Biólogo fala sobre desafios do combate ao Aedes aegypti

Eduardo Barbosa Beserra aponta fatores que condicionam ciclo de vida do mosquito e tempo de desenvolvimento do ovo e larva

Por Nilson Hernandes


Com o aumento do número de casos notificados de dengue no município de São Paulo e os primeiros casos autóctones registrados da febre chikungunya e do Zika vírus, a caça ao Aedes aegypti foi intensificada pelas autoridades sanitárias paulistanas. Com isso, é fundamental que a população esteja engajada na eliminação de todo e qualquer criadouro do mosquito. Para falar sobre o problema, o Portal da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) ouviu o professor doutor Eduardo Barbosa Beserra, do Departamento de Biologia / Laboratório de Entologia do Grupo de Bioecologia Sistemática de Insetos da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Beserra é biólogo e um dos autores do estudo Efeito da Qualidade da Água no Ciclo de Vida e na Atração para Oviposição de Aedes aegypti , publicado na Neotropical Entomology, em 2010.

Pergunta – O ciclo de vida do mosquito Aedes aegypti está condicionado a fatores como umidade, temperatura, acesso à alimentação e quantidade de larvas num mesmo criadouro. Para que o inseto se desenvolva é preciso necessariamente um criadouro com água limpa?

Resposta – Não. É necessário que ocorra disponibilidade de alimento (matéria orgânica)! Se na água limpa não houver recurso alimentar disponível, não tem como o inseto se desenvolver. Assim, ele pode se desenvolver em águas com graus de potabilidade menor, inclusive águas de esgoto, desde que tenha recurso alimentar disponível e condições físico-químicas adequadas. Em laboratório, quando estudamos o desenvolvimento do inseto em água desclorada e em [água] de chuva sem a adição de alimento (ração para peixe ornamental) não ocorreu o desenvolvimento larval. Mas, em outras coleções de água, com menor grau de potabilidade, inclusive água de esgoto, ocorreu o desenvolvimento larval, mesmo sem a adição de alimento. Significando que nessas águas tinha recurso alimentar suficiente para sustentar o desenvolvimento larval.

P - Após a eclosão, em quanto tempo a larva se torna mosquito?

R - Esse período de desenvolvimento varia muito de acordo com a temperatura e a disponibilidade de alimento. A uma temperatura média de 26ºC e com suficiente quantidade de alimento, a duração de ovo adulto varia entre 12 e 15 dias; já a larva adulta, de 8 a 12 dias em média.

P - Em ambiente urbano, após os ovos serem depositados, quanto tempo duram fora d'água?

R- O ovo é uma fase de resistência do Aedes aegypti. Ele pode permanecer em período de quiescência (forma de dormência devido às condições adversas, como a falta de água) por um ano ou mais. Lógico que quanto mais tempo ele permanecer nessa condição, menor a sua sobrevivência. Até 120 dias aproximadamente em quiescência é possível ocorrer uma sobrevivência em torno de 80 a 90%, diminuindo a sobrevivência com o aumento da quantidade de dias. Após um ano, a sobrevivência pode alcançar 10% ou menos.

P - Um mosquito pode infectar até quantas pessoas? Todas precisam estar necessariamente num mesmo ambiente para que isso ocorra?

R- Não necessariamente as pessoas devem estar num mesmo espaço físico. Se numa primeira picada a fêmea não suga sangue suficiente, ele pode procurar outro hospedeiro, na própria residência ou em residências próximas. Pode infectar mais de uma pessoa num mesmo ambiente, até quando a fêmea se sentir saciada ou repleta de sangue necessário à maturação e desenvolvimento dos óvulos.

P - O mosquito voa em qual altitude? Ele percorre longas distâncias?

R- As fêmeas podem se dispersar entre 500 a 800 metros em busca de hospedeiro para a hematofagia, mas preferem se manter no local onde haja a presença do hospedeiro. Quanto à altura de voo, em torno de 1,30m de altura. Mas isso não que dizer que não possam atingir locais de alturas maiores, pois a referência para essa altura é sempre o substrato ou o piso.

P - Alardeamos que mais de 85% dos criadouros do Aedes estão nas residências, pois necessariamente o mosquito precisa estar próximo às pessoas. Podemos afirmar isso?

R- É possível afirmar que o maior percentual de adultos se encontra no interior das residências. Quanto aos criadouros, particularmente não acredito num percentual tão alto. A falta de infraestrutura da maioria dos bairros das cidades brasileiras, como a carência de saneamento básico, coleta regular de lixo, presença de áreas livres (terrenos baldios) – locais nos quais há muito acúmulo de materiais que podem servir como criadouro do inseto – tudo isso é um grande gargalo para o controle do inseto em nível aceitável.

P - Sabe-se que o mosquito prefere depositar seus ovos em recipientes que apresentam condições apropriadas, como baixa luminosidade. Água turva (barrenta) é um criadouro?

R- Toda água parada que haja recurso alimentar disponível e condições físico-químicas adequadas pode se tornar um criadouro. Uma água totalmente barrenta com alta viscosidade não é um bom criadouro.

P - A presença de metais pesados provenientes da poluição difusa e de rejeitos industriais diluídos, altos índices de matéria orgânica oriundos do esgoto doméstico e o baixo índice de oxigenação da água - condições essas encontradas na maior parte dos cursos d'água localizada na Região Metropolitana de São Paulo - inviabilizam a sobrevivência das larvas do mosquito Aedes aegypti? Por quê?

R- Vai depender das condições desses cursos de água. Precisaria conhecer melhor para poder responder com maior precisão. A falta de oxigenação não é um impedimento grande para as larvas, pois elas não retiram o oxigênio da água. Já sobre a viscosidade, existe um problema maior na medida em que se a água for muito viscosa isso impediria as larvas de expor seu sifão respiratório e obter oxigênio atmosférico. A falta de oxigênio também pode ser um fator limitante se ele diminui a disponibilidade de alimento.

P - Qual o nível máximo de toxidade tolerado para que uma larva consiga sobreviver em água poluída?

R- Não tenho esses dados, mas é possível em água de esgoto que é bastante poluída.

P - Água em movimento também serve como criadouro do Aedes aegypti?

R- O mosquito é um inseto que prefere água estagnada, ambientes lênticos, onde não há correntes de água. O problema é que a maior parte dos cursos de água nas cidades sempre está sujeita a se colocar lixo, o que represa a água, formando microambientes de água parada onde pode ocorrer o desenvolvimento do inseto.