Falando sobre trabalho escravo contemporâneo

A capacitação do servidor público no tema faz parte de Plano Municipal. Mais turmas serão oferecidas, com diversas parcerias de referência no tema

Por Beatriz Ramos

Veja as fotos do curso aqui

A segunda turma do curso de “Aspectos gerais sobre o trabalho escravo contemporâneo” ocorreu em 10 de junho na EMASP, e contou com uma participação especial. Dois coordenadores do programa Escravo, nem pensar!, da ONG Repórter Brasil, Natália Suzuki e Thiago Casteli, ministraram o curso, trazendo a experiência do projeto para a sala de aula.

O programa visa diminuir o número de trabalhadores aliciados para o trabalho escravo nas zonas rural e urbana do território brasileiro, por meio da educação, disseminando o conhecimento sobre o tema e promovendo o engajamento da comunidade para a questão.

A turma inaugural aconteceu na data simbólica de 13 de maio, dia da Abolição da Escravatura, mas, infelizmente, o trabalho escravo ainda é uma prática que precisa ser combatida, sobretudo pelos órgãos públicos. Por isso, esse curso foi construído junto à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC), para capacitar servidores(as) municipais no tema.

A aula promoveu debates e exposição de conteúdos referentes ao trabalho escravo rural e urbano, com dados e análises de conceitos. “O trabalho escravo se encontra na pecuária, no café, na produção de laranja, na produção de roupa, na construção civil, no desmatamento, na produção de móveis, nos frigoríficos, na mineração e na construção de grandes projetos", afirmou a jornalista e cientista social, Natália Suzuki.

Capacitação faz parte do Plano Municipal

A SMDHC lançou em 2015 o Plano Municipal para a Erradicação do Trabalho Escravo, em parceria com a sociedade civil, a fim de pensar políticas públicas para combater essa prática. Conforme a assessora especial para a promoção do trabalho decente da pasta, Marina Novaes, São Paulo é a primeira instância municipal a tratar do tema, a exemplo das entidades estaduais e nacionais.

O Plano abrange cinco eixos divididos em 59 ações, sendo que a ação 40 do eixo de prevenção, determina a capacitação de servidores públicos. “Então, juntamo-nos a EMASP, que é referência na formação de servidores públicos municipais, e fizemos essa parceria para começar a falar sobre os aspectos práticos do trabalho escravo contemporâneo”, complementa Marina.

O que é o trabalho análogo à escravidão?

O crime contra a dignidade humana, previsto na Constituição Federal e definido pelo Artigo 149 do Código Penal, se caracteriza por estabelecer elementos como o trabalho forçado, a jornada exaustiva e a servidão por dívida. Esses casos podem ocorrer paralelamente à condições degradantes como alojamentos precários, carência de assistência médica, péssima alimentação, maus-tratos, violência e ainda a ausência ou falta de saneamento básico e de água potável.

Elementos que contribuem para limitar a liberdade do cidadão também são inclusos no crime. Isolamento geográfico, retenção de salário e detenção de documentos, são exemplos disso.

A punição para o crime pode resultar de dois a oito anos de reclusão, com multa. Além disso, a empresa punida entra na chamada “Lista Suja”, um cadastro de empregadores flagrados com trabalho escravo e que é utilizado por empresas para gerenciar riscos.

Quem alimenta o trabalho escravo?

Para Natália, o consumo também está relacionado ao trabalho escravo. Isso porque, segundo a jornalista, toda a cadeia é produzida para que ele consuma. “Então se ele consome, ele está aceitando o produto no mercado e isso só acontece porque há pessoas que compram”, diz. Porém, a responsabilidade não é total do consumidor: ”quem acaba determinando é quem detém a produção, quem organiza e quem a coordena”, admite.

“Nós temos uma estrutura produtiva que inclui os consumidores bastante equivocada. Nós aceitamos produtos assim, mas ao mesmo tempo não existe produção sem trabalho escravo. Por exemplo, na indústria têxtil, mesmo que não haja trabalho escravo, existem fortes violações de direitos trabalhistas. Como filtrar o que comprar e o que não comprar?”, questiona Natália.

Nessa linha, para a jornalista, a violação dos direitos trabalhistas e os trabalhos análogos à escravidão são “importantes peças nas engrenagens do nosso sistema de produção”. Sendo assim, o trabalho escravo encontraria lugar nesse funcionamento.

Com esse diagnóstico, ela afirma que não podemos adotar uma “postura cínica”, a qual explica: ”ele (o trabalho escravo) não é um mal necessário, nós temos normas objetivas que proíbem essa situação”, conclui.