Conheça o trabalho realizado em uma UBS localizada em território indígena

Garantir uma boa interlocução com os líderes das aldeias para que cultura e tradições locais sejam respeitadas faz parte do cotidiano da gestora Poty Poran Turiba Carlos, na terra indígena Jaraguá

“O nosso Agosto Dourado aqui na aldeia é diferente, o trabalho que temos não é só para incentivar as mães a amamentarem, pois culturalmente já fazem isso, e sim para a introdução consciente de outros tipos de alimento na dieta do bebê após os seis meses”, diz Poty Poran Turiba Carlos, gestora da Unidade Básica de Saúde (UBS) Aldeia Jaraguá Kwarãy Djekupé, na zona norte da cidade. A fala de Poty resume um pouco da realidade dos profissionais que atuam nas UBSs indígenas da cidade de São Paulo, e que envolve não apenas questões de saúde, mas também de cultura.

A gestora, que há quase dois anos está à frente da equipe de 27 profissionais da UBS, localizada na terra indígena Jaraguá, ressalta a importância da interlocução com a comunidade. “O respeito à tradição, crenças e autoridade indígena é fundamental”. Essa interlocução leva em conta por exemplo que muitas das crianças em idade pré-escolar e os idosos das aldeias só falam a língua guarani-mbya, ou que o pajé ou a pajé (xamoî/kunhã karai) normalmente é consultado sobre questões de saúde antes que os moradores decidam procurar a UBS, entre muitas outras especificidades da cultura local.]

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A foto mostra uma mulher jovem, de traços indígenas, cabelo preso e usando colar e brincos de miçanga coloridas e um jaleco branco; ela está junto a uma parede com uma placa onde se lê “UBS Aldeia Jaraguá Kwarãy Djekupé”, e possui também a logomarca do SUS e o brasão da Cidade de São Paulo

Poty Poran Turiba Carlos é gestora da UBS Aldeia Jaraguá há quase dois anos (Foto: Acervo SMS)

Por isso, a UBS Indígena do Jaraguá é formada por uma equipe multidisciplinar de Atenção Básica à Saúde Indígena (EMSI), na qual 18 dos 27 profissionais, em todos os tipos de funções e em todos os níveis educacionais (ensino superior, nível técnico, ensino médio) são indígenas. Nesta equipe, o papel de interlocutora indígena, atualmente desempenhado pela jovem Rafaela Martim, é fundamental, assim como o dos Agentes Comunitários de Saúde (ACSs), Agentes de Promoção Ambiental (APAs) e Agentes Indígenas de Saneamento (Aisan) que realizam visitas às aldeias.

Visitas às aldeias detectam casos que não chegariam a UBSs
A terra Jaraguá é uma das duas áreas indígenas existentes dentro da cidade e possui seis aldeias, com uma população estimada em 719 pessoas em todas as faixas etárias (incluindo três pessoas com mais de 100 anos). Quatro dessas aldeias estão próximas ao acesso, e outras duas são mais distantes, o que torna as visitas domiciliares ainda mais importantes. “É possível que uma criança com problema de pele, por exemplo, demore semanas para procurar a UBS, então a presença do agente de saúde na aldeia é essencial para detectar e encaminhar casos que precisam de atendimento”, diz Poty Poran.Cada aldeia recebe a visita dos agentes e do médico, enfermeira e equipe multi no mínimo uma vez por mês.

A foto mostra uma mulher negra de cabelos soltos e usando máscara e jaleco branco junto a um grupo de seis crianças indígenas; eles estão sentados à volta de uma mesa de madeira, em um espaço com chão de terra batida e cercado por árvores

Dentista da UBS dá aula sobre escovação a crianças da aldeia (Foto: Acervo SMS)

Além de problemas dermatológicos, decorrentes do contato com a terra e animais, a gestora conta que são comuns nas aldeias as doenças respiratórias (asma, bronquite, bronqueolite), principalmente em crianças e idosos, e ainda os traumas decorrentes de uma das formas de lazer mais queridas pelos moradores: jogar futebol. “Aqui todos jogam, homens, mulheres crianças, e como normalmente disputam descalço, lesões de ligamento e ossos quebrados são frequentes”, relata Poty Poran. Nos casos mais graves, os pacientes são encaminhados para a Unidade de Pronto Atendimento City Jaraguá, a cerca de três quilômetros e meio de distância.

Relacionamento com outros equipamentos
Além da UPA, do lado de fora da terra indígena a UBS também se relaciona com os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) da região, que ajudam especialmente no atendimento de moradores dependentes de álcool e drogas, um dos problemas enfrentados pelas aldeias, tanto entre adultos quanto jovens. No atendimento hospitalar, a interlocução é com o Hospital Geral de Taipas. Para lá são encaminhadas por exemplo as mulheres que decidem ou necessitam dar à luz no ambiente hospitalar, e nesse caso, a interlocução realizada pelos profissionais de saúde indígenas é importante.

“Nossas tradições reservam muitos rituais para o nascimento, que incluem desde a coleta da placenta até uma série de restrições alimentares para toda a família, que pode se prolongar por até dois anos”, explica Poty Poran. “Para explicar esses costumes, convidamos uma equipe do hospital a vir até a aldeia; hoje eles conhecem nossos costumes e possuem até alguns protocolos criados para respeitá-los”, comemora a gestora, que neste momento cuida da implementação de um curso de guarani-mbya para os profissionais não-indígenas da UBS, para que possam se comunicar melhor com os pacientes.

A foto mostra uma mulher de cabelos compridos e escuros, usando um jaleco branco; ela está de costas para o fotógrafo, falando para um grupo de cerca de 20 pessoas, homens e mulheres, sentados em semicírculo em uma clareira no meio da mata

Reunião da Rede Intersetorial de Saúde Mental Indígena em uma das aldeias (Foto: Acervo SMS)