Evento Conscientização e Aculturamento Racial da Secretária Municipal de Gestão reverencia o Dia da Consciência Negra

Reflexão sobre políticas municipais afirmativas voltadas à população negra esteve no centro do encontro realizado na Biblioteca Mário de Andrade

Encerrando o mês de novembro, o evento “Dia da Consciência Negra – Conscientização e Aculturamento Racial”, promovido pela Secretaria Municipal de Gestão (SEGES), buscou uma reflexão sobre o tema a partir da música, da poesia e de rodas de conversa entre estudiosos do assunto e gestores da Administração Pública. O racismo dentro e fora da Prefeitura e as políticas públicas voltadas à população negra na cidade foram o ponto comum do debate, que deu voz aos presentes e participantes.


O inicio do evento teve um momento emocionante com a apresentação do grupo de alunos da Academia Estudantil de Letras (AEL) Graciliano Ramos. Eles apresentaram a leitura teatral intitulada “Diálogos poéticos – uma construção antirracista”, que trata do processo de se tornar preto/negro em uma sociedade marcada por racismo estrutural, falta de representatividade e diversidade. De tão marcante, o texto e a performance dos jovens permearam a fala daqueles que vieram depois. Na sequência, o palco foi ocupado pela escritora Antonia Andréa Sousa, integrante do coletivo feminino Teodoras do Cordel, que apresentou um conto africano e, posteriormente, poema de cordel sobre Lia de Itamaracá e Rute Souza, a quem chamou de “duas mulheres preciosas”.


“Luta pela inclusão deve ser de toda sociedade”, diz Regina Silvério


Após a programação cultural inicial, deu-se início ao painel de abertura, com a presença de Regina Silvério (Secretária Municipal de Gestão em exercício), Eunice Prudente (Secretária Municipal de Justiça), Elza Paulina de Souza (Secretária Municipal de Segurança Urbana) e Fernando Padula (Secretário Municipal de Educação). Regina Silvério destacou a legislação e a aplicação da política de cotas raciais para o funcionalismo público paulistano e o papel da Secretaria de Gestão. “A SEGES, como responsável pelos Concursos e Sistema de Estágio, trouxe em todos os editais de Concurso e vagas para estágio, a execução das cotas raciais, que exige que 20% das vagas sejam destinadas a Negros, Negras e Afrodescendentes; e no nosso programa de Residência, aumentamos a cota de 20% para 30%”. De acordo com ela, “a luta pela inclusão não deve ser apenas da comunidade negra, mas de toda a sociedade”.


Eunice Prudente, que também é professora sênior da Universidade de São Paulo, defendeu o papel das ações afirmativas como ferramenta de inclusão social. Na visão dela, as cotas estão aproximando o debate que acontecem dentro da USP da realidade brasileira. “Políticas afirmativas realmente se fazem necessárias para os negros, porque 400 anos de escravidão produziram uma pobreza geracional”, enfatizou Eunice.


A secretária Elza Paulina enfatizou a importância da conscientização como fator de transformação pessoal e a mudança de postura que vem ocorrendo dentro da própria Guarda Civil Metropolitana. “A GCM vem passando por um processo de desconstrução do racismo estrutural, inclusive graças ao curso oferecido pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos aos guardas que trabalham com a população de rua. Avançamos também na porcentagem de pessoas negras dentro da corporação”, disse. Para ela é importante continuar no processo de desconstrução do racismo estrutural, e isso passa por pessoas negras ocupando espaços de fala, de discussões e de poder. “A caneta pode ser também um instrumento de libertação.”


Já o secretário Fernando Padula, evidenciou o papel da educação no processo de transformar a sociedade em um espaço não racista. Ele lembrou ainda que da pasta que lidera saíram o Currículo Antirracista com orientações pedagógicas, a aquisição de títulos da cultura africana, afro-brasileira e de escritores pretos e pardos brasileiros, e também de bonecos pretos para a educação infantil na cidade de São Paulo. “Temos como objetivo combater o racismo estrutural na sociedade a partir da educação, incidindo na formação das próximas gerações”, disse.


“O Brasil tem um problema de cor”, afirma Júlio César Silva Santos


Um dos pontos altos do evento foi a roda de conversa, mediada pela jornalista Marcela França e que reuniu Ciça Santos (Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS), Elisa Lucas Rodrigues (Secretária Executiva Adjunta na Secretaria dos Direitos Humanos e Cidadania – SMDHC), Júlio César Silva Santos (diretor de Comunicação do Instituto Luiz Gama) e Marco Antônio dos Santos (da área técnica em Saúde da População Negra da Secretaria Municipal de Saúde – SME).


“Nós (pessoas negras) já temos dois passos atrás de todo mundo e o que vai fazer com que avancemos é o conhecimento”, disse Ciça, dirigindo diretamente ao grupo de alunos da AEL Graciliano Ramos, que ocupavam a parte superior do auditório. Na continuação da sua fala, Ciça emendou: “Fiz seis faculdades, muita preparação e não conseguia chegar. Levei 30 anos para chegar a algum lugar, mas nunca desisti. Sempre acreditei em mim, sempre acreditei que era possível”.


Elisa Rodrigues, da SMDHC, que há 45 anos é ativista do Movimento Negro, lembrou que, em caso de concursos públicos, a autodeclaração não dispensa a efetiva correspondência da identidade fenotípica do candidato com a de pessoas identificadas socialmente como negras. Segundo ela, não são poucos que buscam burlar o sistema. “Em setembro, fizemos a verificação de 1.600 pessoas no concurso da Educação, para verificar se a fenotipia delas eram realmente de pessoas negras. Infelizmente, detectamos que muitas não eram destinatárias da política de cotas”.


Para o diretor de Comunicação do Instituto Luiz Gama, Júlio César Silva Santos, nunca é demais lembrar que a população negra é maioria no Brasil. Ele recorreu aos números do IBGE, do segundo semestre de 2022, para apontar que 56% dos brasileiros (cerca de 114 milhões) são pretos e pardos. “Sabemos que não somos minoria e precisamos falar sobre isso, pois o Brasil tem um problema de cor. Por isso que digo que aqui o racismo é um crime altamente sofisticado. Ele só acontece porque é um crime perfeito dentro da estrutura econômica, social e política”.


A roda de conversa foi concluída com a participação de Marco Antônio Santos, da Secretaria Municipal de Saúde, que enfatizou a luta para incluir nos formulários da pasta o quesito raça. Segundo ele, muitos questionaram a ação ou simplesmente se recusam a responder. “As pessoas têm muita dificuldade dizer qual é a sua cor e, por conta disso, tivemos diversos conflitos nos equipamentos de saúde. Entendemos a situação, pois, no fundo, o cidadão se pergunta: ‘Será que vou ter um atendimento diferenciado se eu disser que sou preto ou pardo?’. No entanto, essa é uma informação importante para o planejamento de uma política pública”, defende.


Reverência à cultura negra para encerrar


O evento “Conscientização e Aculturamento Racial” encerrou com o show “Brasilidade – muito prazer, As Iyálódes”, grupo que canta a trajetória de mulheres negras, basicamente, do universo musical brasileiro. O repertório reservado para o evento começou com “Deus é uma mulher Preta”, composição de Jéssica Gaspar, que conquistou de imediato o público que lotava o auditório inferior e superior da Biblioteca Mário de Andrade. O show seguiu com trabalhos de Sandra de Sá (Olhos Coloridos), Milton Nascimento (Maria Maria) até que, depois de “Mulher do fim do mundo”, de Elza Soares, a última do programa, o que se ouviu foram apenas efusivos aplausos, um sinal de que as mulheres pretas que formam “As Iyálódes” podem ter conseguido o seu intento: que os presentes mudassem a sua playlist.


Confira as imagens dos melhores momentos em nossas redes sociais.