Qualidade de vida e bem-estar dos pacientes sob Cuidados Paliativos

Maior bem-estar amplia a sobrevida aos pacientes

 Por: Giovanna Almeida e Luísa Carvalho

No dia 8 de outubro, celebra-se o Dia Mundial de Cuidados Paliativos. Segundo o artigo nº 2 da Resolução nº 41 de 31 de outubro de 2018 – que dispõe sobre as diretrizes para organização de cuidados paliativos no SUS - os cuidados paliativos consistem na assistência promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida. Esse suporte é prestado por meio da prevenção e alívio do sofrimento, da identificação precoce, avaliação impecável e tratamento de dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.

Sobre o contexto brasileiro, a Dra. Dalva Yukie Matsumoto, Coordenadora do Serviço de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo (HSPM) cita um levantamento realizado pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), que apontou que, dos mais de cinco mil hospitais no Brasil, apenas 10% disponibilizam um time de Cuidados Paliativos (CP). Desses, mais de 50% estão concentrados na Região Sudeste.

Entre estes hospitais, está o HSPM. A instituição possui uma Hospedaria de Cuidados Paliativos, coordenada pela Dra. Dalva, desde 2004. Promovendo assim, qualidade de vida e cuidados com os pacientes e seus entes.

A fim de apresentar um pouco mais de perto de como é a vida de um paciente sob cuidados paliativos, entrevistamos a Sra. Célia. A paciente nos contou sobre sua história, os momentos mais marcantes de sua vida e o que a inspira a buscar qualidade de vida hoje.

Foto da paciente Célia na Hospedaria de Cuidados Paliativos

Sr. Célia, na Hospedaria de Cuidados Paliativos.

Nascida e criada no berço da cidade de São Paulo, na Avenida Paulista, Célia Moreira César Basso tem 89 anos atualmente. A entrevistada inicia a coversa revelando que apesar de ter nascido em terras paulistanas, ela passou um tempo na França. Isso porque seu filho mudou para lá, casou-se e teve filhos. Embora tenha ido para outro país conhecer os seus netos, a paciente diz que não existe espírito de alegria como dos brasileiros.

Célia conta brevemente sobre sua trajetória profissional como secretária, já que durante um período trabalhou para Jânio Quadros e Mário Covas. Ela expõe que o segundo era uma pessoa maravilhosa, e que Jânio era engraçado, ainda que fosse muito exigente. A ex-secretária diz que para seguir a profissão é necessário ser uma pessoa que cuida de absolutamente todos os detalhes.

Quando questionada sobre como lida com a doença, a Sra. Célia responde abertamente: “Da luta contra o câncer, eu não me preocupo nenhum pouco, eu esqueço até. Eu não ligo muito para isso. Se você me perguntar quanto tempo eu estou, eu fiquei sabendo a pouco tempo que estava com câncer. Mas, se você me perguntar onde é, eu não sei, porque não me interessa. Senão, eu vou ficar pensando e não vale a pena. Eu não vou resolver o problema, então deixa onde ele estiver e eu fico onde eu estou”.

Sobre a vivência na Hospedaria de Cuidados Paliativos e seu cotidiano sob os cuidados da equipe, ela comenta: “Aqui eu vivo bem. Sou bem tratada, não preciso me preocupar com comida na cozinha. Tenho uma convivência boa. As meninas daqui são ótimas. De vez em quando, eu até encontro pessoas como você”.
Sobre a sua vida pessoal, a paciente conta que muitas pessoas dizem que é uma pena ela não ser casada, e ela responde que a melhor coisa que alguém pode ter é liberdade: “Você não é dependente, porque a pior coisa do mundo é ser dependente. E é horrível. Há pessoas que nasceram para viverem submissas de alguém. E há pessoas que não querem nem saber, eu sou uma delas. Eu não podia estar casada. Eu estou livre. Eu leio o que eu quero, eu faço o que eu quero. Estou aqui, eu não me preocupo com comida, eu não me preocupo com nada fora do normal”.

Refletindo sobre vontades, gostos e motivações a paulistana confessa que, mesmo que já tenha viajado o mundo todo, ainda deseja viajar mais. Célia conta que no seu dia-a-dia, ela adora ouvir música e está sempre com um livro nas mãos. E por último, emocionada, ela também revela que o que a motiva são as lembranças de uma mocidade que acabou, mas que deixou saudades.

Durante toda a entrevista, a Sra. Célia dá vários conselhos de acordo com as suas vivências e ensinamentos que aprendeu durantes esses 89 anos. Ela primeiro diz que todos nós pensamos saber muito, mas não sabemos. Precisamos estar sempre atualizando e se interessando. “Se você não tiver interesse, acabou. Eu leio muito, eu gosto de ler muito, porque eu tenho que estar sempre atualizando. Se eu parar, eu vou virar uma boba. Não, de jeito nenhum”, ela pontua.
Além disso, Célia diz que precisamos viver sem medo de errar, pois isso é natural: “A vida é assim, se você for ficar esperando tudo direitinho, você não vive. Você vegeta, você fica com medo de falar besteira. Fala besteira, não tem importância, mas fala. Errar é humano. Quem diz que não erra é mentiroso, porque todo mundo erra. Você vive tão preocupado com o erro que no fim acaba falando besteira e não fala nada”.

A conversa é segue com um bate-papo sobre amor e a entrevistada copartilha: “Namorei, aprontei e não me arrependo. Por isso que eu estou te falando: aproveite o máximo que você puder e ame livre”.

Célia encerra dizendo que sua filha a telefona todos os dias para saber como passou a noite: “Ai, é um agarra-agarra. Não me deixa sossegada, viu. Às vezes, eu quero ficar dormindo sossegada. E ela fala: mãe, você tá bem? Não está sentindo nada? E eu falo: Estou sentindo sim, que você atrapalhou a minha leitura. Mas a vida é assim. Se preocupa demais com a mãe. Antigamente, não era assim. Agora, tem uma preocupação, acho que ela tem a impressão de que vou morrer a qualquer hora. Porque se preocupa demais, viu. Mas tudo bem. Pior se não se preocupasse, né?”

Por fim, histórias como essa são possíveis de serem contadas devido ao trabalho e dedicação dos profissionais que fazem parte da equipe multidisciplinar da hospedaria. Hoje são 19 profissionais de assistência à saúde: médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, psicóloga, fisioterapeuta e assistente social. Além de outros 10 profissionais de outras áreas: cozinheira, porteiro, agente de apoio, profissional de limpeza. No total, são 29 funcionários no hospedaria.

Nestes 19 anos de existência, a Hospedaria de Cuidados Paliativos do Hospital do Servidor Público Municipal atendeu 845 pacientes. O HSPM possibilita que muitos tenham uma vida de qualidade e as suas histórias contadas.