Projetos sociais devolvem a autoestima em momentos de fragilidade e podem revelar talentos inesperados

Uma psicóloga teve que começar do zero após experiência no exterior. Depois de passar por um projeto social, voltou para sua área de atuação e está indo trabalhar em uma multinacional. Um gari, após ter contato com um espaço cultural, matriculou-se em uma oficina de teatro, abrindo um mundo de possibilidade.Dois exemplos, de como a vontade de superação, aliada à competência e oportunidade, podem revelar habilidades inesperadas e devolver a segurança para que vive um momento de fragilidade

Há cerca de nove meses, Melissa Mizuca entrou no Programa Zeladoria de Praça da Operação Trabalho, projeto que prevê a seleção, contratação e capacitação de cidadãos que estejam desempregados e queiram atuar no projeto, cuidando da manutenção de praças na região onde mora, fator que possibilita uma identificação com a praça que está sendo zelada e, consequentemente, uma relação de respeito e amizade mútuos com a comunidade.

 

Formada em Psicologia, Melissa estava vivendo um período muito conturbado da sua vida e procurava uma atividade que lhe permitisse melhor autoconhecimento e também que a ajudasse a passar pela fase de intensa dificuldade financeira, após experiência no exterior. Encerrada a maré de complicações e o período de aprendizados, a dedicada zeladora de praças está deixando o projeto para atuar novamente em sua área e gerenciar o setor de Recursos Humanos de uma multinacional do ramo de tecnologia.

 

Juntamente com outros zeladores selecionados para atuar no projeto, na região da Subprefeitura Lapa, Melissa recebeu aulas teóricas e práticas sobre cuidados com plantas e técnicas de jardinagem, oferecidas pela Escola Municipal de Jardinagem da Secretaria do Verde e do Meio e do Ambiente, atividade que compõe a capacitação dos zeladores. “Eu tinha a parte instintiva, mas a técnica foi importante, o curso possui uma simbologia muito forte. A experiência também me fortaleceu como profissional, pois levo para a nova empresa, uma capacidade muito maior de entender as pessoas”, explica.

 

De acordo com a ex-zeladora de praças, além de receber uma qualificação que a tornou apta a trabalhar com as plantas e a se arriscar em uma área de atuação tão diversa de sua formação, Melissa adquiriu outros valores ao longo da sua participação no projeto, que contribuíram com o seu desenvolvimento profissional e lhe deram segurança para buscar novos horizontes e aceitar desafios. “Aprendi a manter a calma e a ver que cada coisa tem o seu tempo. Fazer parte de um grupo tão heterogêneo, com opiniões e atitudes tão diferentes dos meus, me capacitaram ainda mais para voltar a atuar com RH. Do projeto, eu levo o respeito e a tolerância às diferenças”, declara Melissa.

 

O projeto

 

O Programa Zeladoria de Praça é um projeto social que colabora ao mesmo tempo para a reinserção social de pessoas que estejam desempregadas e na manutenção de praças públicas e áreas verdes, deixando a cidade com um aspecto mais saudável e bonito. Após selecionado, o candidato passa por um curso de capacitação e recebe uma bolsa-auxílio mensal para cuidar de uma praça da região, fazendo uma jornada de 30 horas semanais, de segunda a sexta-feira. O contrato com os zeladores têm duração de 12 meses, podendo ser renovado por mais 12 meses.

 

A transformação pela cultura

 

Cícero Reginaldo de Carvalho, morador da Comunidade Nova Heliópolis, na Zona Sul, tem 34 anos e atua há quase dois anos como gari, na equipe de limpeza urbana da Subprefeitura Lapa por meio da Delta, empresa contratada para prestação de serviço de varrição. Conheceu o Tendal da Lapa há cerca de oito meses, quando o Supervisor de Cultura solicitou uma manutenção, e foi designado junto com outros colegas para cuidar da limpeza do local.

 

A partir daí, Cícero se envolveu com o lugar. “Quis entender o Tendal, como funcionava aquele espaço, então me matriculei no curso de dança de salão. Mas o que me chamou a atenção mesmo foi o teatro”, explica.

 

Em 2010, conheceu a oficina de teatro oferecida no Tendal e começou a ensaiar com o grupo. Participou de montagens da peça “Quase Nelson” (referência ao escritor Nelson Rodrigues), apresentada no próprio Tendal e também no espaço Pyndorama, em Perdizes.

 

Desde janeiro deste ano, está ensaiando com Igor Bartchewsky, diretor e produtor de teatro, cuja ênfase do trabalho está voltada para o teatro de improviso e para o estilo stand up. A perspectiva é que em dois meses, já estejam apresentando uma nova montagem. Uma peça infantil denominada “Infância Perdida”, escrita por Igor em parceria com outra turma que passou pelo Tendal.

 

Para o diretor, que atua há 18 anos com projetos culturais voltados para cidadania e inclusão e também já foi aluno do Tendal há muitos anos, o espaço cumpre sua função social de proporcionar a formação cultural. “Vai além de espaço cultural é uma casa acolhedora. Além disso, existe um intercâmbio cultural muito grande. Os administradores são tão envolvidos que acabam “costurando” uma aproximação não só entre alunos, mas também entre os professores das mais diferentes oficinas oferecidas aqui. Sendo assim, não me surpreende que o Cícero tenha vindo aqui para trabalhar e tenha se envolvido tanto”, declara.

 

Sobre o dedicado aluno e seu ingresso no universo do teatro, Igor comenta: “Cícero é uma pessoa bastante consciente, que sabe o que está buscando. O mais engraçado é que quando ele manifestou seu desejo de fazer teatro, nem vaga havia na oficina. No entanto, senti que se déssemos uma oportunidade a ele, ela não seria desperdiçada. Ele tem talento e competência. Se o jogarmos em um elenco, ele assume todas as responsabilidades, desde o figurino até a postura e interpretação”.

 

O interessante na história de Cícero é que ele trabalha em turno integral e ainda encontra fôlego para se dedicar aos ensaios. Ele faz questão de ressaltar ainda, que sua paixão pela atuação não seria possível, se não contasse com a compreensão de seu superior, que o ajuda a conciliar o horário de trabalho, que é puxado, com a agenda de ensaios.

 

“Tento não perder nenhuma aula, pois elas são muito boas. Volto para casa com outro espírito. Também é muito gratificante contar com os elogios e incentivos que recebo, tanto da equipe que trabalha comigo, dos meus superiores e também das pessoas com quem converso na rua quando estou trabalhando. Eles ficam surpresos e orgulhosos quando digo que sou ator de teatro. Todos me dão muita força”, conta.

 

No que se refere ao seu desenvolvimento pessoal, ele enumera os benefícios que o contato com o teatro trouxe para a sua vida: autoestima renovada, melhora na capacidade de comunicação, além de uma perspectiva de mudança de vida e o sonho de tocar um projeto que lhe possibilite se tornar um multiplicador das oportunidades que está recebendo.

 

“Pretendo montar algum projeto, quem sabe até em Heliópolis, mesmo, para dividir com os outros aquilo que aprendi. Não quero que este conhecimento fique apenas comigo. Para o próximo ano, também pretendo trabalhar apenas um turno, para me dedicar mais ao teatro e ir atrás de novos cursos. Eu também faço muitas pesquisas na Internet sobre o universo do teatro, procuro tirar dúvidas e conhecer cada mais os assuntos relacionados”.

 

 

“Criar oportunidades para o resgate de pessoas que estejam passando por dificuldades, passageiras ou mais duradouras, reforçar sua autoestima ou ainda, fazer com que percebam que merecem melhores condições de vida e que podem ir além do que imaginaram. São efeitos benéficos que alguns projetos sociais são capazes de alcançar na vida de pessoas que por algum instante se viram sem saída. É gratificante saber que os projetos desenvolvidos aqui na Lapa reúnem experiências de vida positivas como estas”, avalia Carlos Fernandes, Subprefeito da Lapa.