Câmara retira poder do Conpresp

Fonte: O Estado de S. Paulo

Projeto aprovado ontem determina que decisão por tombamento de bem histórico seja submetida a vereadores

Sérgio Duran

A Câmara Municipal aprovou ontem, em votação relâmpago, emenda ao projeto que modifica o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico (Conpresp). Inicialmente, o projeto de lei aumentava a representação do Legislativo de uma cadeira para seis. A emenda aprovada recuou o número de representantes para um, porém inseriu uma série de normas que tiram o poder do Conpresp. De órgão deliberativo, virou consultivo. O projeto segue para sanção do prefeito Gilberto Kassab.

De autoria do vereador Domingos Dissei (DEM), a emenda foi aprovada por 39 votos a 14. Votaram contra a bancada inteira do PSDB e os petistas Soninha Francine e Carlos Neder. Chico Macena (PT) se absteve. 'Não houve transparência. A emenda foi apresentada às 19 horas e votada às 19h14', afirmou Carlos Bezerra Jr., líder do PSDB. 'O prefeito deverá vetar o projeto', emendou o tucano José Police Neto, o Netinho, líder do governo.

Entre as medidas, a emenda determina que todo processo de tombamento que incluir área envoltória, que mexer em altura das edificações vizinhas ou no zoneamento deverá ser objeto de projeto de lei a ser enviado pelo Conpresp à Câmara Municipal. O PL determina ainda que o conselho tenha 180 dias para decidir se tomba ou não o bem, caso contrário, o processo é indeferido. 'Isso é um total absurdo', disse Soninha.

'O monstro é menor do que aparentava', ironizou Dissei, após a aprovação. 'Aqui, na Câmara, faremos o que os conselheiros não fazem, que é ouvir a comunidade', considerou. Há dois meses, o vereador tentou influir no processo de tombamento da área envoltória do Museu do Ipiranga, medida que limitou a altura dos prédios vizinhos e detonou a crise entre o Conpresp, o setor imobiliário da capital e os vereadores.

Criado em 1985, o conselho paulistano, ligado à Secretaria Municipal de Cultura, será o único do País a ter controle externo, e, ainda por cima, do Legislativo. Até então, nem o prefeito podia interferir nas decisões do colegiado técnico, formado por nove membros, cinco dos quais ligados à Administração Municipal, três de entidades civis e um da Câmara.

O projeto original que foi aprovado em primeira votação propunha dar ao Legislativo o controle do Conselho, com seis cadeiras. Com a emenda, o único representante da Câmara deverá ser eleito em plenário, e não indicado pela mesa diretora da Casa, como atualmente.

LEGISLATURA

A nova legislatura do Conpresp se inicia na próxima terça-feira, quando tomam posse os nove conselheiros. O nome de oito deles e seus respectivos suplentes estão no site do Conselho (www.conpresp.sp.gov.br). O representante do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Engenharia (Crea), Dácio Araújo Benedicto Ottoni, ainda não foi incluído na lista do site.

Na primeira sessão, é eleito o presidente. Nenhuma candidatura oficial foi postulada, porém, nos bastidores, dão conta de que o representante da Câmara, vereador Toninho Paiva (PL), disputará com Walter Pires, do DPH, candidato articulado pelo secretário de Cultura, Carlos Augusto Calil.

O QUE DIZ O PROJETO DE LEI

Conselheiros:
o Conpresp continua com a mesma formação, composta por nove membros, sendo cinco representantes da Prefeitura, três de entidades civis e um da Câmara Municipal

Eleição: o representante da Câmara Municipal no conselho passa a ser eleito em plenário, e não indicado pela Mesa Diretora

Prazo: o Conpresp passa a ter prazo para aceitar ou rejeitar o projeto de tombamento de um bem histórico de 180 dias. Caso contrário, fica indeferido

Aval dos vereadores: todo processo de tombamento que incluir área envoltória, altura das edificações vizinhas ou no zoneamento (determinando que tipo de construção poderá ser vizinha ao bem, por exemplo) deverá ser submetido à Câmara Municipal, que realizará duas audiências públicas antes de aprová-lo ou rejeitá-lo. Ocorre que praticamente todos os processos de tombamento incluem área envoltória

Processo: tombamentos desse gênero (área envoltória) deverão virar projeto de lei encaminhado pelo Conpresp ao prefeito, que terá 60 dias para encaminhá-lo à Câmara. Esta terá 90 dias para fazer as audiências e votar o mérito. Se o Legislativo não cumprir o prazo, valerá a decisão do Conpresp

Alvará: as novas construções em área tombada que entrarem com pedido de aprovação no Conpresp e não forem atendidas em 30 dias pelo órgão, poderão seguir adiante com o processo e pedir alvará de execução e aprovação da obra

Prefeito: a homologação do tombamento simples e inscrição no livro de tombo passa a ser feita pelo prefeito

Lefèvre: órgão 'deixa de existir'

Sérgio Duran e Alexssander Soares

Especialistas em patrimônio histórico condenaram a proposta da Câmara. 'A emenda é muito ruim. Com isso, o Conpresp perde a identidade, deixa de existir', disse o ex-presidente do Conpresp, José de Assis Lefèvre.

'É de uma inconstitucionalidade ridícula. Eles insistem em defender um referendo parlamentar para uma determinação absolutamente administrativa', disse o jurista Carlos Ari Sundfeld. 'Certamente será decretado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça,caso o prefeito não vetar.'

O arquiteto Dácio Araújo Benedicto Ottoni, representante do Crea, considerou 'lamentável' a aprovação do projeto de lei. 'Tornou-se um órgão de preservação do patrimônio sem instrumentos para combater o que considero um verdadeiro vandalismo cultural', disse Ottoni. O arquiteto aguardará manifestação de outras entidades, mas não descarta ir à Justiça para anular a lei.