Dança circular reúne meditação e movimento

Modalidade de prática integrativa complementar é realizada em vários tipos de unidades de saúde

Dança, meditação ativa, conexão entre diferentes. A dança circular é tudo isso, e é uma das práticas integrativas e complementares (PICs) oferecidas na cidade de São Paulo dentro do Sistema Único de Saúde (SUS).

Popularizada mundialmente a partir da década de 70 pelo trabalho do dançarino e educador alemão Bernhard Wosien, a dança circular foi reconhecida como PIC em 2017, por meio da Portaria nº 849, do Ministério da Saúde (MS). A mesma portaria traz uma descrição bastante abrangente sobre suas características e benefícios:

É uma prática de dança em roda, tradicional e contemporânea, originária de diferentes culturas que favorece a aprendizagem e a interconexão harmoniosa entre os participantes. Os indivíduos dançam juntos, em círculos e aos poucos começam a internalizar os movimentos, liberar a mente, o coração, o corpo e o espírito. Por meio do ritmo, da melodia e dos movimentos delicados e profundos os integrantes da roda são estimulados a respeitar, aceitar e honrar as diversidades(...) A prática tem o potencial mobilizador da expressão de afetos e de reflexões que resultam na ampliação da consciência das pessoas.

Em São Paulo, prática ganhou força nos anos 90
Na rede de saúde pública da cidade de São Paulo, a prática começou a ser implementada ainda na década de 90, com a participação especialmente de profissionais mulheres, como enfermeiras, entre outras.

Hoje a dança circular é uma PIC presente em cerca de 60 estabelecimentos de saúde, como Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Centros de Referência em Práticas Integrativas Complementares (CRPICs) e Unidades de Referência de Saúde do Idoso (Ursis), sendo praticada por milhares de pessoas. De janeiro a maio deste ano, a atividade beneficiou cerca de cinco mil pessoas na rede municipal.

“A dança circular pode ser praticada por pessoas de todas as idades e oferece inúmeras possibilidades de movimentos que, do ponto de vista de saúde, podem trabalhar diferentes funções e habilidades corporais, como equilíbrio, força, coordenação motora”, explica Kátia Calazans, gestora do CRPICS de Cidade Tiradentes e interlocutora de PICs na região leste da capital desde 2001.

Kátia, que é organizadora do livro “Danças circulares sagradas no SUS-SP – relatos e reflexões por profissionais da Rede Municipal de Saúde” (2022), enfatiza ainda o poder da prática para trabalhar questões emocionais e promover a saúde mental, além de modular o balanço entre o indivíduo e sua relação com o outro, já que uma dança depende da sincronia e harmonia de todos.

A experiência de uma UBS
Numa sexta-feira de julho, seis pacientes da UBS Jardim São Carlos, na região de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, chegaram à unidade por volta das 10h e, pouco depois de serem saudados pela fisioterapeuta Priscila Berner, ocuparam a Sala de Grupos. Priscila, que realizou sua formação em dança circular em 2017, é uma das focalizadoras da unidade. O termo é utilizado para denominar os profissionais que conduzem a dinâmica nos equipamentos.

“Eu penso em como será a dança a partir das necessidades dos participantes, em um dia podemos trabalhar mais fortemente alguma questão física, em outro executar coreografias que promovam bem-estar psíquico, por meio do ritmo e da interação com as outras pessoas do grupo, por exemplo”, explica Priscila.

Naquele dia, compareceram à atividade três mulheres e três homens, todos com mais de 60 anos e diferentes questões de saúde. Ao chegar à Sala de Grupos, eles encontraram um tecido em formato de mandala disposto no centro do espaço, e, sobre ele, um cristal e uma caixinha. Da caixinha, cada um tirou um papelzinho contendo um substantivo, como amor, coragem, clareza, felicidade, espontaneidade.

Depois, de olhos fechados e sempre conduzidos pela focalizadora, os participantes realizaram um breve exercício de respiração, relaxamento e conexão, antes da dança propriamente dita. Neste dia, são executadas quatro coreografias a partir de diferentes músicas, da oriental “Caminhantes”, uma das mais populares nos grupos por favorecer a meditação, à brasileira “Andanças”, com Beth Carvalho, na qual as pessoas se cumprimentam, olham-se nos olhos e celebram o encontro.

A foto mostra um grupo de oito pessoas, homens e mulheres, em sua maioria idosos; eles estão em  movimento, em um círculo

Os participantes do grupo de dança circular na UBS Jardim São Carlos, na zona leste (Foto: Acervo SMS)

“Eu danço e vou agradecendo por tudo”
Alguns membros do grupo têm mais dificuldades na execução da sequência de movimentos, mas ninguém fica para trás, e todos prosseguiram juntos, por cerca de meia hora. “Eu me sinto muito feliz, a dança e a música levam a gente para o alto, para o sagrado; eu danço e vou agradecendo por tudo”, expressa José Vicente Estácio, de 86 anos, que se movimenta devagar, buscando firmeza nos passos, mas parece totalmente integrado ao grupo.

Ao seu lado está Marli Bezerra de Melo, de 62 anos, que foi vítima de atropelamento há três anos e precisou passar por uma cirurgia na perna. Chegou à UBS com dificuldade para andar, de bengala, e começou o processo de recuperação com a fisioterapia, também conduzida por Priscila, antes de aderir à dança circular. “Eu me sinto melhor de tudo, de corpo e espírito, da ansiedade e da depressão, fico triste é quando não posso vir”, elogia. “Aqui tem calor humano”, resume outro participante, José Vilson Santos de Araújo, de 62 anos, que chegou à dança por meio do grupo de idosos da UBS.

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