Edna aprendeu guarani para atender pacientes indígenas

A enfermeira integra uma das equipes multidisciplinares da Coordenadoria de Atenção Básica voltadas ao atendimento de indígenas aldeados

Edna está no centro da foto segurando as mãos de uma criança indígena. Ela usa um jaleco branco, tem os cabelos longos e lisos e está sorrindo. Ao seu lado esquerdo há duas mulheres e uma criança indígenas. Do lado direito estão duas agentes de saúde e mais duas mulheres indígenas

A enfermeira Edna trabalha no atendimento de indígenas das aldeias Tenondê Porã e Krucutu, em Parelheiros, na zona sul de São Paulo, e da Terra Indígena do Jaraguá, na zona norte (Fotos: Arquivo Pessoal)

 

Formada em enfermagem há dez anos, Edna Gonçalves Rodrigues encontrou na dedicação à saúde indígena seu propósito de vida. Interessada nos conhecimentos específicos que a assistência a essa população exige, se especializou na área e hoje atua na Unidade Básica de Saúde (UBS) Jaraguá (Kwarãy Djekupé).

Ela integra uma das equipes multidisciplinares da Coordenadoria de Atenção Básica voltadas ao atendimento de 1.658 indígenas aldeados, sendo 1.045 das aldeias Tenondê Porã e Krucutu, em Parelheiros, na zona sul de São Paulo, e 613 da Terra Indígena do Jaraguá, na zona norte. “É enriquecedor trabalhar com os indígenas e termos a oportunidade de aprender com um povo tão sábio e acolhedor e de oferecer acolhimento individualizado”, conta a enfermeira.

Natural de São Paulo, Edna, hoje com 32 anos de idade, viveu dos 3 aos 21 anos na cidade de Marinópolis, no interior do Estado de São Paulo. Escolheu a profissão inspirada em sua saudosa tia Alzira Pereira, que atuava como enfermeira em Campinas. “Ela foi o meu grande exemplo no cuidado com o próximo e me motivou a cursar enfermagem.” Formou-se em 2010 e foi para o município de Campo Novo dos Parecis, no Mato Grosso, realizar o estudo de campo “Humanização da saúde indígena na Aldeia Bacaval”, para conclusão do curso.

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Entre os desafios enfrentados ao chegar a uma nova cidade com características singulares, ganhar a confiança das lideranças locais e percorrer até 70 km para ir de uma aldeia a outra são alguns dos obstáculos que destaca.

Experiências
Edna mudou-se para Votuporanga, após a graduação, onde trabalhou em uma Equipe de Saúde da Família (ESF) e desenvolveu alguns projetos locais, como um grupo de coral voltado aos idosos. Entretanto, o interesse em atuar junto à população indígena permanecia latente. Com o incentivo do namorado Marcelo Andrade, inscreveu-se para uma vaga de trabalho em São Paulo, onde concorreu com outras 12 candidatas e foi selecionada para trabalhar na UBS Aldeia Jaraguá.

A enfermeira fala entusiasmada sobre a importância do trabalho que desenvolve na unidade. “O fato de andar lado a lado, mesmo as diferenças culturais, e saber que estou contribuindo para o melhor resultado no tratamento é o que me motiva a prosseguir”, conta.

Edna aparece orientando um grupo de indígenas que faz trabalhos artesanais. Atrás dela há uma parede amarela e verde com um painel onde estão pendurados alguns brincos e colares, um quadro e uma janela. No canto direto da foto há uma mulher indígena com um bebê no colo

Aprender um pouco do idioma guarani ajudou Edna a entender melhor os pacientes e tornar o atendimento mais humanizado

 

Edna tem aprendido no dia a dia um pouco do idioma guarani e hoje consegue compreender melhor os pacientes que, segundo ela, “sentem-se mais seguros quando falamos a mesma língua e o atendimento torna-se mais humanizado”.

Vínculos
Além de aprender sobre o idioma e a cultura da etnia Guarani Mbya, a profissional também foi convidada para ser madrinha de uma criança da aldeia. Após acompanhar todo o processo de pré-natal da gestante Celina Ribeiro, foi escolhida como a “madrinha do coração” de Sofia Ribeiro de Castro, hoje com dois anos de idade. Embora o batizado oficial só ocorra entre pessoas da mesma aldeia, Edna participou da escolha do nome da menina, organizou suas duas festas de aniversário e recebe frequentemente demonstrações de carinho, inclusive chamadas de vídeo feitas a pedido da afilhada, para diminuir a saudade no período de isolamento durante a pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Além do trabalho, que é uma paixão, Edna gosta de ir à praia, tocar violão e cantar, inclusive já aprendeu uma música em guarani. A enfermeira destaca também a importância dos laços familiares em sua vida. “Aprendi a ser independente e mesmo com esse espírito de liberdade, não perco os vínculos com a minha família e amigos. Meu namorado também é um grande incentivador do meu trabalho e sempre me ajuda na busca dos meus objetivos”, diz.

A enfermeira, que enfrentou muitas adversidades para alcançar seus objetivos profissionais, também venceu neste ano a batalha contra a covid-19. Após sete dias de internação em uma unidade de terapia intensiva, a jurua (pessoa “branca” que cuida da saúde dos indígenas), entra para o grupo de guerreiros que lutaram e venceram essa pandemia.