RESOLUÇÃO Nº 53 / CMDCA / 1999

Publicada em 11.11.1999


Considerando o quadro dramático da pobreza, desagregação social e desrespeito aos direitos sociais derivados da ineficácia das políticas sociais;


Considerando que crianças e adolescentes em situação de abandono, risco pessoal e social ainda vivem no chamado processo de triangulação - casa - rua - instituição, dificultando e perdendo os vínculos com a família e a comunidade;


Considerando o reordenamento institucional, trabalhar com criança e adolescente inclui necessariamente trabalhar o binômio criança/família; onde as políticas sociais devem ter como premissas a melhoria da qualidade de vida através de programas no regime de orientação e apoio sócio-familiar;


Considerando que toda criança ou adolescente, tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e excepcionalmente, em famílias substitutas, assegurados à convivência familiar e comunitária em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substancias entorpecentes (artigo 19 da Lei n.º 8.069/90);


Considerando a política de atendimento prevista nos artigos 86/88 da Lei 8069/90;


Considerando a falta e implantação e funcionamento efetivo de uma rede de atendimento municipalizado à infância e à juventude, através da ação integrada de serviços sociais, tais como, creche, escola, centro de juventude, posto de saúde, auxilio de promoção à família e outros;


Considerando que a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoa humana em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos, e sociais, garantidos, na Constituição Federal, artigo 227;


Considerando que a Lei 8.069/90 revê os modelos tradicionais das grandes instituições com atendimento despersonalizado, massificante e estigmatizante, lesando o desenvolvimento de crianças e adolescentes referentes à identidade, sentimentos de pertinência, auto-estima, afetividade e sociabilidade, confinados na instituição, recebendo atendimento assistencialista, repressor;


Considerando o teor do artigo 92 da Lei n.º 8069/90, pelo qual as entidades que desenvolvam programas de abrigo, deverão adotar os seguintes princípios:


I - preservação dos vínculos familiares;
II - integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem;
III - atendimento personalizado e em pequenos grupos;
IV - desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;
V - não desmembramento de grupos de irmãos;
VI - evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados;
VII - participação na vida da comunidade local;
VIII - preparação gradativa para o desligamento;
IX - participação de pessoas da comunidade no processo educativo.


Parágrafo único: O dirigente da entidade de abrigo é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito.


Considerando que as entidades governamentais e não governamentais serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Publico e pelos Conselhos Tutelares (artigo 95 da Lei nº 8.069/90);


Considerando que as entidades governamentais e não governamentais só poderão funcionar depois de registradas no CMDCA, nos termos dos artigos 90 e 91 da Lei nº 8.069/90 e das Resoluções 04/94 e 47, 48, 49/99 do CMDCA;


O Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da Cidade de São Paulo


RESOLVE:


Artigo 1º - Ficam aprovados nos termos de Anexo Único, integrante desta Resolução, os requisitos e procedimento que devem ser observados pelas entidades que desenvolvam programas de abrigo.


Artigo 2º - Será negado registro às entidades que não observarem esses requisitos, cujos fundamentos constam do parágrafo único do artigo 91 da Lei nº 8.069/90.


Artigo 3º - Esta resolução entrará em vigor na data de sua publicação.


Anexo Único a que se refere o artigo 1º da Resolução 53/CMDCA/99.


Os abrigos devem atender a grupos de, no máximo, 20 (vinte) crianças e adolescentes, em suas respectivas comunidades, na faixa etária de 0 a 17 anos e 11 meses, de ambos os sexos, não permitindo o desmembramento de grupos de irmãos.


Esse espaço deverá se caracterizar como apoio à criança e adolescente com atendimento de 24 horas ininterrupto, personalizado, tendo como premissas básicas a transitoriedade e excepcionalidade, oferecendo proteção em moradia dentro de clima residencial, em pequenos grupos, participação da vida da comunidade e utilização de seus recursos.


Metodologia de Trabalho: é a dialógica e participativa, envolvendo crianças, adolescentes e educadores, família, comunidade, conselho tutelar, Ministério Publico, Poder Judiciário, CMDCA, no processo de atendimento integral aos direitos da infância e juventude.


O abrigo é programa que faz parte de uma rede de atendimento.


a) Acompanhamento


· Realizar um acompanhamento singular e personalizado para todas as crianças, além do grupal.
· Manter arquivos onde deverão constar dados da criança, da família, os motivos pelos quais está abrigada o acompanhamento recebido e demais dados que possibilitem sua identificação e individualização.
· Estabelecer um Programa Personalizado de Atendimento que será comunicado às autoridades competentes.
· Procurar o restabelecimento e a preservação dos vínculos familiares. Esgotadas as possibilidades de retorno à família de origem deve-se procurar colocar a criança/adolescente em famílias substitutas sob regime de guarda, tutela ou adoção.
· Informar periodicamente à criança/adolescente abrigado sobre sua instituição de acordo com seu nível de compreensão e sob orientação técnica adequada.
· Estabelecer o processo, a freqüência e a melhor forma de contatos entre a criança, sua família e sua comunidade.


b) Atendimento


· Garantir atividades psico-pedagógicas, escolarização e formação técnico-profissional.
· Garantir as atividades culturais, esportivas de lazer.
· Garantir assistência religiosa àqueles que desejarem de acordo com suas crenças.
· Garantir vestuário e alimentação suficientes e adequados.
· Garantir cuidados médicos, psicológicos, odontológicos e farmacêuticos.
· Garantir sempre que possível, o envolvimento e a participação das crianças nas atividades cotidianas do abrigo.


c) Entrada e saída


· Promover uma recepção digna e afetiva aos que chegam.
· Evitar a separação dos irmãos que ingressam no abrigo.
· Evitar, sempre que possível, a transferência das crianças a outras entidades.
· Providenciar os documentos necessários para o exercício da cidadania (certidão de nascimento, carteira de identidade)
· Preparar gradativamente para o desligamento.
· Manter programas de apoio e acompanhamento às crianças / adolescentes que ingressam no abrigo.


d) Disposição física


Meio Ambiente: espaço físico e localização


É adequado que o abrigo se localize em bairro residencial com facilidade de transporte e próximo aos serviços públicos de saúde, educação, lazer, etc.
Pode funcionar em residência adaptada, que acompanhe os padrões socioeconômicos da vizinhança. Qualquer destaque, identificação especial ou emblema oficial são desaconselháveis afim de preservar a natureza residencial do serviço, evitando-se discriminação em relação às crianças e jovens. Preferencialmente, mesmo os utensílios e veículos do serviço devem ter identificação discreta.
O prédio, terreno e equipamentos devem ser mantidos e operados sem risco de perigo à saúde e segurança dos aducandos e em condições higiênicas e sanitárias adequadas.
Recomenda-se que os quartos abriguem um número pequeno de crianças, possuindo também armários com espaço suficiente para roupas e objetos pessoais.
As áreas de banho e higiene devem ser limpas e ventiladas, com portas ou cortinas que garantam a privacidade de seu uso. Os banheiros ou os quartos devem ser equipados com espelhos, colocados em altura conveniente para que as crianças possam cuidar devidamente de sua aparência e organizar sua imagem corporal.
É indispensável que se reserve o local para o estudo com mesa, cadeira e espaço onde as crianças possam trabalhar. Se utilizadas as mesas de refeição para tal finalidade, estas devem estar completamente limpas nos horários de estudo.
O local deve oferecer ou organizar espaço externo para recreação ao ar livre de acordo com o número de crianças e adolescentes abrigados, sem deixar de utilizar os espaços públicos de recreação e lazer.
Os brinquedos e jogos de uso comum devem ser guardados em local próprio, discutindo-se com as crianças os critérios para seu uso e recolhimento. Brinquedos pessoais ficarão no armário das crianças. É importante relembrar que "brincar" - além de constituir um direito da criança - é uma atividade indispensável para que ela se situe e se descubra para a vida. O brinquedo não pode ser elemento decorativo e seu manuseio, evidentemente, vai desgastá-lo com o tempo. Assim, em que pesem as necessárias recomendações e cuidados, os brinquedos quebram - isto deve ser esperado. É preciso lembrar que as crianças podem brincar com sucata, panos, fantasias e outros objetos sem nenhum custo financeiro adicional.


e) Recursos Humanos


As mudanças havidas na concepção dos projetos de ação à infância/adolescência do mundo atual exigem o estabelecimento de uma Política de Recursos Humanos direcionadas por critérios de competência profissional e de formação específica.
A peculariedade do trabalho pressupõe processos de capacitação, reciclagem, supervisão técnica, produção teórica etc.
Romper o conformismo e o baixo nível de escolha e preparação das pessoas que cuidarão de crianças e jovens num abrigo supõe uma atuação efetiva dos órgãos orientadores desse tipo de atendimento, na exigência das qualificações e da capacitação dos educadores.
O trabalho exige muita afetividade. Há uma carga muito grande de stress que precisa ser trabalhada em momento específico. O desafio que significa trabalhar a relação emocional que se estabelece entre o educador e o atendido, o contato com a comunidade, com as famílias e o enfrentamento equilibrado das contradições que o cotidiano institucional apresenta.


f) Convivência Coletiva


Regras e normas indicam habitualmente restrições às ações individuais para garantir o bem estar coletivo. Nem sempre são bem aceitas, mas são elas que pautam a vida das pessoas, quer estejam explícitas ou não.
Quando não há clareza sobre os rumos a seguir numa determinada situação, os procedimentos adotados dependem do bom senso dos educadores do abrigo. Neste caso as decisões quase sempre são confiantes e não é raro ocorrer orientações divergentes sobre um mesmo problema. Por exemplo - autorização de um educador para assistir TV até altas horas e como estas facilitam a manipulação das próprias crianças em relação às condutas; prejudicam seu desenvolvimento e tornam o ambiente confuso e desorganizado.
As grandes instituições, em geral, possuíam normas e regulamentos rígidos exigindo de crianças e adolescentes em ritual cotidiano até para os simples atos de acordar, fazer refeições, brincar, higienizar-se e dormir.
A uniformização e a disciplina severa não permitem espaços de expressão de necessidades, desejos e possibilidades diferentes de cada criança como ser único.
As orientações para o abrigo não podem ser exageradamente rígidas impedindo sua rediscussão quando necessárias, nem tão flexíveis a ponto de serem burladas quase sempre.
Portanto, é indispensável que os serviços de abrigo tenham sua manutenção adequada a esta nova realidade em que, educadores e crianças possam planejar e executar diretamente o orçamento doméstico. Sua alimentação, seu vestuário e outras despesas do dia a dia podem perfeitamente ser gerenciadas pelo próprio abrigo, evitando-se o recebimento de refeições prontas, bem como a uniformização de roupas e objetos pessoais.