Município de São Paulo fecha último leito em hospital psiquiátrico

Cidade fica livre dos manicômios, conquista importante na luta antimanicomial

Atualizado em 19/12/2016

Por Mariana Bertolo e colaboração Rosângela Rosendo


No inicio do mês de dezembro, a Secretaria Municipal da Saúde encerrou o último contrato com um hospital psiquiátrico. Foram fechados 530 leitos em quatro hospitais de 2013 a 2016, e o município de São Paulo ficou livre dos manicômios, uma conquista importante para a luta antimanicomial.

Todos os pacientes institucionalizados foram avaliados por técnicos e transferidos para os Serviços de Residências Terapêuticas (SRT) ou leitos de saúde mental em hospitais gerais, para depois serem encaminhados para uma SRT. São Paulo conta com 46 residências terapêuticas, sendo 22 abertas nesta gestão e outras duas em fase de implantação.

Publicada em 2001, a lei 10.216 da Reforma Psiquiátrica garante proteção às pessoas com transtornos mentais e encaminha para tratamento assistencial, passou-se a privilegiar o oferecimento de tratamento em serviços de base territorial comunitária, dispondo a proteção e os direitos das pessoas com transtornos mentais.

“Esta gestão se comprometeu a finalizar contratos e convênios com instituições que violem algum direito social dos cidadãos, um pedido dos movimentos sociais e da sociedade civil. Era preciso acomodar este tipo de demanda dentro de um sistema reformulado. Para isso, foi projetada a estruturação da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), com leitos em hospitais gerais e acolhimento em Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) 24 horas”, explica o secretário municipal da Saúde, Alexandre Padilha.

Este movimento para implantação de um sistema renovado na assistência à saúde mental, segundo Padilha, possui uma sequência histórica na mudança de concepção de como as pessoas que sofrem de algum transtorno psiquiátrico devam ser tratadas e, aquele que era o único caminho para o transtorno mental, a internação, se tornou uma opção menos importante.

“Esses leitos eram rotativos, focado em um modelo de atenção de hospital, onde o paciente poderia permanecer por até 60 dias. Mas, havia casos de pacientes que acabavam virando moradores residentes, por décadas, e que, dentro da reforma psiquiátrica, deveriam ser acolhidos em serviços na cidade. Os leitos não estão sendo fechados para começar uma mudança, mas sim, porque não faz mais sentido termos contratados leitos psiquiátricos sendo que nossa rede, hoje, tem capacidade para suprir esta demanda", destaca o secretário.

A RAPS é composta por 82 CAPS, com 109 leitos de hospitalidade noturna, 50 Serviços de Residência Terapêutica (SRT), 23 Centros de Convivência e Cooperativa (CECCOS), 13 hospitais gerais com 165 leitos em saúde mental, 16 Unidades de Acolhimento (UA) e 18 equipes de Consultório na Rua.

Padilha explica que foram formadas equipes de desinstitucionalização em todas as regiões da cidade para articular com os diferentes equipamentos da RAPS, o processo de desospitalização. “Mais do que encerrar estes contratos, o município se esforçou na construção de uma rede psicossocial bem articulada e efetiva, com educação permanente para os profissionais, garantindo a sustentação à concepção de cuidado em liberdade”.

'Eu não gostava de morar lá não'

Tatiana Vale Ferreira, a Tati, de 43 anos, é uma das moradoras da SRT Ipiranga, que completará um mês de funcionamento no dia 17 de dezembro, e conta que, ainda menina, foi internada em um Hospital Psiquiátrica, em Sorocaba. “Eu não gostava de morar lá, não. Tinha uma paciente que tinha raiva de mim, me batia e puxava meu cabelo. Aqui na casa é legal, porque não tem briga nenhuma. Mas na verdade tenho vontade de morar com minha irmã”, relata a jovem que teve a família localizada pelo município.

Para manter a casa organizada, Tatiana comenta que ajuda a lavar louça, estender a roupa no varal e arrumar a cama. Além disso, frequenta as atividades no CAPS. “Outro dia fui à casa da minha irmã e foi muito legal. Tomei refrigerante, comi pizza e bolo, assisti desenho. Eu gosto daqui, mas tenho mais vontade de parar de tomar remédio, de ir embora e morar com minha irmã”, confessa.

A SRT Ipiranga conta com uma equipe formada por coordenador de serviço, uma auxiliar de enfermagem e oito cuidadores em saúde, que atuam em regime de plantão 24 horas. No espaço, todos os residentes seguem a rotina da casa, com horários para fazer as refeições (café da manhã, almoço, café da tarde e jantar), para banho, organização e limpeza do local. Dependendo da autonomia, o morador tem maior ou menor participação nas tarefas da casa.

Na unidade moram oito pessoas – quatro homens e quatro mulheres – egressos de unidade hospitalar psiquiátrica localizada na cidade de Sorocaba e região. Os que apresentam maior grau de dependência, comprometimento clínico, requerem mais cuidados de enfermagem, e tem objetivo de promover a reinserção social desses residentes, possibilitar o acesso a diversos serviços publico, desde saúde, educação, lazer, cultura, e outros. Mas, sobretudo, promover a autonomia, independência, cidadania e a garantia dos seus próprios direitos.

Esses usuários também frequentam atividades regulares CAPS Adulto Ipiranga, onde é desenvolvido um programa terapêutico singular para cada um. Lá participam de grupo de terapia ocupacional, autocuidado, experimentação (paladar e textura), música, dança de salão, mosaico, entre outros. Todos os usuários passam em consultas periódicas com psiquiatra.

Além do CAPS, os moradores também frequentam outros pontos da rede pública de saúde de acordo com suas necessidades. A casa também conta com apoio da AMA/UBS Integradas São Vicente de Paula, que é a unidade de referência que desenvolve trabalho de orientação nutricional.


Também egresso do hospital em Sorocaba, William Marcos Freitas, de 34 anos, é outro morador da SRT que, assim como Tatiana, tem sonhos, entre eles, morar novamente com a família. “Nasci no bairro da Saúde, estudei em Santana, tenho duas irmãs que moram em Atibaia e um tio aqui em Santo Amaro. Eles já fizeram muito por mim, agora é a minha vez de ajudar”, ressalta.

Segundo o próprio William, aos 14 anos foi internado no interior porque vivia fugindo de casa para ir para a ‘balada’ e beber. “Meu pai já morreu, mas pegava muito no meu pé e era bravo demais”, relembra. William conta também que ajuda a manter a casa em ordem, quando precisa auxilia os colegas e adora ver noticias na televisão. “O que tenho mais vontade de fazer na vida é aprender mais coisas com as notícias, de estar informado. Adoro ver jornal na TV. Mas também queria um computador e um celular para falar com minhas irmãs e meu tio”, almeja.