Festival no CCJ reúne representantes da velha guarda do punk nacional em shows, debates e exibição de filmes

Primavera entre os Punks acontece nos dias 19 e 20 de outubro

A primavera começou em setembro. A estação do ano marca a renovação. Democrática, ela se inicia para todos, inclusive para os marginalizados pelo sistema: os punks.

Organizado por Ariel Invasor e Tina, dois representantes da velha guarda do punk nacional, o festival Primavera entre os Punks traz para o Centro Cultural da Juventude (CCJ), nos dias 19 e 20 de outubro, shows, debates e exibição de filmes. O objetivo é resgatar a história do movimento no Brasil que, nesses 40 anos, marcou a música, a política, a moda e o comportamento de toda uma geração.

Desde o florescimento do punk, Ariel é uma das figuras mais ativas na cena. Nunca parou. Sua história de vida e a do movimento estão sobrepostas. Um pouco dessa confluência pode ser vista no documentário Ariel: Sempre pelas Ruas, dirigido por Marcelo Appezzato, que é exibido no dia 19. Após a sessão, acontece um debate sobre punk com nomes pioneiros do movimento: Pierre (Carolina Punk), Rose (Punks Anjos), Juvenal (Punk Terror) e Paulinho (Phuneral Punk).

Ariel, além de vocalista da banda Invasores de Cérebros, poeta e ativista, também ataca de ator. Baseado em um conto homônimo de Carlos Drummond de Andrade publicado no Jornal do Brasil em 1983, o curta-metragem João Brandão Adere ao Punk, de Ramiro Grossero, traz Ariel na pele do escritor, e será exibido no dia 20. O encerramento da programação traz ao palco do CCJ um show das bandas Lixo Suburbano e Invasores de Cérebros, parceria que acontece desde 1988.

Confira a entrevista com Ariel Invasor:

O documentário Ariel: Sempre nas Ruas traz a imagem de uma São Paulo tomada por punks na década de 80. Já há algum tempo que essa cena não é mais tão comum. O que você acha que mudou nesses anos? O jovem de hoje tem procurado outros estilos musicais para se expressar?

Ariel Invasor: Os anos 80 foram de descobrimento e de uma explosão de juventude querendo ter expressão. As ruas eram o grande ponto de encontro dessa juventude revolucionária, onde pensadores, poetas, músicos, artistas marginais, todos estavam inseridos nas gangues. Tudo isso formou um movimento, o punk. Acredito que hoje em dia o grande ponto de encontro de todas essas manifestações é a internet e as redes sociais. Depois de tanta diluição, não há mais uma única cena e, sim, diversas. No entanto, aonde formos, ainda encontraremos muita gente que curte o som e está em movimento, produzindo muita cultura rebelde. O punk ainda resiste.

É mais difícil ser punk hoje ou foi na década de 80?
A.I.: Nunca foi fácil, nem ontem, nem hoje e nunca será... Acontece que, antigamente, resolvíamos tudo nas ruas, desde alianças até desavenças. Precisava gostar muito para poder ser punk em SP. Hoje, o que vemos é uma apatia geral, o pessoal não quer mais sair para confraternizar, trocar ideias e interagir, e isso torna a coisa fria demais e vai, a cada dia, distanciando as pessoas. Sinto muita falta disso tudo.

Você se considera um dos poucos sobreviventes do punk nacional na ativa ainda hoje?
A.I.: Acredito que sim... Temos alguns sobreviventes que, quando se encontram, é realmente uma festa. Mas estar na ativa, ainda com o mesmo ideal libertário, são realmente poucos que restam... Seremos nós, os punks das antigas, uma raça em extinção?

No documentário, o Fábio Massari (ex-VJ da MTV) te chama de “satélite”. Você se considera um satélite?
A.I.: Sou um cara antenado com o movimento intergaláctico e que mantém atividades rebeldes pelo planeta.

Muitas vezes colocam você e o Redson (vocalista da banda Cólera, morto em 2011) em oposição, como ele tendo sido o representante do punk da paz e você da desordem. Você concorda?
A.I.: Concordo! Eu mesmo dizia isso a ele, que éramos muito diferentes, que nossas bandas eram muito diferentes, desde a sonoridade até as letras, mas dizíamos, um ao outro, que isso não nos afastava e, sim, nos completava e ao movimento punk como um todo, pois na verdade, esse movimento nunca foi uniforme e talvez sua duração se deva a isso.

Sua ligação com a literatura sempre foi forte. O curta João Brandão Adere ao Punk também é uma associação entre punk e literatura. Drummond era um punk revolucionário?
A.I.: Drummond era um observador das coisas que interessavam. Ele literalmente desafinava o coro dos contentes, com sua poesia e com sua visão de mundo. Quase no fim de sua vida, ele abordou um tabu, o punk, até então tratado por todos como juvenil. Com lucidez, falou respeitosamente e apaixonadamente, tratando o punk como movimento revolucionário. Sendo assim, ele era punk para caralho, não é!?

Ariel Invasor e Drummond têm algo em comum?
A.I.: Talvez o gosto pelas coisas que interessam, além da calvície (brinca).

Não vai sair briga no debate sobre punk, no CCJ, em que participam Pierre, Rose, Juvenal e Paulinho?
A.I.: De jeito nenhum sairá briga entre o pessoal da velha guarda. Esse pessoal esteve na linha de frente de suas respectivas gangues e tem muita história para contar. As gangues foram necessárias para se manter uma identidade naquele momento.

Como é a primavera entre os punks?
A.I.: Primavera remete à renovação da flora e também da fauna, com hormônios e pólens em suspensão. Então, como estamos há 40 anos nos renovando e criando algo novo, a esperança está no ar... Mais uma vez.

Fala-se muito sobre a história e origens do punk como tempos áureos. Mas como o movimento tem atuado hoje em dia, em pleno século XXI?
A.I.: Punk rock é minha forma de expressão desde sempre e sinto-me orgulhoso de deixar um legado para que todos que se interessam em fazer música rebelde tenham essa referência de atitude. Acredito que há pessoas com esse mesmo pensamento e que, de uma forma ou de outra, colocam em prática, ainda, boa música rebelde. E isso sempre irá existir. Como diria o velho poeta, “o punk é mais sério do que ousamos imaginar” (frase de Carlos Drummond de Andrade).

Por Luísa Bittencourt

Confira a programação no site: http://ccj.prefeitura.sp.gov.br/