Pagode da 27: grupo transformou uma das ruas mais violentas de São Paulo em destino cultural dos moradores do Grajaú e de toda a cidade

Ao mesmo tempo que valorizam novos compositores, resgata o samba de raíz ao compor repertório com clássicos do gênero

A Espada-de-São-Jorge ao centro da mesa traz a proteção para o grupo que, de certa forma, também a levou para a Rua Manuel Guilherme dos Reis - conhecida como Rua 27. Antigamente, o logradouro era considerado como um dos mais perigosos de São Paulo, mas foi justamente lá que o Pagode da 27 surgiu, em 2005, oficializado por uma roda de samba. Hoje, o local no Grajaú, Zona Sul, foi transformado em patrimônio cultural por causa do grupo, que lá toca todo domingo. No mês em que completa 17 anos de existência, o Pagode da 27 ocupa o Centro Cultural Grajaú neste domingo (28), às 15h.

Para Jefferson Santiago, produtor e músico, essa transformação veio naturalmente: era a paixão pelo samba que movimentava o grupo. “Ali, seria um encontro de pessoas que queriam fazer samba. Mas com algumas regras: que existisse o respeito - com o idoso, com a criança. Acredito que, hoje, as pessoas olham a Rua 27 e esquecem o que ela foi no passado”.

Atualmente, a formação do grupo conta com 11 participantes: Ricardo Rabelo (banjo e voz); Matheus Crippa (violão e voz); Márcio Oliveira (surdo); Nenê Partideiro (pandeiro e voz); Renan Almeida (cavaco e voz); Leandro Carvalhal (cavaco solo); Orlando Júnior (repique de mão e voz); Lero Santos (pandeiro); Guilherme Barros (percussão geral); Vini Santos (percussão geral); e Jefferson Santiago (percussão geral).

“A 27 faz esses trabalhos sociais desde seu primeiro ano de criação, arrecadando alimento e repassando às pessoas que vivem ali. Como somos do bairro, acompanhamos as pessoas e sabemos quem está precisando”, comenta o músico. “Hoje, depois de 17 anos, temos campanhas mais elaboradas - recentemente, tivemos duas, a Dignidade Menstrual e a Campanha do Agasalho”, finaliza.

Desde o início, o grupo vem chamando a atenção de amantes do gênero musical e sambistas como Waldir 59, Leci Brandão, Osvaldinho da Cuíca e Criolo, com quem já gravou uma música em 2012, Filhos da Favela. No repertório da roda de samba, despontam sucessos clássicos do samba, como obras de Adoniran Barbosa, Zeca Pagodinho e Almir Guineto, e composições próprias, reunidas em três albúns, A Comunidade Chegou, Filhos da Favela e É o Povo na Cabeça, e um vinil comemorativo de 10 anos.

Fazem do samba uma ferramenta de transformação social ao traduzirem em arte os anseios de uma comunidade, fazendo jus à relação que o gênero tem com questões sociopolíticas, considerando que chegou a ser proibido no passado, bem como a capoeira - socialmente, produções culturais e artísticas concebidas pelo movimento preto, ou ligadas a religiões de matriz africana, enfrentam o racismo de grande parte da sociedade. Jefferson opina que a discriminação enfrentrada pelo samba está relacionada ao preconceito de classe. “O samba da Vila Madalena não sofre mais essas questões. Mas a gente aqui da periferia ainda encontra uma certa resistência”.

Desde o início, o Pagode da 27 se destaca pelas suas ações pela e para a comunidade: além de arrecadar alimentos destinados a organizações da região, também oferece oficinas de música para as crianças. Recentemente, ainda, reformou uma biblioteca comunitária inaugurada em maio deste ano, após vencer um edital do Programa VAI, da Prefeitura - durante a pandemia, para incentivar o hábito da leitura, promoveram o projeto Livro do Mês. “Nós levávamos os livros na casa das crianças para elas escolherem e, depois de vinte a trinta dias, voltávamos para trocar. Conseguimos formar alguns leitores, fazer com que adquirissem esse hábito”, comenta Jefferson, que adiciona que a ação permanece em prática.