Audiência pública debate violência obstétrica no Brasil

Evento reuniu profissionais do direito e da saúde, gestores, estudantes, pacientes e demais interessados (as) no tema no auditório Queiroz Filho, do MP de São Paulo

Agressões verbais, recusa de atendimento, privação de acompanhante, tricotomia (raspagem dos pelos pubianos) episiotomia e separação da mãe e bebê saudável após o nascimento. Esse quadro resume o cenário de violência obstétrica que já virou rotina em muitas maternidades brasileiras. Tais intervenções, praticadas como “normais” no momento do parto são consideradas, de acordo com as diretrizes da OMS (1996), como um fator de risco tanto para a mulher como para o bebê.
Com esse objetivo, o Ministério Público de São Paulo; a Defensoria Pública Estadual – Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM); o Ministério Público Federal; a Escola da Defensoria Pública do Estado; a Escola Superior do Ministério Público; a Secretaria Municipal de Políticas Públicas para Mulheres e a Artemis promoveram no dia 17/11, no auditório Queiroz Filho, do MP/SP, uma audiência pública para ouvir as mulheres e discutir o tema com a participação da sociedade civil. O evento reuniu profissionais do direito e da saúde, gestores, estudantes, pacientes e demais interessados (as) no tema.
A audiência teve como convidado o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), autor do Projeto de Lei 7633/2014, que dispõe sobre a humanização da assistência à mulher e ao neonato durante o ciclo gravídico-puerperal. Também estiravam como debatedoras, Esther Vilela, coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde e a Professora Doutora Carmen Simone Grilo Diniz, do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Incluiu ainda o depoimento de sete mulheres vítimas de violência obstétrica, dentre elas, Adelir Carmen Lemos de Góes, que foi submetida, contra sua vontade, a uma cesárea por decisão judicial em abril de deste ano, na cidade de Torres (RS).
Embora no Brasil o crime não seja tipificado, o Ministério Público/SP tem instaurado inquéritos públicos que investigam as práticas nos hospitais e maternidades de São Paulo. O assunto também mobiliza o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública de São Paulo, que, diante da relevância do assunto, inseriu em seu site um folder explicativo sobre violência obstétrica e formas de como denunciar.
“As conquistas das mulheres se dão sempre com luta. Essa audiência nos traz muita esperança pois conclama a sociedade e as instituições a refletirem sobre esse tema, cujo debate é novo. É significativo estarmos aqui olhando para essa questão num cenário onde as mulheres brasileiras ainda não tem os direitos sexuais e reprodutivos garantidos. Sendo assim, a questão da violência obstétrica é mais uma expressão desse não reconhecimento de que a mulher deve decidir sobre o próprio corpo. Essa é uma questão política, além de médica e também de justiça. Trata-se de resgatar e garantir os direitos de escolha e reprodutivo das mulheres. A SMPM se soma e se solidariza com essa luta. Essa é mais uma frente que as mulheres, assim como tantos homens, estão comprometidos para mudar a história da opressão de gênero”, afirmou a secretária adjunta, Dulce Xavier, integrante da mesa de abertura.
Raquel Marques, da ONG Artemis, revelou que uma em cada quatro mulheres já sofreu violência no parto, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo. “Acreditamos, porém, que existe uma grande subnotificação desses casos, pois muitas não percebem que passaram por violência no parto. Selecionamos 40 narrativas de violência obstétrica que serão exibidos aqui. Em nome de tantas as mulheres que perderam suas vidas durante o parto, trazemos aqui esse tema, lembrando que o envolvimento do Judiciário, nessa questão, é imprescindível.
Maria Esther Vilela, coordenadora da Área Técnica de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde observou que a gravidade da violência obstétrica ocorre porque ela é institucionalizada, destacando que é preciso, mudar especialmente, a formação dos profissionais, com a inclusão de novos paradigmas de atenção ao parto no Brasil . Atualmente, o país realiza o maior número de cesarianas no mundo, o equivalente a 56% dos partos.
Ao falar sobre o assunto, o deputado federal Jean Willys justificou o motivo de abraçar essa causa: “Fui procurando pela sociedade civil por representar as minorias e as questões ligadas aos direitos humanos. Percebi que a violência obstétrica é uma forma específica de violação aos direitos humanos das mulheres. Esse é um tema espinhoso, alvo ainda de muito preconceito, mas que precisa ser discutido pela sociedade para que sejam assegurados os direitos reprodutivos das mulheres. Isso inclui o direito de escolher como será o parto de seu filho”, finalizou.
Ao final da Audiência foi redigido um documento assinado pelas entidades presentes que apresentam recomendações visando a superação desta triste realidade de descaso com um processo biológico, natural e que não pode ser objeto de interesses econômicos e de opressão das mulheres.
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