Etapa de análise científica das ossadas encontradas na Vala Clandestina do Cemitério de Perus se inicia nos próximos dias

Cerca de 40 especialistas brasileiros e estrangeiros serão responsáveis pela análise e identificação dos restos mortais

Imagem retirada do livro 'Vala Clandestina de Perus: desaparecidos políticos, um capítulo não encerrado da história brasileira' 


Na última quinta-feira, dia 4, ato público ocorrido na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo marcou os 24 anos da abertura da Vala Clandestina do Cemitério Dom Bosco, em Perus, e anunciou a retomada dos trabalhos de análise de pelo menos 1049 ossadas exumadas, em 1990. A solenidade realizada no plenário Juscelino Kubitschek contou com a presença de autoridades públicas, representantes da sociedade civil e familiares de mortos e desaparecidos políticos.

A retomada das análises é fruto de anos de empenho de familiares de mortos e desaparecidos políticos que cobram do Estado brasileiro esforços de reparação às vítimas das graves violações de Direitos Humanos ocorridas durante a ditadura civil-militar de 1964. Em resposta a essa demanda, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, por meio da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva” uniram esforços para viabilizar a retomada dos trabalhos de análise.

Nos próximos dias, as ossadas que estão no cemitério do Araçá serão transportadas para o laboratório da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde será instalado o Centro de Arqueologia e Antropologia Forense. As más condições de conservação das ossadas e a falta de documentação adequada revelam uma sucessão de negligências do Estado ao longo dos anos e desafiam o trabalho de identificação.

Registros realizados anos após a descoberta da Vala mostram caixas empilhadas no chão, com cadeiras jogadas em cima e caixas de papelão com crânios sem identificação. Não há, inclusive, certeza quanto ao número de pessoas enterradas naquele local. É possível que os números ultrapassem a estimativa inicial de 1.049 mortos.

Os livros de sepultamento de Perus indicam que a vala ocultou muitas outras histórias de violações cometidas pelo Estado e que afetou igualmente a presos e desaparecidos políticos, indigentes e pessoas socialmente descartáveis pela ditadura, durante os anos 70. Há suspeita de que entre os restos mortais estejam vítimas do esquadrão da morte e de uma epidemia de meningite negligenciada pelo governo do Estado na época.

São todas vítimas da violência de Estado instalada pela ditadura militar e que permanece ainda hoje como um legado perverso. Retomar os trabalhos de análise das ossadas é uma forma de reparação do Estado que, ao revelar as violações cometidas no passado, dá um passo adiante na luta em defesa da memória e da justiça.