São Paulo prioriza suas crianças e adolescentes

Estatuto da Criança e do Adolescente completa 23 anos com avanços inegáveis na melhoria da qualidade de vida da população infanto-juvenil, mas também muitos desafios

Rogério Sottili e Solanje Agda da Cruz de Paula Pinto

No dia 13 de julho, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei 8.069/90, completou 23 anos em meio a muitas conquistas e também muitos desafios. O ECA, como ficou conhecido, representa sem dúvidas um divisor de águas, principalmente por reconhecer crianças e adolescentes como sujeitos de direito e como prioridade absoluta nas políticas públicas. Fruto da criação democrática, estabelece responsabilidades compartilhadas no tratamento à criança e ao adolescente, reconhecendo que é "dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária" (Art.227).

Vinte e três anos depois, é possível avaliar alguns avanços inegáveis na melhoria de qualidade de vida da população infanto-juvenil, como a redução da mortalidade infantil, a universalização do acesso à educação formal, a diminuição significativa do trabalho infantil, a normatização do trabalho do aprendiz, o alojamento conjunto de recém-nascidos e suas mães, a regulamentação da adoção e do sistema de medidas socioeducativas, a expansão dos Conselhos Tutelares e o fortalecimento do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). Este último, vale reforçar, é um dos atores fundamentais desse sistema por atuar na formulação e no controle social das políticas públicas ligadas a essa faixa etária, além de ser responsável pela gestão do Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (FUMCAD).

No entanto, ainda são muitos os desafios para a garantia dos direitos de crianças, adolescentes e suas famílias, principalmente o acesso universal a políticas públicas de qualidade, que contemplem a superação das desigualdades e valorização da diversidade cultural, religiosa, geracional, de orientação sexual e de nacionalidade. Apesar do balanço positivo, o ECA tem sido alvo de ameaças, muitas vezes motivadas pela falta de informação ou por distorções diversas, que apontam para um retrocesso em relação às conquistas históricas dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada. É o caso, por exemplo, das manifestações contrárias à proibição dos castigos corporais e a proposta de redução da maioridade penal, sob a argumentação falaciosa de que o recrudescimento diminuiria a violência nos grandes centros urbanos.

A efetiva implementação do Estatuto permanece, ainda hoje, como um desafio. que só poderá ser superado por meio do diálogo e da articulação entre os componentes do Sistema de Garantia de Direitos e de uma coordenação sólida da política nacional para crianças e adolescentes. São Paulo precisa enfrentar as violações de direitos humanos que infelizmente ocorrem todos os dias na cidade e combater a exclusão, a falta de oportunidades, a discriminação, a violência, a mortalidade de adolescentes e jovens negros nas periferias e a violência policial e o ECA pode nos ajudar a avançar nesse sentido.

Garantir os direitos de todas as pessoas que residem nesta cidade foi o objetivo central da lei que reestruturou a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (Lei 15.764, de 27/05/2013) e criou a Coordenação de Políticas para Criança e Adolescente, no firme propósito de construir a política municipal integrada dos direitos desse segmento, articulando ações governamentais e não governamentais. É um gesto do prefeito Fernando Haddad que materializa uma ação que se pretende efetiva na coordenação de políticas temáticas e no fortalecimento da identidade política e da capacidade para a gestão da transversalidade dos direitos humanos e de participação social. Entre as agendas prioritárias do município nessa área estão o fortalecimento dos Conselhos Tutelares, a construção da política municipal da primeira infância, o combate ao abuso e à exploração sexual, crianças e adolescentes em situação de rua, o fortalecimento da cultura de direitos humanos por meio da educação formal, a ampliação de vagas no Centro de Educação Infantil (CEI) e outros temas a serem identificados em diálogo com todos os atores do sistema.

A força dos adolescentes, filhos e filhas do ECA, ativos nas últimas manifestações das ruas pelo Brasil, nos sinaliza claramente que eles se reconhecem como sujeitos de direitos e que querem participar das decisões políticas que lhes concernem. Precisamos aproveitar esse indicativo e estimular a transformação social plena e consciente, contribuindo para a democratização do acesso a serviços fundamentais como educação, saúde, assistência social, esporte e cultura. Nossa missão é garantir sua participação efetiva e contribuir para a construção de uma cultura de direitos humanos sólida e duradoura, capaz de se opor à cultura de violência que por tanto tempo tem marcado a história do país. Que venham muitos outros aniversários do ECA para estimular a reflexão e o diálogo amplo e transparente e para que as crianças e adolescentes possam ter cada vez mais seus direitos assegurados e somar-se à luta pela construção do Brasil que queremos para todos os seus cidadãos e cidadãs.

 

* Rogério Sottili é historiador, mestre em História pela PUC/SP. Foi secretário-executivo da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e da Secretaria-Geral da Presidência da República. É atualmente secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo.

* Solanje Agda da Cruz de Paula Pinto é presidente do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo.