“Temos dois tipos de deficiência: aquela que você adquire e a que você nasce. Em ambos os casos, aquela mãe ou aquele cuidador, que é responsável, fica com a luta sozinha” diz Maria de Fátima sobre ser mãe atípica.

Relatos reforçam a luta diária de mães com deficiência na cidade de São Paulo

 Embora a cidade de São Paulo tenha mais de 1 milhão de pessoas com deficiência, a sociedade ainda convive com a falta de informação e preparo para lidar com determinadas situações, principalmente quando envolve mulheres. O preconceito dobra quando são mulheres com deficiência ou mães de filhos com deficiência. O mês de março é marcado por uma das datas mais importantes da história: o Dia Internacional da Mulher, 8. Data em que celebramos diversos marcos históricos de diversos países e que marca o ano de 1917, quando 90 mil mulheres operárias russas percorreram as ruas, fazendo manifestações em busca de melhores condições de trabalho e de vida. Trouxemos aqui pessoas para contar um pouco de suas histórias e nos mostrar a realidade vivida por mulheres, mães e pessoas com deficiência.

Maria de Fátima, de 51 anos, além de ter uma deficiência, é mãe de uma jovem com deficiência. Ela possui deficiência física em decorrência da Esclerose Múltipla. Frequenta o Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência (CMPD), a pouco mais de 20 anos, e é uma pessoa engajada e ativista na luta da pessoa com deficiência, sendo mãe da Viviane Aparecida, de 30 anos, que também se tornou uma pessoa com deficiência devido a um acidente.

“Fui atropelada com a minha família em 2001, vítima de um racha. Como falei que sou pessoa com deficiência, sou ainda mãe e cuidadora de uma menina com múltiplas deficiências, que também foi atropelada em 2001. Desde então, eu me envolvi nessa loucura, mas eu já tinha a minha deficiência anteriormente. Fui tratada sempre com uma pessoa com hipertrofia. Em 2000, recebi o diagnóstico da Esclerose Múltipla. Já em 2001, veio o acidente da minha filha. Hoje, ela é uma menina totalmente dependente de mim, para todas as atividades”, disse Fátima.

 

 

A luta de uma mãe

A cidade de São Paulo conta com diversos serviços para a sua população, e Maria de Fátima destaca os serviços da capital que mais utiliza, entre eles, transporte e Defensoria Pública: "Uso mais transporte e Defensoria Pública, devido a todas as necessidades que a minha filha tem” e ainda reforça um pouco do seu sentimento e luta, após o acidente e também o impacto do Conselho Municipal da Pessoa com Deficiência na sua vida: “

“Sentimento de revolta. No início em vim com sede de vingança, busca de justiça pelo que a pessoa fez, até porque era menor de idade e acabou que ele não arcou com as consequências, pois ele tinha apenas 16 anos. Então, quando eu comecei a frequentar o Conselho, conheci mais sobre política pública, me agarrei a isso, algo que eu sou apaixonada. Vi aquele sentimento de vingança e que queria que alguma coisa mudasse na prática, mas aí, conhecendo esse mundo, eu vi que eu não era a única. Percebi que o meu problema não era maior do que muitos, que eu vi lá na frente e isso acabou mudando meu pensamento."

O apoio da família é considerado por muitos algo de extrema importância, mas nem sempre todos conseguem ter, Fatima diz como sua família lidou com a deficiência da filha:

“Depois do acidente a família se dividiu, não é mais a família, essa experiência não foi só comigo, vi em outras também. Temos dois tipos de deficiência: aquela que você adquire e a que você nasce. Em ambos os casos, aquela mãe ou aquele cuidador, que é responsável, fica com a luta sozinha, e o primeiro preconceito que enfrentamos é da própria família.”

Ela ainda avalia como isso trouxe aprendizados, mesmo no meio de tantas lutas: “Além daquela angústia de querer que algo acontecesse por vingança, percebi que eu tinha outras barreiras para derrubar, e para isso levantamos a cabeça e lutamos todos os dias”.


A rede de apoio

Em milhares de casos que acontecem na cidade de São Paulo, muitas mulheres nascem com deficiência, caso da Laila Sankari, que tem 66 anos, é uma pessoa surda, oralizada em português e se comunica também em Libras.

Ela conta que entrou na Prefeitura de São Paulo foi o seu primeiro emprego, e que mantém até hoje: “Na época não tinha acessibilidade para surdo, sofri, foi muito difícil, mas me esforcei”.


A importância do Trabalho

“Em 2006 entrei na Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência e lá tinha funcionários com deficiência que trabalhavam (pessoas cegas, pessoas que usam cadeira de rodas, surdo e com síndrome de Down). Hoje tem acessibilidade para todos. Lembro que fizemos um projeto chamado “Oficina de Libras” para os funcionários da Prefeitura de São Paulo aprenderem os sinais e se comunicarem com os surdos na cidade de São Paulo”, foi muito gratificante ver e acompanhar o resultado.”


Maternidade

Já sobre a experiência como mãe, Laila conta como foi para ela o período de idas aos médicos e ressalta a importância de ter o apoio da família: “Minha gravidez foi normal, minha mãe sempre me acompanhava ao médico. Eu pedia para o médico falar devagar para que eu pudesse ler a movimentação dos lábios. Tenho 3 filhos (ouvintes), meu marido é surdo também”.

E destaca que não foi fácil: “Quando eu me casei e engravidei do meu primeiro filho, meus pais ficaram preocupados, porque eu e meu marido somos surdos, e não íamos ouvir o choro do bebê. Um dia, meus pais me chamaram para almoçar, em um domingo, na casa deles, e disseram que era melhor eu dormir na casa deles, ficar por lá, só por que eu não ouviria o choro do bebê e minha mãe me ajudaria. Porém, meu marido disse para os meus pais, que eles não precisavam se preocupar com isso, porque nós tínhamos um aparelho que acendia uma luz e sinalizava conforme o bebê chorava (ele pisca e acende uma lâmpada). Eles entenderam e ficaram calmos.”

Laila conta que foi difícil o processo de lidar com um filho ouvinte. Ele tentava um diálogo com ela e seu marido, mas não compreendia. Ela não sabia como explicar para o seu filho mais velho, até que teve uma ideia: “Eu tampei o ouvido dele com a minha mão e chamei: Leandro, e repetia "Leandro", aí tirei a minha mão e perguntei: “Você ouviu a mamãe falar? e ele dizia que "não". Então, expliquei que o papai não ouve porque é surdo, você tem que chamar com a mão no braço ou na perna ou acenar. Já com o meu segundo filho, foi a mesma coisa, o meu primeiro filho ensinou ele a chamar com as mãos e com o terceiro foi a mesma coisa, ambos ensinaram para o outro”.

Muitos são os desafios de ser mulher com deficiência no Brasil, porém, com sensibilização, conhecimento, autonomia e validação dos direitos, tornamos a sociedade mais acessível e inclusiva.