São Paulo debate Nova Lei de Migração, que tramita no Congresso Nacional

Mudança de paradigma, da “segurança nacional” aos “direitos humanos”, e inclusão de imigrantes “não-registrados” foram tema das discussões

A Lei de Migrações no Brasil está para mudar. Tramita, atualmente, no Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 2516/2015 que pretende substituir a atual legislação, datada de 1980 e conhecida como “Estatuto do Estrangeiro”. Defasada, a lei que vigora hoje foi elaborada no contexto da ditadura civil-militar e baseia-se no conceito de segurança nacional, estabelecendo uma série de medidas e procedimentos burocráticos que reduzem os direitos dos imigrantes. 

Na última quarta-feira, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, por meio da Coordenação de Políticas para Migrantes, reuniu gestores públicos, imigrantes, acadêmicos, membros da sociedade civil e de ONGs e demais interessados para debater o novo Projeto de Lei e propor possíveis emendas para aprimorá-lo. A reunião aconteceu na sede da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo e contou com a participação de Paulo Illes, coordenador de Políticas para Migrantes da SMDHC, Kazuo Watanabe, professor de Faculdade de Direito da USP, e Ana Cristina Braga Martes, professora da FGV.

Para Paulo Illes, a principal vantagem do texto que tramita no Congresso é a mudança de posicionamento do poder público em relação aos imigrantes. “O que muda nesse projeto é o paradigma, porque ele parte da garantia dos direitos humanos, da não criminalização da imigração, do diálogo social e cria mecanismos para a regularização migratória”, explica.

Outros pontos positivos são a criação de um visto humanitário, que facilita a entrada dos refugiados, e a facilitação da reunião familiar. “A reunião familiar dá a possibilidade de você trazer alguém que dependa de você, mas com o qual você não tem, necessariamente, laços sanguíneos. Isto para os refugiados é muito importante”, destaca Illes.

Emendas ao projeto

Como o PL ainda tramitará na Câmara dos Deputados, é possível propor emendas para o texto. Um dos pontos levantado no seminário é a distinção entre imigrantes registrados e não-registrados, diferenciação existente no Estatuto do Estrangeiro e reafirmado na nova proposta. “Nós esperamos 35 anos para uma nova lei, mas ela ainda tem ranços da lei de 1980 e uma série de proibições. A distinção de direitos entre registrados e não registrados é algo que não dá para aceitar”, afirmou Illes.

Para os presentes, tal diferenciação está em desacordo, inclusive, com a Constituição que assegura a igualdade de direitos entre brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil. Segundo Watanabe, professor de Direito da USP, isto restringe, aos imigrantes irregulares, o direito à Justiça. “O acesso à Justiça precisa ser assegurado porque ele é uma espécie de ‘direito fundamental mãe’. É por meio dele que podemos reparar a lesão de qualquer outro direito”, pontuou.

A imigrante equatoriana Jenny Margoth de la Rosa Uchuaril, especialista em Educomunicação, participou do debate e elogiou o Projeto de Lei por tratar, também, da proteção do brasileiro no exterior. “Uma lei que beneficia tanto quem vem e será sempre um modelo para nossos compatriotas lá fora”, disse.

O projeto de lei não deixa claro a atribuição de responsabilidades entre municípios, estados e União e, por isso, a Prefeitura de São Paulo está propondo uma emenda que visa esclarecer como será feita esta distribuição. “É responsabilidade de quem criar Casa de Acolhida para imigrantes? Do estado, do município? Isso é uma discussão. Não há nenhum documento que delimite isso”, observou Illes.

Durante o encontro, diversos imigrantes presentes fizeram suas contribuições discutindo as dificuldades da vida prática aqui no Brasil, principalmente com relação ao acesso ao trabalho. Situações burocráticas, muitas vezes não contempladas em leis, dificultam enormemente a vida do imigrante no país. O racismo, o machismo e a xenofobia, foram alguns dos temas predominantes.

“Ocupamos os lugares que os brasileiros não querem ocupar”, diz Matip Mahob Dicudomé, refugiado de Camarões, sobre o acesso ao trabalho e a falsa ideia de que os imigrantes estariam “roubando os empregos dos brasileiros”

 

“A 1ª via da Cédula de Identidade do Estrangeiro (CIE) custa R$ 204,77!”, diz José Luis Vasquez, imigrante boliviano e representante no conselho participativo da Mooca, ao criticar as altas taxas cobradas aos imigrantes para emissão de documentos no Brasil

 

“Deveria haver uma campanha de promoção dos direitos dos imigrantes e do respeito à cultura e à identidade estrangeiras”, disse Maritza Ferretti Farena, assessora jurídica da Pastoral dos Imigrantes em João Pessoa, que veio de El Salvador e está no Brasil há mais de 30 anos

 

Mudanças previstas no PL

• Mudança de paradigma: a migração passa a ser vista sob a diretriz dos direitos humanos, evitando a criminalização de imigrantes

• Propõe o diálogo social como princípio para a formulação, execução e avaliação de políticas migratórias, promovendo a participação cidadã do imigrante

• Criação do visto de acolhida humanitário, garantindo a regularização migratória de pessoas em situação de alta vulnerabilidade que não se encaixam na situação de refúgio

• Inclusão do instituto da reunião familiar na lei, possibilitando, também, a entrada de pessoas que não tenham necessariamente laços sanguíneos comuns, mas dependam umas das outras. Uma demanda importante para os refugiados.

 

O que ainda é preciso discutir

• Distinção entre imigrantes regulares e não-regulares, impedindo a equiparação de direitos entre ambos

• Distribuição clara de responsabilidades entre municípios, estados e União