABRAMD (Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas). “Ao estar aqui, o usuário de crack tende a acompanhar os outros na hora de atacar, de defender e é sempre cobrado em relação ao seu desempenho dentro da equipe. Eles têm muita vontade de vencer. Tudo isso tem efeitos na vida da pessoa e é justamente isso que estou investigando”, comenta Alves.

Para o orientador sócio-educativo Francisco Alves, que é um dos responsáveis pelo campeonato, as ressocializações são comemoradas como verdadeiros títulos de Copa do Mundo: “Quando encontramos pessoas em uma situação vulnerável e depois vemos essas mesmas pessoas trabalhando, estudando, com família e filhos, temos uma satisfação interior. Esse é o nosso verdadeiro salário. O resto é o ganha-pão”, destaca o orientador.

São Paulo e a população de rua

Segundo censo divulgado em 2011 pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS), mais de 14 mil pessoas vive em situação de rua na cidade de São Paulo. Dessas, 82% são homens e 48% são adultos. Santa Cecília, Sé e República são os distritos que concentram maior população em situação de rua. 52,6% dessas pessoas nasceram em São Paulo. Entre os nascidos em outros estados, a maioria era da Bahia, Pernambuco e Minas Gerais. No caso dos estrangeiros, que somaram 6,3% dos entrevistados, a maioria vinha da Bolívia, do Haiti e do Peru.

Cerca de 53% dos entrevistados vive em centros de acolhida. A Aliança de Misericórdia, que organizou o festival de futsal, possui cinco locais para acolher a população de rua. A entidade faz parte da rede conveniada da SMADS. Além das oficinas de futsal, a instituição também oferece a prática semanal de tai chi chuan, assistência psicológica, tratamento de combate às drogas, palestras e passeios culturais. Atualmente, mais de 100 pessoas são atendidas diariamente só no Centro de Acolhida João Paulo II.

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Texto:

Juliana Salles - jsalles@prefeitura.sp.gov.br

Foto 1: Arquivo pessoal - Adriano de Camargo

Foto 2: Paulo Dias - psdias@prefeitura.sp.gov.br

Foto 3: Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social

Foto 4: Retirada deste site

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