Livro aborda parceria entre religiões afro-brasileiras e profissionais da saúde na luta contra a aids

Obra reflete trabalho desenvolvido por dez anos nos Terreiros para informar e conscientizar religiosos sobre importância da prevenção

Trata-se de uma história fundamental, onde um grupo pioneiro no País luta pelo pleno exercício dos direitos humanos e a promoção da saúde da população em geral, dentro dos princípios do sistema Único de Saúde (SUS)

Por Keyla Santos
Fotos: Edson Hatakeyama

A parceria entre profissionais de saúde e pais de santo para combater a epidemia de aids representou uma árdua batalha contra o preconceito, em defesa das vida. Agora, essa história – em parte ainda desconhecida – pode ser conhecida pelo grande público. Ela é contada pelo educador comunitário Celso Ricardo Monteiro, pela psicóloga Paula de Oliveira e Sousa e pelo sociólogo Luís Eduardo Batista no livro “Religiões afro-brasileiras, políticas de saúde e a resposta a epidemia de aids”, lançado na última sexta-feira (12/12) na Secretaria Municipal de Saúde.

O livro reflete o trabalho do Grupo de Valorização do Trabalho em Rede (GVTR), desenvolvido ao longo de dez anos (2001 a 2011) nos Terreiros de São Paulo, e relatado por Monteiro, integrante da equipe da Coordenação Municipal de DST/Aids, Paula e Luís Eduardo, integrantes da Coordenação Estadual de DST/Aids durante uma roda de debate.

Trata-se de uma história fundamental, onde um grupo pioneiro no País luta pelo pleno exercício dos direitos humanos e a promoção da saúde da população em geral, dentro dos princípios do sistema Único de Saúde (SUS). A experiência se deu por meio da integração dos rituais e crenças da cultura ancestral aos conhecimentos da modernidade em prol de um bem comum: a saúde.

“Religiões afro-brasileiras, políticas de saúde e a resposta à epidemia de aids” mostra a atuação das comunidades tradicionais de Terreiro à epidemia de aids. Segundo os autores, esse processo pode ser definido como um trabalho de educação comunitária em saúde, participação popular e controle social. Eliana Battaggia Gutierrez, coordenadora da área de DST/Aids da SMS, define a obra como desfecho de um longo caminho, que resultou em um produto de excelente qualidade.

“Para nós é uma satisfação muito grande, pois Celso trabalha conosco aqui [na SMS]. Este livro foi editado e financiado pela Secretaria Estadual da Saúde, que demonstrou uma grande sensibilidade para essa questão e deu apoio tornando possível a disponibilização desse produto”, disse.

Ainda de acordo com a coordenadora, a publicação é registro de um longo processo de conhecimento, de interlocução, de articulação e que tem como plano de fundo a questão da epidemia de aids e de como as religiões afro-brasileiras se articularam e foram articuladas para ajudar nesse enfrentamento.

“A questão da população negra é extremamente importante dentro do cenário geral do enfrentamento da epidemia de aids. As populações pretas e pardas pagam um ônus muito mais elevado do que a população branca. Os dados de morte apontam que, para cada branca que morre por aids, temos duas pardas e três pretas. Este é um dado muito importante e temos que efetivamente nos articular e ver como podemos enfrentar essa questão que, em nossa opinião, é uma questão de acesso e tem que ser melhorada”, afirmou Eliana.

Raça e religião



Paula frisa que abrir caminhos foi tarefa árdua, pois nem sempre questões raciais e religiosas são temáticas encaradas tranquilamente no meio da saúde. “A gente lutou muito para criar esse espaço, para debater esse tema, e o livro chegou para reaquecer o debate”, afirmou.

Entre as questões que podem ser levantadas está a conscientização de que na área da saúde há profissionais de diversas religiões, assim como os usuários, e isso deve ser levado em conta. “No meio da saúde há religiosos. Nos usuários do sistema de saúde há religiosos. Se você não traz a abordagem em tempo, para discutir o sujeito integral, para ser uma coisa que todos reconheçam e possam pensar sobre, ela acontece de forma torta. Os problemas que acontecem talvez diminuíssem muito se a gente levasse em conta a religiosidade que as pessoas têm e a importância disso na vida e na saúde delas. E esse livro traz isso”, explicou a psicóloga.

Celso Ricardo afirma que a obra começa quando os religiosos decidem sentar para conversar com o Estado, em função da ausência de diálogo com os municípios. “Sentar com o Estado significava falar com o centro de referência que poderia treinar as pessoas para que juntos enfrentassem a epidemia”, disse.

O escritor destacou ainda a importância da participação popular como eixo forte da gestão da política. “Se o controle social não tivesse participado, a gente não teria ido à primeira Conferência de Aids em 2002, pautado esse tema lá, assim como a gente não teria frequentado os outros espaços e feito alianças com os outros movimentos para poder garantir alguma discussão sobre o tema”, finalizou.