Autoridades municipais e federais acompanham investigação das ossadas da Vala Clandestina de Perus

Visita à casa que abriga Centro de Arqueologia e Antropologia Forense foi aberta à imprensa, em processo transparente

Da esq. para dir.: Eugênia Gonzaga, (Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos), Eduardo Suplicy (SMDHC), Ideli Salvatti (SDH/PR), Soraya Soubhi Smaili (Unifesp), Marcos da Costa (OAB-SP) e Rogério Sottili (SMDHC), durante coletiva de imprensa

Em uma ação conjunta entre Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a casa onde estão sendo analisadas as ossadas encontradas na Vala Clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, recebeu a visita de equipes das respectivas pastas para acompanhar os trabalhos ali realizados desde setembro de 2014. A visita também foi aberta à imprensa que, depois de conhecer as dependências do laboratório, teve a oportunidade de participar de uma coletiva com as autoridades presentes. 

A retomada da investigação das ossadas, 24 anos depois de serem descobertas, tem recebido inédita dedicação da Prefeitura de São Paulo e do Governo Federal. “É um esforço feito com muita seriedade e para o qual damos nosso total apoio”, disse Eduardo Suplicy, secretário de Direitos Humanos e Cidadania da Prefeitura de São Paulo.

A análise das ossadas é uma das mais significativas reivindicações de familiares de mortos e desaparecidos políticos da ditadura civil-militar (1964-1985). Depois de décadas transitando por diferentes instituições e expostos a variadas (e precárias) condições de preservação, os restos mortais voltaram a ser analisados por especialistas em antropologia forense do Brasil e do exterior, assim como por peritos oficiais cedidos de diferentes órgãos públicos. As más condições de conservação das ossadas e a série de negligências com que foi conduzido o caso até a recente retomada dos trabalhos reduzem a probabilidade de identificação e tornam a análise um processo complexo.

Equipe do laboratório do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense trabalham no processo de reconstituição das ossadas

Apesar disto, o compromisso das instituições e equipes envolvidas é esgotar as possibilidades de análise e dar uma resposta definitiva às famílias, por meio de um processo transparente e com absoluto rigor científico, baseado em metodologias consagradas internacionalmente. “Estas ossadas passaram por lugares inadequados, em condições extremamente deploráveis e que hoje dificultam o trabalho. Não é certo que conseguiremos a identificação de algum desaparecido, mas o fundamental é não pairar dúvidas sobre esse processo”, afirmou Rogério Sottili, secretário-adjunto da SMDHC.

Depositadas no Ossário Geral do Cemitério Araçá desde 2002, a retomada da investigação teve início em julho de 2014, com uma sistemática e exaustiva compilação de informações de fontes escritas e audiovisuais sobre a ditadura civil-militar brasileira, o Cemitério Dom Bosco e a estrutura da repressão em São Paulo. A partir dessas informações foi possível definir os nomes das possíveis vítimas inumadas na Vala Clandestina, assim como reunir dados fundamentais para o desenvolvimento das análises antropológicas.

Detalhes da investigação

Quando a vala clandestina de Perus foi aberta, em 1990, nela foram encontradas 1.049 ossadas, dentre as quais estariam os restos mortais de desaparecidos políticos da ditadura civil-militar, indigentes e vítimas de grupos de extermínio.

Desde a retomada dos trabalhos, 144 ossadas foram analisadas até o momento. Em cerca de 25% delas haviam restos mortais misturados, referentes a 107 homens, 29 mulheres e seis indeterminados. Em três ossadas foram encontrados sinais de lesão por arma de fogo e em outras oito lesões contundentes que podem ter contribuído ou ter sido a causa do óbito. “A metodologia escolhida foi fundamental para termos certeza do conteúdo das caixas”, afirmou o perito Samuel Ferreira, coordenador científico do grupo e membro da Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão vinculado ao Ministério da Justiça.

Após os exames antropológicos, o material genético coletado será encaminhado a laboratórios especializados para a elaboração de perfil genético das ossadas. Estima-se que as etapas de lavagem, secagem, catalogação, triagem e análise genética serão concluídas em um ano e meio. Ao mesmo tempo, uma equipe de pesquisadores está em permanente contato com os familiares destes desaparecidos, coletando dados pessoais sobre as vítimas e mantendo a política de transparência das informações. De uma lista de 42 nomes de desaparecidos políticos que podem estar ali, até o momento foram contatados 56 familiares de 37 deles.

Sob supervisão da Cruz Vermelha Internacional, 17 peritos trabalham diariamente na casa, transformada no Laboratório do Centro de Arqueologia e Antropologia Forense (CAAF), montado pela Unifesp com apoio do Ministério da Educação. Segundo a ministra dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti, até agora foram investidos R$ 4,7 milhões no projeto, valor destinado à contração dos peritos e ao aluguel do espaço utilizado para a realização das análises dos restos mortais.