“Eu moro numa casa tombada”

Matéria publicada no JTCidade em 20 de outubro de 2006 às folhas 6A
Curiocidade – Marcelo Duarte

 

De bicicleta, o sociólogo Fabrízio Rigout, 31 anos, passeava pela Rua dos Ingleses, no Bexiga, quando viu a faixa “vende-se” em frente ao número 143. O sobrado “muito bem preservado”, pertencia ao atual curador-chefe do Museu Afro Brasil, Emanuel Araújo. Proprietário já há quatro anos do tal sobrado, Fabrízio só não imaginava que, poucos meses depois de fechar o negócio, em 2002, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) tombaria o imóvel. Por lei, “as características externas” da casa não podem ser mais alteradas.

Não que essa fosse a vontade do sociólogo, que, aliás, só soube do tombamento porque leu numa notícia de jornal. “Reformei a casa sem mexer na fachada, pelo interesse arquitetônico”, diz. Da Prefeitura, ele não recebeu sequer um aviso. “Fui consultar o Diário Oficial e vi que o número 143 estava lá”, conta.

Na Rua dos Ingleses também foram tombados outros 46 imóveis em 2002. Só que nem todos os vizinhos de Fabrízio leram a notícia no jornal. No número 98, um senhor que não quis se identificar não sabia que a própria casa é preservada pelo Conpresp. “Qual é a importância de uma casa como a minha?”

Desde julho, quando foi regulamentado o Fundo de Proteção ao Patrimônio Cultural e Ambiental Paulistano (Funcap), o proprietário que alterar a construção tombada pode ser multado em até dez vezes o valor do imóvel. Antes disso, a multa não ultrapassava os R$ 24 e era aplicada pelas subprefeituras.

Décadas de 20 e 30

Há duas semanas, dez casas da Rua Doutor Gabriel dos Santos, entre a Alameda Barros e a Avenida General Olímpio da Silveira, em Santa Cecília, foram tombadas para preservar as construções “das décadas de 1920 e 1930”. A maioria delas é alugada para o comércio ou está vazia, como o sobrado número 211. Assim como Fabrízio, o proprietário, que também não quis se identificar, não recebeu nenhum tipo de notificação da Prefeitura. “Ninguém pediu minha opinião”, afirma. “Nem sei se a casa é mesmo dessa época. É tudo muito estranho”. Quando comprou o imóvel, ele pensou em construir um prédio no terreno de 605 m quadrados. “Dava para fazer um de doze andares”.

A Secretaria Municipal de Cultura, responsável pelo Conpresp, explicou que, por lei, o órgão não é obrigado a avisar os moradores que suas casas foram tombadas, mas que “envia um ofício de notificação com a resolução de tombamento”. A Secretaria também não dá nenhuma ajuda de custo aos proprietários de casas tombadas. “A minha casa é preservada pela minha boa vontade”, finaliza Fabrízio Rigout.