SMC Em Foco: Marta Nosé, amor aos livros e às crianças

Confira o perfi da diretora da Biblioteca Municipal Infanto-Juvenil Monteiro Lobato

Se há alguém que pode confirmar o dito de que “um exemplo vale mais do que mil palavras” é Marta Nosé Ferreira, diretora da Biblioteca Municipal Infanto-Juvenil Monteiro Lobato.

- Desde menininha, ouvia meu pai dizer: “Nesta casa nunca faltará nem livros nem comida”. Além disso, todas as noites, antes de adormecer, eu ouvia, maravilhada, as histórias de fadas e aventuras que minha mãe, à beira do meu leito, lia para mim. O resultado não poderia ser diferente: meu amor aos livros e minha inclinação natural à carreira de biblioteconomia.
Formada pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Marta há cinco anos coordena as atividades da Monteiro Lobato, mas já faz vinte e dois anos que ingressou na Prefeitura.

Cresci como ser humano

Marta acredita que todos esses anos, o contato diário direto com crianças e adolescentes a fizeram amadurecer emotivamente, tornando-a um pouco menos técnica e muito mais humana.

- É impossível deixar de se envolver com a atmosfera alegre e espontânea que reina na Monteiro Lobato. Das 8 às 17 horas, de segunda a sábado, nossos frequentadores mirins circulam pelas nossas dependências, lendo, retirando livros, pesquisando nosso acervo, desenhando, praticando jogos de salão, visitando as exposições, assistindo aos nossos espetáculos e prestando atenção às nossas contadoras de histórias. Vendo e participando de todas essas atividades, fico com pena do que hoje acontece com a maioria das crianças que, muitas vezes por comodismo dos pais, passam horas e horas diante da televisão, dos tablets e dos celulares, deixando de lado os livros e as brincadeiras conjuntas. Não sou contra a tecnologia, mas, no meu entender, estão tendo suas infâncias roubadas.

Algumas histórias

Marta conta que as histórias permeiam a sua infância e a sua vida:
- Elas trazem parceiros, afetos e amigos. Lembranças e aprendizados. Já não há mais fronteira entre a pessoa e a profissional. Tudo se mistura e integra. Forma, transforma e resignifica as emoções, a imaginação, o prazer e a diversão. Se espalha, contamina e se compartilha, num movimento intenso, diverso e constante. Como a vida. As histórias e os livros falam de todos, para todos. De uma infância sonhada, de uma trajetória vivida, do resgate do humano. E é isso que adoramos instigar e estimular.

Para exemplificar como é gratificante trabalhar na Monteiro Lobato, a diretora gosta de lembrar alguns casos acontecidos com ela e com suas funcionárias:

- Vou começar com a Leona, uma menina de três anos de idade, que todo o dia frequenta a biblioteca, trazida pela babá. Ela mora aqui na região de Higienópolis e, um dia, quem a trouxe foi a mãe, que não conhecia a biblioteca. Pois não é que a Leona pegou a mãe pela mão e foi percorrendo nossas dependências dizendo: “está vendo, mamãe, esta é a minha casa”. Não é uma gracinha? É assim que a gente quer que nossas crianças se sintam: em casa.

Outro caso que Marta narra é a de um adolescente abrigado numa entidade sócio educativa (atualmente temos uns vinte nessas condições). Este, em especial, tinha sido muito maltratado pela vida e, para não apanhar mais, fugira de casa aos seis anos de idade. Mal conseguia soletrar as palavras. Sensibilizada, uma de nossas funcionárias começou a fazer um trabalho com ele, primeiro através de gravuras e depois com histórias infantis simples. Não demorou para que ele estivesse totalmente alfabetizado e interessado em fazer um curso supletivo, que o permite, agora, a andar com as próprias pernas.

- Agora uma história com um adulto do tempo em que eu trabalhava nos ônibus-bibliotecas circulantes: um senhor que puxava carroça veio pedir emprestado um livro com muitas ilustrações. Dei-lhe um dizendo que não precisaria devolvê-lo. Mas, na semana seguinte, lá estava ele entregando o exemplar e pedindo outro. Confessou-me, então, que não sabia nem ler nem escrever. – Mas, para que o senhor quer o livro, então? Resposta: vendo as gravuras, criei uma história que não me sai mais da cabeça. Vejam só o poder da imaginação! Mais tarde soube que ele estava frequentando um curso de alfabetização para adultos.

- Finalmente, algo que aconteceu recentemente: estávamos fechando mais cedo (por causa da greve dos ônibus) quando chegou um senhor esbaforido querendo retirar um livro na nossa biblioteca circulante. – Já fechamos, senhor, disse uma de nossas funcionárias. – Por favor, abram para mim, estou doente! – O que é que o senhor tem? – Estou doente da alma e só os livros tem o poder de me curar. É claro que a moça reabriu a biblioteca e deixou o homem escolher os livros que queria levar para casa.

Gente famosa

Marta gosta de acompanhar o que vai acontecendo na vida dos frequentadores habituais da biblioteca e verifica a influência benéfica que o hábito de ler desde cedo tem em suas vidas, quer no âmbito escolar como no profissional.

- Não é de hoje que isso acontece. Desde de quando a Monteiro Lobato foi criada em 1936, muita gente que depois ficou famosa lembra com saudade do tempo de infância que passou em nossas instalações e o bem que isso lhes proporcionou. Muitos até voltam de vez em quando para matar saudades, ou trazem seus filhos e netos para que passem pela mesma experiência. Temos até uma publicação com uma lista das personalidades que, quando crianças, frequentaram a biblioteca, entre elas podemos citar o publicitário Washington Olivetto, o compositor Paulo Vanzolini, o poeta Paulo Bonfim, o jornalista Boris Casoy, os atores Ney Latorraca, Fúlvio Stefanini e Marcos Caruso, o artista plástico Hamilton de Souza, o filósofo José Arthur Giannotti, a professora especialista em Monteiro Lobato Marisa Lajolo, a fotógrafa Ella Durst, o advogado e jurista Celso Lafer, o diretor de teatro Iacov Hillel, a escritora de livros infantis Fanny Abramovich, os filhos de Dorival Caymi Danilo e Dorival e tantos e tantos outros.

Otimismo e realização

Aposentadoria é uma palavra que Marta não gosta de pensar que existe.

- Não me imagino fazendo outra coisa. Só saio daqui quando for obrigada pela compulsória. Como é bom trabalhar em algo que se gosta e que é estimulante.

Me sinto totalmente realizada. Todas as manhãs, levanto com uma ideia otimista na cabeça que penso levar para o meu trabalho que, aliás, nem considero trabalho, já que me dá tanta satisfação. E, aqui entre nós, não posso deixar de refletir: como sou sortuda, faço o que gosto e ainda me pagam para fazer isso!

Por Gilberto De Nichile