Discurso do Prefeito José Serra

Estamos reunidos hoje não para comemorar a vitória de uma pessoa ou de um partido, mas para celebrar a liberdade, a democracia e a alternância no poder.

Estamos reunidos hoje não para comemorar a vitória de uma pessoa ou de um partido, mas para celebrar a liberdade, a democracia e a alternância no poder. Sabemos que só há uma cura para os problemas e insatisfações que uma democracia costuma produzir: mais democracia, mais liberdade, mais participação.

Passadas as eleições, a forma de continuarmos honrando o compromisso democrático é mobilizarmos nossos respectivos partidos, nossos aliados, nossos correligionários para o bem da cidade. Sem vaidade, sem rancor, sem preconceito. Com altivez nas derrotas, humildade nas vitórias – atitudes, aliás, que tivemos em 2002 e em 2004.

Estou na política porque tenho convicções e porque tenho responsabilidade. Acredito que a convicção sem responsabilidade arrasta para utopias vãs; a responsabilidade sem convicção torna o governante um contínuo da burocracia.

O grande exercício que a democracia nos permite é descobrir a importância da convicção quando se tem a responsabilidade de ser governo e a importância da responsabilidade quando se faz oposição por justa convicção.

Nunca quis e não quero ser prefeito de São Paulo contra este ou aquele partido, esta ou aquela corrente ou liderança. Estou na política para servir a coletividade, porque acredito no poder das idéias, da vontade, do trabalho e da competência.

Meu compromisso é com uma administração voltada para o bem comum: não partidarizada , que imponha a separação entre o interesse público e o interesse privado e privilegie, sempre, o interesse público.

Permito-me fazer uma distinção: interesse público não é o interesse da maioria eventual. É a ação que visa ao beneficio de todos, indistintamente, e não de pessoas, grupos, partidos ou corporações.

Para mim não existe bairro que votou em A ou bairro que votou em B. Existe a cidade inteira, com suas virtudes e defeitos, com suas carências e seus problemas.

O prefeito não é eleito para mandar, mas sim para, com autoridade, servir as pessoas do seu município. Um servidor público.

Estarei muito a vontade nesse papel, que já exerci de outras formas ao longo de minha vida. Na militância política, sempre procurei estar próximo daquelas pessoas cuja forma de servirem a si mesmos é servirem aos outros.

Neste aspecto, como em tantos outros, os filósofos estavam certos. São Francisco, Buda, Maomeh, Maimonides, e antes deles Aristóteles, todos falaram a verdade quando disseram que o único jeito de assegurar a si mesmo a felicidade é aprender a dar felicidade aos outros.

São Paulo é a maior, a mais brasileira e a mais internacional das nossas cidades. É a metrópole que durante mais de um século foi a locomotiva da vida econômica nacional. A caldeira da locomotiva. A terra das oportunidades para quem vinha de fora, para imigrantes da Europa e da Ásia, para migrantes de todas as regiões do Brasil.

Na infância e adolescência de minha geração, numa vila de um bairro operário de São Paulo, eu próprio filho de imigrantes, de primeira geração, não sabíamos bem o que iríamos fazer na vida, mas tínhamos consciência da possibilidade de escolher, que não faltaria o que fazer. Hoje, infelizmente, esse não é o estado de espírito nem a realidade de muitos dos jovens dos bairros mais carentes.

Os eixos dinâmicos que lideram o desenvolvimento das nações, especialmente as mais extensas, mudam através do tempo e nos espaços geográficos. Isto tem acontecido em nosso país. No caso de São Paulo, décadas de falta de planejamento, investimentos distorcidos e sufoco tributário – de cada 7,7 reais de impostos aqui pagos, somente 1 real fica no município – também contribuíram para a perda de velocidade.

É possível que São Paulo não venha a ser de novo uma terra de oportunidades para grandes correntes migratórias. Mas certamente pode voltar a sê-lo para seus moradores. Não apenas pode, deve. Não apenas pode e deve, será. Esta é a nossa missão política maior: assegurar um futuro de oportunidades às gerações mais novas.

Certamente esse objetivo não será alcançado nos primeiros cem dias, nem completado nos primeiros mil dias de governo. Mas vamos começar.

Isso é possível? Estou convencido que sim. Até porque, para mim a política nunca foi apenas a arte do possível, mas a arte de ampliar os limites do possível, tais como são percebidos.

Vale lembrar o Eclesiastes (9,10): “Tudo o que te vier a mão para fazer, faze-o conforme tuas forcas”.

Afortunadamente nossas forças são grandes, grande é a força da nossa cidade. Basta que consigamos mobilizar a energia social latente em toda São Paulo, a mesma que se revelou episodicamente na eleição passada.

Por isso faço aqui um chamado a todo o povo paulistano: vamos caminhar juntos.

Não tenhamos receio de enfrentar os desafios. Só devemos ter medo de ter medo. Não vamos ter medo de mudar, trazendo para a administração de nossa cidade o planejamento, as prioridades, a parcimônia, estabelecendo relações éticas entre Executivo e Legislativo, governando para todo o povo e não para servir a interesses especiais de grupos, corporações ou partidos, quaisquer que sejam suas cores.

Nossas prioridades foram apresentadas durante meses à população de São Paulo, no bojo na campanha eleitoral. Na saúde, na educação, no transporte, na moradia, no meio ambiente, na cultura, na habitação. Falamos também de nossas ações para contribuir para o desenvolvimento e o emprego, diante das condições da cidade para ser uma verdadeira capital de negócios na América Latina.

Começando pelos serviços de saúde e de educação fundamental, nosso governo municipal subirá encostas e descerá até a beira dos córregos. Com perseverança e dedicação, levaremos o testemunho do nosso interesse pelas pessoas a todos os bairros e vilas. O que importa, neste momento, é dizer presente.

Quero insistir na minha crença de uma prefeitura presente. Que a administração esteja nas ruas, veja e sinta a cidade real, não escape dos problemas, não procure maquiá-los ou adiar indefinidamente sua solução.

As pessoas sabem, pela sua própria vivência, que nem sempre as coisas saem como desejam. O importante é que haja mais acertos que erros. Os que me conhecem sabem que não tenho intolerância em relação aos erros. Só não erra quem não faz.

Mas não tolero a falta de empenho, a indolência, o corpo mole. Esta não será uma administração de corpo mole. Será uma administração caracterizada pelo esforço, o empenho e a transparência. Do prefeito ao funcionário mais modesto, que será por nós motivado.

Será uma prefeitura avessa ao estilo de amostra grátis, aquele remédio que os laboratórios dão aos médicos para que eles experimentem os produtos. Vem pouco e apenas para demonstração. Vamos dizer sempre não à tentação fácil das realizações vistosas que escondem providências inexistentes, parciais ou inadequadas.

Será uma prefeitura voltada à parceria, ao trabalho conjunto com a União e com o Estado. Confio no trabalho harmônico com o governo federal e o governo do estado.

Quero aqui fazer um agradecimento especial ao Geraldo Alckmin, um companheiro de muitas horas. Tenho certeza de que também será o companheiro, agora de todas as horas, na administração da nossa cidade.

Meu agradecimento ao ministro Marcio Tomás Bastos, cuja presença nesta cerimônia simboliza o ponto de partida da relação cooperativa entre o governo federal e nossa administração na cidade de São Paulo.

E ao presidente Fernando Henrique, amigo e irmão maior, cujo mandato presidencial devolveu ao Brasil a esperança. No futuro, seu governo será lembrado não somente pela estabilidade de preços que trouxe ao país, depois de 15 anos de superinflação, mas também pelo avanço social que promoveu, na educação, na saúde, na proteção social.

Sua integridade como cidadão é a negação daquela máxima antiga e reacionária de que o poder corrompe os homens. Não é assim. São alguns homens que corrompem o poder e outros os que, como ele, enobrecem o poder publico.

Mas vamos governar juntos também com a sociedade, as associações comunitárias, as organizações não governamentais, com essa gente valorosa que tanto ajuda a cidade, anonimamente. Sem paternalismo nem manipulação. Parceria de verdade, para somar forças, mobilizar recursos, descobrir soluções.

Alias, é na prática comunitária que surgem e prosperam as verdadeiras lideranças populares. O governo municipal precisa acolher e respeitar essa vontade de participar.

Os subprefeitos da nova administração sabem que a lista das suas obrigações começa pela responsabilidade de manter sua porta sempre aberta ao povo. Associações comunitárias, clubes, grupos musicais, comunidades de fé e todas as demais expressões legítimas e autênticas da vida paulistana encontrarão nas instalações da municipalidade alguém para recebê-las com o respeito e atenção.

A inclusão social é um compromisso fundamental, meu e de toda a equipe que começa hoje mesmo a trabalhar pela melhoria das condições de São Paulo. Toda morador de São Paulo merece tratamento eqüitativo. Diferenças de cor, de sotaque, de sobrenome, de religião, de preferências na vestimenta ou no comportamento social, não podem servir como justificativa para tratamento preconceituoso de quem quer que seja, e muito menos do agente público.

O combate ao preconceito deve começar na escola. Nossas crianças podem e devem receber orientação sobre os direitos individuais, numa linguagem adequada e democrática. Esses alunos poderão levar informações e conceitos aos seus familiares, ajudando a espalhar a mensagem positiva da tolerância e do respeito mútuo.

É inconcebível que uma cidade como São Paulo ainda tenha quarteirões e quarteirões repletos de atividades comerciais, sem a correspondente presença do Poder Público. Às vezes um quiosque simples, uma quadra descoberta, um posto avançado de biblioteca onde se possa tomar um livro emprestado, um abrigo permanente para polícia comunitária, ou até mesmo aquela placa singela para anunciar serviços de acesso à Internet nos fundos de um templo religioso, servem para qualificar o interesse da administração pública na comunidade. Nós vamos colocar o pé em todos os recantos desta imensa cidade.

Tenho consciência de que a situação que vamos encontrar é difícil, principalmente, mas não apenas, do ponto de vista financeiro. A prefeitura está sem dinheiro – isto é bastante evidente -, gastou mais do que podia, comprometeu-se além da conta e cumpriu aquém do razoável. Não vejam, por favor, isso como uma crítica. É apenas uma constatação. E uma lembrança para incentivar que façamos diferente.

O que me move é o futuro, não o passado. Vou governar sem espelho retrovisor, olhando pra frente. O que me move é o trabalho, o fazer. Fazer que é, por si mesmo, uma construção de futuro.

Por isso, e como aprendi na vida que dificuldades não são impossibilidades, não há chance de dobrar-me diante delas. Nas últimas semanas, depois da eleição, as perguntas mais freqüentes que ouvi em todas as partes foram: “você está otimista ou pessimista?”.

Lembrei-me então de uma frase de Churchill, segundo a qual um otimista esfuziante é aquele que vê uma oportunidade em toda calamidade, e o pessimista renitente é aquele que vê uma calamidade em toda oportunidade...

Não me encaixo em nenhum desses extremos, pois sei que é possível ser realista sem fechar os olhos para os problemas, mas também sem magnificá-los como se insolúveis fossem.

Perdoem-me o lugar comum, mas tenho de mencionar o lema da cidade - Non Ducor, Duco. Não sou conduzido, conduzo. Estes dizeres foram herdados do Estado, depois da revolução de 32. Vem dos tempos da autoconfiança – até exagerada talvez - hoje enfraquecida.

Mas é inevitável voltar ao nosso brasão quando se pensa em novos tempos para São Paulo, de recuperação de sua auto-estima, de seu amor próprio. Não com arrogância, mas como fonte de inspiração, na cidade de todos nós - de todas as raças, de todos os sonhos, de todas as lutas, de todas as esperanças.

Desde que o lema nos chegou, São Paulo passou de cidade paulista a cidade brasileira. A mais brasileira de todas. É neste sentido que São Paulo representa sua vanguarda mais abrangente e representativa. Melhorar seu astral econômico, cultural e político, significará levar junto o Brasil para diante.

Dizia um poeta e sábio da antiga Pérsia:

“Quatro coisas não voltam:
a flecha que parte,
a água que passa,
a palavra pronunciada
e a oportunidade perdida”

Não vamos deixar esta oportunidade passar!

Hoje, falei para meus companheiros e companheiras de administração. Falei para os amigos que aqui vieram para testemunhar. Falei para os que se empenharam por minha eleição e também para os que estiveram com os meus contendores. Falei até para mim mesmo, para que eu nunca esqueça.

Mas falei sobretudo para o povo da minha cidade – que votou com esperança e com esperança vê seu novo prefeito tomar posse. Com esperança aguarda que a administração faça seu trabalho. E vamos fazer, com amor, com dedicação, com integridade e com pertinácia... Contem comigo, contem conosco.