Café dos Artistas

 
 

O “Café dos Artistas” ou simplesmente “Café” é um encontro de artistas e empresários circenses que acontece no dia de folga da categoria, segunda-feira, num ou em torno de um café. O de São Paulo, já que existiu “cafés” em várias capitais do país, foi sediado inicialmente no Largo do Rosário, atual Praça Antonio Prado, e no início do século XX, passou a acontecer no Largo do Paissandu, chegando a reunir mais de 600 pessoas em torno de vários cafés - Ponto Chic, Juca Pato, 518, entre outros - e ocupando todo quadrilátero que abrange o Largo do Paissandu e a avenida São João, até o cruzamento com a Ipiranga. Era um lugar de encontros sociais, mas um marco importante de referência dos artistas, que iam procurar trabalho, e de empresários, agentes culturais e donos de circo de todo Brasil, que procuravam artistas para trabalhar em seus espetáculos.

 

 Depoimentos

No final do século XIX, o número considerável de circos e de artistas circenses, que atuavam na capital e interior de São Paulo, deu azo ao costume, que acabou virando tradição, dos circenses se encontrarem em seu dia de folga, segunda-feira, num ou em torno de um café. Este encontro, que ficou conhecido como Café dos Artistas ou simplesmente Café, começou no Largo do Rosário, no final do século XIX, e nos primeiros anos do século passado, passou a funcionar no Largo do Paissandu.

No Paissandu, o Café funcionou em vários pontos: Juca Pato, Ponto Chic, 518, esquina da Dom José de Barros. Sendo que nos tempos áureos, reunia média de 500 pessoas, entre artistas, empresários, músicos, cantores, atores, etc.. Era um lugar de encontros sociais, mas um marco importante de referência dos artistas, que iam procurar trabalho,  e de empresários, agentes culturais e donos de circo de todo Brasil, que procuravam artistas para trabalhar em seus espetáculos.

Em meados da década de 80, com a redução significativa de circos, e o avanço galopante da tecnologia eletrônica, o Café esvaziou. Nos dias de hoje, um número reduzido comparado aos tempos de outrora, se encontram às segundas-feiras na galeria da Dom José de Barros. São os últimos remanescentes de uma tradição que atravessou um século.

Na ocasião em que nosso circo percorria os bairros da capital, era de costume de todos os demais circos apresentarem, uma vez por semana, um show extra com artistas famosos da televisão. Como Luiz Gonzaga, Vicente Celestino, Silvio Santos, Mazzaropi, Grande Othelo e outros. Esses artistas eram contratados sempre às segundas-feiras à tarde (dia de descanso dos circos) no “Ponto dos Artistas”, no Largo Paissandu. O Silvio Santos possuía um show denominado “Peru que Fala”, e ia pessoalmente ao café procurar trabalho para a semana.

Tito Neto
Minha vida no Circo
Editora Autores Novos, São Paulo, SP, 1986

Cheguei em São Paulo numa tarde fria. Chovia muito. Fui logo pro ponto dos artistas de circo, um bar que tinha no Largo do Paissandu, bem no centrão – aliás, era o único lugar que eu sabia ir nessa grande cidade. Não tinha ninguém conhecido. Era muito cedo pro pessoal do circo dar o ar das suas graças. Me abriguei embaixo da marquise do bar; me encolhi o mais que pude. Fiquei escutando o relógio da igreja bater as horas. Nove. Dez. Onze horas. Meio-dia. Panela no fogo, barriga vazia.

Plínio Marcos
O Truque dos Espelhos
UNA Editora, Belo Horizonte, MG, 1999

Resolvi não pensar mais naquilo e segui para o Paissandu. Lá havia um restaurantezinho e bar onde, depois das onze, se reuniam os artistas e aqueles a quem nos do oficio chamávamos de empresários. Essa alegre família é muito antiga, cheia de belas tradições. Aqui mesmo em São Paulo pessoas respeitáveis dela fizeram parte: o Batuíra, que era um santo, o Fagundes Varela e o Julio César da Silva, poetas de muita boa água. No momento, que eu soubesse, não havia nesse meio gente de importância. A não ser eu, o homem da varinha mágica, mas a mim não me compete dizê-lo.

Afonso Schmidt
Saltimbancos
Saraiva: São Paulo, SP 1950

Quem passar numa Segunda feira depois das 12 horas, pelo angulo formado pela Av. São João e Rua Dom José de Barros, deparará com um aglomerado imenso de homens e mulheres, formados em gru­po e falando uma linguagem peculiar.

É que na segunda feira de acordo com uma lei de Getúlio Vargas, é o dia do descanso semanal dos artistas de circo. Lá, então eles se encontram com as mais diversas finalidades. Muitos apenas para reverem os colegas que trabalham nos pa­vilhões distantes dos quarenta circos que funcionam normalmente na capital paulista. Outros vão em busca de novos contratos ou "cachês" e outros ainda, lá vão se reunir com a intenção de formar uma nova com­panhia teatral para "mambembar" pelo in­terior.

Aquela multidão chega a interrom­per o trânsito mais ninguém reclama con­tra os artistas, pois, estes são muito sim­páticos à população febril da "cidade fábri­ca". Lá eles se reúnem e resolvem seus problemas, numa demonstração de que amam a liberdade. Eles possuem o seu Sindicato, onde certamente poderiam estar reunidos, mas o fato é que eles preferem a rua...

Até o próprio presidente do Sindica­to dos Artistas ou da Associação dos Pro­prietários de Circos, lá fazem "ponto"...

Naquele local podemos distinguir perfeitamente, o homem que engole fogo, os maiores perchistas do Brasil, o homem do globo da morte, cômicos, palhaços, tonys, cantores, motociclistas-malucos, prestidigitadores, mágicos ou mesmo ilu­sionistas, Músicos e compositores e tam­bém inúmeros autores de peças para circo lá estão. (...) Inúmeros músicos também lá se concentram, desde que trabalhem em cir­co, pois, como sabemos, os músicos de São Paulo também possuem o seu ponto de reunião diária: na Praça da Sé, em plena rua também...

Risos e Lágrimas de Palhaço - Luiz Schiliró      
Reportagem publicada na revista Guaíra - Janeiro de 1952
e no Jornal Artes e Diversões – nov/dez 2004

Esperá­vamos ansiosos chegar a segunda feira, pois íamos passar o dia no Café Jucá Pato. Ali, era como se fosse uma família reunida que há uma semana não se via. Jogávamos palitinho para tomar cafezinho, comiamos pirolito, que era pão com queijo derretido e a noite íamos ao Restau­rante Natal. Como o aglo­merado era muito grande, o que impedia a passagem dos pedestres, o guarda pedia que dispersassem um pouco. Uns ficavam dentro do Café e outros pelo lado de fora na calçada. As conversas não acabavam. Eram noticias de todos os Circos, da capi­tal, do interior e de todos os estados.

Ninguém ficava sem trabalho. As duplas sertanejas eram agendadas para a semana inteira em todos os circos, entre elas, Raul Torres, Florencio e Rieli, Tónico e Tinoco, Nhô Pai e Nhô Fio, Ariovaldo Pires o Cap.Furtado. Vários programas de radio, com os canto­res, Caco Velho, Carlos Galhardo e Orlando Silva. O borborinho era grande. Olhava-se para um lado e se via o Raul Soares acertando negócios. O Alaor Prata tratando com artistas. Júlio Moreno, marido da Zazá, abraçando colegas. Rodol­fo Vila mostrando suas composições. Ar­mando Garcia, trapezista do Circo Seissel, assim como Adalberto Garcia, aramista com sua esposa Lola O ensaiador Artur Carvalhal em con­versa com Olindo Dias e sua esposa. Nesta verdadeira Babilónia, se encontra­vam, Manoel Leme e sua esposa Pingo, João Pedro Berlanda, que dirigia o Pavi­lhão Cruz-Maltino em Santos e a atriz Vilma Duarte. Liendo e Simplício poucas vezes apareciam, pois possuíam um es­critório em frente ao Largo Paissandú, assim como o Batista da D. Antonieta. Ele era dono do Circo Teatro Umuarama e morava em cima do café, onde hoje se reúnem os artistas. Fui galã de sua com­panhia sob a direção de Manoel Leme e tinha como colega a atriz Julieta Stankovich. Bartolo e Mário Robatini raras ve­zes apareciam, pois estavam sempre para o norte. Alcebiades e Piolin as vezes da­vam os ares da graça.

Carta do ator, produtor e diretor Edson D' Ávila para José Vítor Galvão,
publicada no Jornal Arte e Diversões – set/out 1999