Paraskatistas, Endrio e Vini mostram o poder do esporte na vida das pessoas

Centro de Esportes Radicais é local de treinamento para atletas de várias modalidades radicais e cheio de histórias de superação

Ele é apaixonado por esportes: anda de skate, patins, bicicleta, patinete, pratica goalball, futebol, natação e atletismo. Também se arrisca no bungee jump e no parkour. Ufa!! Você pensa que estamos falando de um experiente atleta olímpico, uma promessa de uma nova categoria do decatlo ou algo do gênero, certo? Não. O paulistano Endrio Santana Horafas tem apenas 14 anos, nasceu cego e vive uma rotina excepcionalmente radical. Só não se aventura no mar porque não tem praia na cidade de São Paulo. "Eu queria aprender a surfar, mas só tem o Rio Tietê - e eu não quero surfar lá", disse, rindo. O jovem multiatleta já vencia desafios mesmo antes de saber o que era o esporte. Nasceu prematuro, aos cinco meses, e teve um descolamento de retina que não foi observado a tempo pelos médicos.

Seu passatempo preferido é ir ao Centro de Esportes Radicais, parque da Prefeitura localizado na Zona Norte da capital, subir em um skate e sentir a brisa bater no rosto. Ganhou seu primeiro “brinquedinho” aos 11 anos, mas andava desde os cinco. Machucou-se apenas uma vez durante a vida. ”Eu tava andando, tinha um negócio na minha frente e ninguém me avisou, daí eu bati na quina, caí e tive que levar três pontos", contou, enquanto mostrava a cicatriz na testa. Mas isso não chegou nem perto de impedir que Endrio continuasse nas pistas. Ainda não participou de competições na modalidade, mas vontade não falta: "Ainda tenho que melhorar muito, aprender a fazer mais manobras, só que meu pai tem medo que eu caia, é normal".

Toda nossa conversa aconteceu enquanto o Endrio contornava o parque em cima do skate. Com a audição apuradíssima e a bengala guiando seu caminho pela ciclovia, ele fez o jornalista que vos escreve suar para conseguir acompanhar a velocidade proporcionada pelas quatro rodinhas. Se engana quem acha que ele começou a andar de skate simplesmente por conta da adrenalina causada pelas manobras. "Tem muita gente que diz que não é capaz, que não consegue andar, que é difícil e tem medo de cair. Decidi andar pra ajudar as pessoas também", explicou. "O cego, o deficiente em si, muitas vezes, tem o título de ‘coitado que não consegue fazer nada’. Foi pra mostrar para as pessoas que todo mundo é capaz, todo mundo pode, é só querer e acreditar". 

Revelou que sonha viver do esporte. Se não for como skatista, como atleta de goalball (modalidade paralímpica para pessoas com deficiência visual, na qual, sentadas, arremessam a bola com a mão em direção ao gol), esporte que se dedica cerca de seis vezes por semana. Treina há quatro meses no Centro Paralímpico Brasileiro que esta localizado no Parque do Estado, na zona sul da cidade e, com apenas dois meses de treino, até já disputou campeonato. "Foi muito legal, uma surpresa pra mim. No meu time, não tomei nenhum gol. Os meninos falaram pra focar na defesa. Eu tive que aguentar bolada de um moleque da seleção", contou, orgulhoso.

 

Paixão pelo rap

Além da vida esportiva, o que mais gosta de fazer é rima. Ele é bem ligado à música, principalmente ao rap. "Eu gosto muito do Hungria e da Tribo da Periferia", afirmou. Mas é bem eclético. "Se for pra escutar, eu escuto qualquer tipo de música, eu não tenho preconceito com nenhum tipo". Sempre ia à biblioteca do Parque da Juventude, Zona Norte da capital, para participar das batalhas de rima. "Eu ia correndo, correndo mesmo, minha bicicleta não estava mais comigo, minha mãe tinha medo de me emprestar a dela, então eu corria", enfatizou.
 

Se as carreiras no skate e no goalball não derem certo, pretende ser compositor. Endrio escreve rap e até arriscou, com muito bom humor, um "freestyle" sobre o Centro de Esportes Radicais:

 

“Eu venho te falar sobre o parque de esporte radical
Ele é uma coisa muito legal

Eu vou falando: aqui, em esporte, ele é especialista
Tem muita coisa: tem lugar pra praticar parkour e tem um monte de pista

Tem o bowl, tem o mini ramp e tem o pump track
E também tá aqui o Endrio, que não sabe fazer nada de rap”

 

Revelou também ser um entusiasta da ciência, a disciplina que mais se dá bem na escola. "Eu sempre gostei do sentido das coisas, das palavras. Fui pesquisar e apareceu que ciências é o estudo sobre tudo. Sempre gostei de pesquisar sobre animais, ecossistemas, árvores e essas coisas". A ciência, inclusive, é uma importante aliada em sua vida. Para usar o celular (imagem abaixo), utiliza a assistente de voz do dispositivo - o smartphone oferece um feedback falado que descreve o que é tocado na tela, por exemplo. Para andar de bicicleta, abusa da ciência. O garoto utiliza a ecolocalização, algo comum no mundo animal, com morcegos e golfinhos, mas raríssimo com seres humanos: ao estalar a língua, ele consegue ter a percepção de tudo que está ao seu redor, já que o barulho sai de sua boca, se choca com o objeto e, como um eco, retorna, criando uma espécie de “imagem mental”.

 

Vini, o adolescente que encontrou a liberdade no skate

Este ano, o esporte preferido de Endrio estará no Japão, nos Jogos Olímpicos de Tóquio - e o paratleta não esconde o entusiasmo. “Abre portas pra muita gente que nunca pensou em estar nas Olimpíadas”. Afirmou, ainda, conhecer uma figurinha que poderia muito bem representar o Brasil nas pistas, caso o skate paralímpico já fosse realidade nos Jogos.

Trata-se de Vini Sardi (imagem abaixo), outra história incrível que o esporte nos apresentou. O paraskatista de 24 anos nasceu com uma má-formação congênita nas duas pernas e encontrou no skate uma nova vida. “Andar de skate é liberdade, eu posso usar minha criatividade e fazer aquilo que eu quiser. É uma coisa que eu não tenho limitações”, disse. Influenciado pelos amigos, começou a andar aos 16 anos. “Eu sempre gostei de skate, mas, por conta da minha deficiência, eu não sabia se ia conseguir andar ou não. Comprei o skate e fiquei treinando com a prótese, até que vi um outro paraskatista, o Ítalo Romano, descendo a megarampa do Bob Burnquist. Isso foi um despertar pra mim, porque nunca tinha visto alguém na minha situação andando de skate. Quando eu vi, pensei ‘vou tirar minha prótese e começar a andar igual a ele’”.

Começou e, desde então, não parou mais. Já são quatro títulos nacionais e um mundial, conquistado em agosto de 2019, no X Games Minneapolis (EUA), um importante evento anual de esportes radicais. O último ano foi recheado de incríveis experiências para o jovem skatista: dias após do título nos Estado Unidos, teve a oportunidade de andar, de fazer umas manobras e trocar umas palavras com o maior ídolo, Tony Hawk, que veio fazer um tour no Brasil e ainda elogiou Vini: “Ele disse que eu inspiro”. 

Boa parte de seu treinamento aconteceu no Centro de Esportes Radicais. “A pista é completa, são diversas pistas e diversos níveis de dificuldade. Abrange muito o esporte radical em si e só tem a somar pra cidade de São Paulo. Eu fui campeão mundial de skate treinando aqui. Foi muito gratificante, eu nunca imaginei que poderia participar do X Games, quem dirá ser campeão. Muito suor derramado, muitas dores também. Mas eu vejo que o sacrifício valeu a pena”. Ele treinava cinco dias por semana, cerca de quatro horas por dia, sem contar as consultas médicas e o cuidado com a alimentação.

Para este ano, sonha com o bicampeonato dos X Games. Para o futuro, quer ver o skate nas Paralimpíadas e, quem sabe, disputar uma medalha vestindo as cores do Brasil. “Com a entrada do skate adaptado nos X Games, é uma vitrine para as Paralimpíadas”, contou. “É bom para terem noção de quantos atletas, como é a competição, como é julgado. E eu acho que já está trilhando pra isso”, completou.

 

 

As tribos se encontram no Centro de Esportes Radicais

Por conta da diversidade de equipamentos, o complexo esportivo possui estrutura para receber todos os tipos de esportistas, não importa a idade, tampouco experiência. Fernando Sasaki, 39, motoboy, participava de competições de patins quando vivia no Japão e hoje busca ensinar os filhos. “Lá a gente tem muito mais acesso a esse tipo de coisa. Então, pra gente, esse lugar é fantástico, ainda mais aqui em São Paulo”. Os filhos Seidy, de 12 anos, e Sara, 9, disseram que o amor pela patinação veio do exemplo do pai.

Para o designer Júlio César (imagem abaixo), 24, morador da Zona Norte, o ambiente é bom tanto para quem quer treinar quanto para passeios em família, por exemplo. “Todas as manhãs, antes de trabalhar, eu dou uma passada, faço uma hora, uma hora e meia de treino, o que já é o suficiente pra passar o dia tranquilo”, declarou. Júlio também vê o skate nas Olimpíadas como uma vitória. “Mostra que a sociedade está dando valor pro esporte, já que era um esporte muito criminalizado. Hoje, tem uma importância muito grande, um impacto social que até salva pessoas de irem pra uma vida errada”.

Ivanildo Sousa, bancário de 55 anos, é um skatista da velha guarda. Costumava andar com os amigos nos anos 1980 e retornou às pistas há quatro meses. “É uma prática esportiva muito boa, fica em forma, né?”, destacou. Sobre a modalidade ter sido introduzida no calendário olímpico, pensa que “é um avanço do esporte do mundo inteiro”. As pistas devolveram a ele uma vida ativa e um tempo de lazer com os amigos de infância. “Daqui a pouco a turma chega pra gente andar”.

 

Centro de Esportes Radicais

Local: Av. Presidente Castelo Branco, 5.700
Horário de funcionamento: segunda a segunda, das 7h às 22h
Telefone: (11) 3224-9159

Para saber mais sobre o complexo esportivo, clique aqui.

 

Texto e fotos: Gustavo Henrique Honório de Morais - gmorais@prefeitura.sp.gov.br