Mulheres relatam suas experiências enquanto lideranças indígenas

Elas celebraram o Dia Internacional da Mulher Indígena em evento da SMDHC

No palco do Teatro Jardel Filho, do Centro Cultural São Paulo, localizado no Bairro Paraíso, em São Paulo, mulheres líderes indígenas falam sobre o seu papel na comunidade, demarcação de terras, luta pelo reconhecimento de seus direitos e o reconhecimento de sua cultura, dentro de um contexto histórico contado principalmente sob o prisma do colonizador.

Esse foi o tema da Roda dos Saberes do Dia Internacional da Mulher Indígena promovida pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), na terça-feira, 5/09. A iniciativa da Coordenação dos Povos Indígenas da Secretaria foi acompanhada de uma exposição e venda de artesanato representativa da cultura de vários povos indígenas.

Alusiva à data instituída pela ONU, a partir do exemplo da líder Aymará, Bartolina Sisa, assassinada e esquartejada em 5 de setembro de 1782, após uma rebelião contra o domínio colonial espanhol, no Alto Peru (atual Bolívia), as lideranças indígenas traçaram um panorama de suas lutas contra o preconceito e a discriminação, das dificuldades de acesso a políticas públicas e problemas de demarcação de terras.

Coube à coordenadora de Povos Indígenas, Milena Cristina, conduzir o evento. Ela se apresentou como mulher preta de origem quilombola e destacou a participação nos debates de uma mesa composta apenas por mulheres indígenas.

Mulheres como Roseli Coah Pataxó, que veio da região Norte para São Paulo e teve de viver em situação de rua com as suas quatro filhas para conhecer a realidade da cidade e descobrir que havia muitos indígenas na mesma situação, perdendo suas identidades devido ao consumo do álcool e de outras drogas. Hoje, Roseli vive em contexto urbano.

Essa descaracterização da cultura e a perda da identidade indígena foi lembrada pela secretária de Direitos Humanos e Cidadania Soninha Francine que ressaltou a importância do evento pela oportunidade de aprender com quem vive a realidade do povo indígena e “não pelo o que os livros deixam de falar”. Ela agradeceu pela oportunidade de, no evento, receber o ensinamento das mulheres indígenas que exercem o papel de liderança. “Muito obrigada a vocês por passarem a sua experiência. Essa é uma atividade política, como também de reflexão e de celebração”, afirmou.

Vanuza Kaimbé foi a primeira indígena a tomar a vacina da Covid-19. Enfermeira e com formação em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP), ela conta que teve dificuldades de se inscrever no curso de mestrado porque ao declarar os idiomas que dominava incluiu o português e o idioma natal do povo Kaimbé. Ela é uma das lideranças indígenas que vai participar da Marcha das Mulheres Indígenas, que será realizada entre os dias 11 e 13 de setembro, em Brasília, um evento que inclui debates, lançamento de livros, grupos de trabalho e apresentações culturais.

A Cacica Jaqueline Haywã Pataxó afirma que o seu maior orgulho foi ter sido reconhecida como cacica pelo conselho composto por 11 caciques do povo Pataxó, na Bahia. Ela foi responsável pelo cadastramento de 308 pessoas de origem indígena na região conhecida como o ABC paulista (formada pelas cidades de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Diadema). “Fui reconhecida como cacica pelos outros 11 caciques Pataxós da Bahia e esse foi o maior reconhecimento da minha vida”.

A tese jurídica do marco temporal segundo a qual os povos indígenas têm direito apenas as terras que ocupavam à época da promulgação da Constituição, em 1988 - que está sob análise do Supremo Tribunal Federal - foi duramente criticada. “Essa lei diz que o indígena nasceu em 1988, enquanto estamos aqui há milhares de anos. São Paulo e o Brasil são terras indígenas. Se agora estamos sendo reconhecidos, foi porque houve muita luta e resistência para isso”, disse Ara Poty Guarani M'Bya. “Somos a raiz desse Brasil”, afirmou a cacique Perina Xavante, do Mato Grosso, sobre o mesmo tema. “Nós estamos aqui para sermos respeitadas, como nós respeitamos a vocês”, afirmou.

A líder Aymará que inspirou o Dia Internacional da Mulher Indígena foi lembrada diversas vezes. “Bartolina era Aymará, contemporânea de Tupac Kataturi, líder indígena que sofreu muitas violações e passou por muitas guerras, assim como o povo indígena em Pindorama, primeiro nome que a cultura indígena deu ao Brasil, e em vários países na América Latina”.

A líder indígena Grecia Aymara, do Povo Aymara, defende “descolonizar” a mente das pessoas, “em nome da verdade histórica que foi calada e desvirtuada e marcada por estereótipos e pelo racismo institucional”.

“Bartolina morreu pela luta de resistência do povo indígena, em seu tempo. Também estamos aqui representando nossa cultura”, disse Wagneysa Fernandes Sobrinho, filha de pai Quéchua, do Peru, e mãe Paumari, da região do Amazonas fronteira com o Peru, e assessora da Coordenação dos Povos Indígenas.

O Polo da Terceira Idade José Lewgoy marcou presença no evento com muitas associadas presentes e participando das intervenções. Uma das participantes terminou sua declaração cantando uma famosa canção Guarânia, de origem Paraguaia, dos anos 1930.

A Roda de Saberes do Dia Internacional da Mulher contou com a participação das seguintes líderes indígenas: Pierina Xavante e Aniciele Xavante - Povo Xavante; Tânia Alessandra Guarani Nhedeva - Povo Nhandeva; Vanuza Kaimbé e Denilza Kaimbé - Povo Kaimbé; Ketelyn Pankararu e Ivone Pankararu - Povo Pankararu; Roseli Coah Pataxó e Cacica Jaqueline Haywã Pataxó - Povo Pataxó; Rocio Aymara e Grecia Aymara - Povo Aymara; Ara Poty Guarani M'Bya e Bernarda- Guarani M'Bya - Povo Guarani M'Bya e Tátsha Kariri Xocó Nairy Kariri Xocó - Povo Kariri Xocó.