Vereador construtor avalia áreas tombadas

Fonte: O Estado de S. Paulo

 

Dissei ergueu vários prédios no Ipiranga, protegido pelo Conpresp

Alexssander Soares e Sérgio Duran

A Comissão Parlamentar de Estudos (CPE) criada na Câmara Municipal para analisar os tombamentos de bens históricos em São Paulo teve sua composição alterada de última hora anteontem, substituindo a vereadora Noemi Nonato (PSB) - cantora gospel - pelo vereador Domingos Dissei (DEM) - proprietário há 31 anos de uma construtora com atuação em uma área tombada pelo patrimônio histórico.

A Dissei Engenharia e Construções tem pelo menos um empreendimento construído dentro da área de tombamento no bairro do Ipiranga, feito pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) e outro próximo. A decisão do Conpresp impôs um limite à altura dos prédios que serão construídos no entorno do Parque da Independência, bem histórico tombado. A região tem muitos terrenos disponíveis que interessariam a qualquer construtora, como a Dissei Engenharia e Construções fundada em 1976 e com foco de atuação no Ipiranga. O vereador foi administrador regional no bairro na gestão de Celso Pitta (1997-2000) e depois conduzido ao cargo de secretário municipal de Administração Regional na mesma administração.

A comissão de estudos para analisar os tombamentos do Conpresp tem 9 membros e 3 suplentes. A indicação para a comissão de estudos seguiu critérios de representatividade nas comissões permanentes da Câmara. Dissei, que atua na Comissão de Política Urbana, não teria direito a vaga, já preenchida por dois colegas da mesma comissão: Juscelino Gadelha (PSDB) e Arselino Tatto (PT).

A vereadora Noemi Nonato era a única indicada pela Comissão de Saúde. Ela desistiu da vaga e, segundo sua assessoria, indicou Dissei “por simpatia e amizade”. Segundo seus assessores, a vereadora tinha conhecimento que a construtora de Dissei atua no bairro do Ipiranga, área atingida por tombamento do Conpresp.

Mesmo sabendo da área de atuação profissional do colega, a vereadora manteve o convite alegando que já estava comprometida com outra comissão de estudos em andamento na Casa - que debate postos de gasolina - e com a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos direitos das crianças, adolescentes, idosos e portadores de necessidades especiais. “Eu fui requisitado pela comissão porque entendo da matéria. Eu não tenho interesse nenhum porque tenho princípio e ética. É lógico, sou construtor mas não tenho porque fugir”, disse Dissei.

CONFLITO DE INTERESSES


O Ministério Público Estadual não investiga a participação de Dissei na comissão de estudos, mas um promotor da Cidadania ressaltou que ele pode ser alvo de uma ação civil por atos de improbidade administrativa se ficar comprovado uma atuação em benefício próprio. Segundo o promotor, Dissei estaria infringindo os princípios constitucionais da moralidade e da legalidade. “O melhor seria ele se afastar da comissão.”

Dissei participou na quinta-feira da sessão da comissão de estudos, que ouviu as explicações do presidente reeleito do Conpresp, José de Assis Lefèvre. Ele e os demais integrantes da comissão pressionaram Lefèvre por mais de três horas de depoimento. Dissei questionava os critérios adotados para tombamento, insinuando se o órgão teria virado um balcão de negociações.

O vereador também votou a favor de uma emenda aprovada semana passada determinando que todo processo de tombamento deverá ser objeto de projeto de lei a ser enviado pelo Conpresp à Câmara. O projeto determina ainda que o conselho tenha 180 dias para decidir se tomba ou não o bem, caso contrário, o processo é indeferido. O prefeito Gilberto Kassab afirmou que vai vetar o projeto, abrindo uma disputa entre os vereadores e o Conpresp. Ontem, o prefeito afirmou que confia na nova direção do órgão.

Para arquiteto, parlamentar deve se declarar impedido

O arquiteto Paulo Bastos considera que se aplica à situação do vereador-construtor o mesmo princípio adotado pelo Judiciário. “Um juiz declara-se impedido de julgar determinada causa quando há algum envolvimento, mesmo que não seja direto. Nesse caso, certamente há e o vereador deveria pedir ele mesmo o afastamento. É algo elementar da ética”, afirma.

Responsável pelo restauro de construções como a Catedral da Sé e ex-presidente do Condephaat, versão estadual do Conpresp, Bastos diz ainda que é falso o principal argumento usado pelos vereadores de que o conselho não é transparente. “Nunca houve tanta abertura como agora, para que as pessoas que se sintam atingidas por um tombamento defendam seu ponto de vista”, diz.

Bastos conta que há quatro anos foi chamado por proprietários de casas no Bixiga, região central de São Paulo, que discordavam de ver seus imóveis incluídos em um tombamento do Conpresp. A pedidos, ele visitou o local, considerou que aqueles bens não correspondiam ao critério adotado na decisão do órgão e fez um relatório recomendando a exclusão.

“Fui convidado a defender o meu ponto de vista pessoalmente. Lembro que o Departamento do Patrimônio Histórico, da Prefeitura, rejeitou o meu relatório. Na defesa que fiz pessoalmente, porém, consegui reverter a decisão”, conta.

Para o arquiteto Lucio Machado, segundo vice-presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), a presença de um vereador-construtor é menos importante do que a “falta de espírito público” que tem dominado o debate sobre tombamento de área envoltória de bem histórico. “O drama da cidade são os empreendedores que não enxergam São Paulo, mas apenas o seu lote”, diz.

Para ele, o tombamento do entorno do Museu do Ipiranga e do Parque da Aclimação, na zona sul, ou da área industrial da Mooca, na zona leste, de maneira nenhuma impedem que as construtoras lucrem nessas áreas. “Altura não implica em aproveitamento do terreno. Isso pode ser feito de outro modo. O problema é que o setor imobiliário em São Paulo está muito convencional”, ponderou.

Machado elogiou a coragem do conselho pela disposição de enfrentar o setor imobiliário. “Pela primeira vez, o Conpresp está trabalhando de verdade”, afirmou o arquiteto, ex-membro do órgão durante a gestão dos ex-prefeitos Celso Pitta e Paulo Maluf. “Na verdade, os conselheiros sempre foram muito pressionados, direta ou indiretamente”, conta.

O arquiteto cita a história do Outeiro da Glória, no Rio, para exemplificar que os tombamentos de entorno são fato antigo no meio preservacionista. “Naquela época (em 1938), houve polêmica do mesmo jeito”, conta Machado.

'Não tenho interesse pessoal'

Vereador diz querer discutir parte técnica do conselho

O vereador Domingos Dissei (DEM) negou agir por interesse próprio na comissão de estudos da Câmara que analisa os tombamentos do Conpresp, órgão do patrimônio histórico. Ele alega que “entende do assunto” porque é construtor, e seu interesse é discutir a parte técnica da atuação do conselho.

Eu lutei para que o Conpresp aumentasse em mais 20 mil m² a área tombada no entorno do Parque do Ipiranga. Fui requisitado pela comissão porque entendo da matéria”, disse. Dono da construtora Dissei Engenharia e Construções, o vereador negou que tenha algum empreendimento afetado na área do entorno do parque. “Não tenho nenhum terreno, não tenho nada nem protocolado nos órgãos de defesa do patrimônio do Estado ou Prefeitura.”

Favorável ao projeto aprovado na semana passada retirando poder do Conpresp e aumentando a interferência dos vereadores no órgão, Dissei alegou que seu papel na comissão de estudos será discutir as conseqüências técnicas do tombamento, sobretudo em relação ao potencial construtivo (possibilidade de construir, que é medida com base na metragem do lote da área afetada). “Os integrantes do Conpresp discordam que mexem no zoneamento quando fazem tombamento. Mas alteram, e aí sim deve ser matéria de lei específica na Câmara.”

De acordo com Dissei, a polêmica entre vereadores e Conpresp está restrita à discussão sobre a obrigatoriedade na apresentação de um projeto de lei específico para cada tombamento aprovado pelo Conpresp. “Ele (Conpresp) faz sem anuência da Câmara. Se o Conpresp tombar um bairro inteiro, você vai vender o potencial construtivo do bairro inteiro? Não pode. O Conpresp virou o órgão que determina a venda de potencial construtivo na cidade.”

O vereador quer aproveitar sua experiência - sua construtora funciona desde 1976 - para demonstrar ao Conpresp ser necessário mudar a legislação do órgão. “Estou estudando para mostrar que é matéria de lei (tombamento passar por projeto pela Câmara). Se ele (Conpresp) provar o contrário, ótimo.”

Dissei negou ter sido o autor da lei que exige o projeto específico aprovado pela Câmara para autorizar o tombamento, assim como da emenda determinando que se a proposta não for analisada em 180 dias pelos vereadores será indeferida. “A lei (de 1985) que criou o órgão, do então vereador Marcos Mendonça (PSDB), tinha 8 vereadores. Decidimos por consenso deixar um só (de 9, um é indicado pela Câmara). A emenda (180 dias para decidir tombamento) foi de todos, não minha”.

PSDB cobra vaga em comissão

Para tucanos, Centrão limita debate sobre Conpresp

A mudança de vereadores de última hora não é a única polêmica sobre a Comissão Parlamentar de Estudos (CPE) que analisa a atuação do Conpresp. Dos nove membros da CPE, apenas um - Juscelino Gadelha, do PSDB - votou contra o projeto que limitou o poder do Conpresp, no dia 26. Colegas de partido de Gadelha têm feito críticas à composição da CPE.

O tucano Gilberto Natalini, por exemplo, foi excluído da comissão na última hora. Em seu lugar, entrou Paulo Frange (PTB), que teve participação ativa na emenda que determinou a submissão do Conpresp à Câmara Municipal.

O líder da bancada do PSDB, Carlos Bezerra Junior, afirma que o Centrão - grupo de vereadores independentes que elegeu a Mesa Diretora da Câmara - vem cerceando a participação dos tucanos na discussão do Conpresp desde a votação do projeto. “Na época, a Mesa Diretora usou o regimento para não deixar que nenhum de nós falasse na sessão, numa clara tentativa de evitar o contraditório.”

A CPE, com nove integrantes e três suplentes, foi formada por representantes de três comissões permanentes da Câmara, mais os vereadores Adilson Amadeu (PTB) e João Antônio (PT) - autores do pedido de formação da comissão. As quatro vagas finais foram indicadas pelo presidente da Câmara, Antonio Carlos Rodrigues (PR), um dos líderes do Centrão, que também é favorável a mudanças no Conpresp.

“O PSDB não poderia indicar regimentalmente dois membros, porque o critério de comissão não segue a proporcionalidade partidária. Mas vou garantir o direito deles indicarem mais um pela importância da bancada na Câmara”, disse o presidente da CPE, João Antônio (PT).

A CPE tem membros das Comissões de Justiça (1), de Finanças (2), de Política Urbana (3), de Administração Pública (1), de Educação (1), de Trânsito (1), e, por fim, um parlamentar que não representa comissão nenhuma. Se a composição fosse proporcional, PSDB e PT - com 12 vereadores cada um - teriam maioria.