Semana da Luta Antimanicomial movimenta região Sul

Unidades celebram reforma psiquiátrica com eventos de inclusão e cultura

Evento no Parque do Cordeiro contou com sarau musical

 

Texto e fotos por William Amorim

É difícil acreditar que, até pouco tempo, as pessoas que possuíam algum tipo de deficiência mental e os dependentes químicos eram submetidos a tratamentos desumanos, que acarretavam sequelas físicas e emocionais. Colocadas em manicômios, essas pessoas eram excluídas da sociedade e muitas vezes eram tachadas como loucas e perigosas. Nos tratamentos recursos agressivos, como o choque, chegaram a ser usados. Na contramão dessa forma ofensiva de tratamento, foram criados e implantados os CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), que buscam valorizar essas pessoas na sociedade. Os grupos e atividades realizados estimulam o protagonismo desses usuários, mostrando que eles possuem potencial e não devem viver isolados. Para promover e celebrar essa nova forma de tratamento diversas ações aconteceram na semana de 18 de maio, lembrando o Dia da Luta Antimanicomial.

Todos no movimento

A equipe de saúde mental de Santo Amaro e Cidade Ademar (SACA) organizou um evento no Parque do Cordeiro Martin Luther King. Houve sarau musical, caminhada, desfile de moda e um lanche para a socialização. “Desde que a gente começou a reforma psiquiátrica, o dia da luta é um marco contra as formas autoritárias e segregatórias de cuidado. O evento abraça os serviços de saúde mental do território para uma quebra de estigmas”, explica a gerente do CAPS Adulto Cidade Ademar Carolina Tosetto.

Um dos momentos mais esperados foi a junção do mosaico elaborada nas unidades para ser fixado no parque. Cada dois serviços de saúde mental da região de SACA ficou responsável por fazer um quadrante. “Os pacientes estavam ansiosos para ver todos os pedaços do mosaico juntos. O desenho foi escolhido pelos próprios usuários, um pássaro, pois disseram que representa a liberdade”, conta o estagiário de enfermagem do CAPS Infantil de Santo Amaro, Renato da Silva Ferreira.

Essas ações são uma extensão dos trabalhos terapêuticos realizados nas unidades. “Estou no CAPS há um ano e três meses e sou muito bem cuidado lá. Somos tratados com dignidade, eles respeitam o nosso espaço e desenvolvem atividades que nos estimulam”, elogia o usuário Sérgio Ricardo Elias F. dos Santos.

“Precisamos reivindicar tratamentos dignos e humanizados. Esses eventos valorizam a cidadania dos usuários, eles podem frequentar outros espaços e isso é marcante para eles”, afirma Bruno Benndorf Mangolini, psicólogo do CAPS Adulto Cidade Ademar.

Compartilhando experiências

O CAPS Álcool e Drogas (AD) de Capela do Socorro promoveu na própria unidade uma “Roda do Saber” aberta à comunidade. “O intuito foi relembrar as histórias de pacientes nossos que passaram por manicômios e fazer uma reflexão sobre o modelo que temos hoje. Essas pessoas apresentam muitas sequelas emocionais. Precisamos lembrar do passado, porque se não a gente corre o risco de voltar para ele”, relata o psicólogo Ricardo Alan Bandeira.

Os usuários que não passaram por esse tipo de tratamento puderam ter um parâmetro das mudanças que aconteceram. “Não devemos ser os excluídos ou mal vistos. Eu tinha um pensamento de que no tratamento iam me prender, mas é totalmente o contrário, eu não sou obrigado a nada”, expõe o tatuador Diego Cecilio da Silva.

O grafiteiro Derick Dantas da Silva acredita que para as pessoas que passaram por isso, hoje frequentar o CAPS é muito bom. “Muita gente acha que a gente é louco, mas não devemos deixar a opinião dos outros influenciar. O que devemos é procurar ajuda e o CAPS é uma excelente opção”, afirma. 

 


No Grajaú destaque para o sarau aberto que reuniu participantes de vários CAPS da região

 

Levando a cultura para a rua

Os CAPS Infantil e Adulto de Capela do Socorro e o CAPS Infantil de Parelheiros realizaram um sarau aberto no calçadão da Casa de Cultura Palhaço Carequinha, no Grajaú. “É um evento simbólico, porque é feito em um local público com os usuários dos CAPS da região. É uma oportunidade de eles ocuparem o espaço público da cidade com a sua singularidade para se expressarem com músicas, pinturas e danças” explica Diego Curceli, gerente do CAPS Adulto de Capela do Socorro.

A programação contou com roda de tambores, jogral, apresentação de hip hop, oficina de spray e pichação de camisetas. “Hoje, poder vir para a rua e trazer esses pacientes é mostrar para todos que eles são iguais. É pensar em uma prática livre de qualquer amarra”, declara o terapeuta ocupacional do CAPS Infantil de Capela do Socorro, Cleber Henrique de Melo.

Apresentando talentos

O Projeto Acessibilidade Cultural, desenvolvido em M’Boi Mirim, que oferece acesso à arte e à cultura nos equipamentos de saúde mental da região, organizou um show de talentos no CEU Guarapiranga.

Contando com a participação dos CAPS Infantil 2 M’ Boi Mirim, CAPS Adulto M’Boi Mirim, CAPS AD Jardim Ângela e do Cecco Guarapiranga, os usuários e funcionários que quiseram participar se inscreveram antecipadamente nas unidades.

O espaço foi decorado com os trabalhos artísticos elaborados pelos usuários. As apresentações contaram com música, poesia, percussão – com materiais como tampinha de lata e abridor de garrafa –, pintura em tela e coral. “O show de talentos ajuda a mostrar para os usuários que eles têm potencial e cultura. E aqui vamos valorizar essas potencialidades deles” diz o educador físico do CAPS Infantil M’Boi Mirim, Levi Torres dos Santos.