Imagens de fotógrafos urbanos do início do século 20 retratam as capitais baiana e paulistana em momentos de transição

Na Pinacoteca, o olhar de Voltaire Fraga mostra Salvador; na Galeria Olido, uma São Paulo ainda rural é revelada por Aurélio Becherini

MARIO GIOIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Duas cidades que se perderam no tempo -uma virou o centro de uma problemática megalópole; a outra hoje cultiva em demasia uma imagem de centro turístico e carnavalesco. Em duas exposições em cartaz, registros raríssimos de São Paulo e Salvador emergem e surpreendem o espectador.
"Voltaire Fraga - Abundante Cidade, Dessemelhante Bahia", é aberta hoje na Pinacoteca do Estado e exibe cem imagens de Fraga (1912-2006), profissional baiano cuja fotografia de rua ainda é pouco lembrada.
Já "Aurélio Becherini" está em cartaz até o próximo dia 30 na Galeria Olido e tem 46 imagens de Becherini (1879-1939), fotógrafo italiano que optou pela atividade quando vinha de navio para o Brasil e que conseguiu realizar alguns dos principais registros de São Paulo em processo de grande transformação, de 1900 à década de 30.

Salvador
"É um fotógrafo completamente desconhecido." Assim o curador Diógenes Moura define o restrito prestígio de Voltaire Fraga, profissional que vivia da fotografia de encomenda para sobreviver em Salvador, mas que quase diariamente fazia seus cliques mais pessoais pela cidade. Na Pinacoteca, aparecem imagens feitas entre as décadas de 20 e 60.
"Ele vivia de suas fotos de casamentos e festas, mas tinha noção de que estava fazendo um trabalho de registro do patrimônio", afirma Moura. "Intuitivamente, era um clássico, mas captava como poucos o gestual dos baianos e os detalhes de uma cidade gentil e calma que hoje não existe mais."
Para contribuir com o ostracismo de Voltaire, uma enchente inutilizou cerca de 8.000 de seus negativos, em seu estúdio no centro de Salvador. Cerca de 2.000 negativos foram salvos.
"Mas ainda não há nenhuma instituição interessada em sua conservação", reclama o curador nascido em Recife, mas que viveu 18 anos em Salvador e hoje é responsável pela área de fotografia na Pinacoteca.
Entre as imagens raras de Voltaire, destacam-se a elegante rua Chile, as barracas populares das festas de largo, as lavadeiras do dique de Tororó e as ladeiras ocupadas por pedestres em trajes impecáveis. "Ele faz um tipo de crônica social que rivaliza com a de Verger", afirma Moura.

São Paulo
A São Paulo de Aurélio Becherini, na Galeria Olido, também tem focos inacreditáveis.
Um deles vem de 1910, em uma procissão nas cercanias da antiga igreja da Sé, em estilo colonial. Há outros tantos, como habitantes do centro de São Paulo ainda de pés descalços.
"É incrível, Becherini consegue registrar a cidade ainda nessa transição do rural para a metrópole que viraria", conta o curador Rubens Fernandes Junior. Ele é o organizador de livro com a produção do fotógrafo, que sai até o fim do mês pela Cosac Naify.

VOLTAIRE FRAGA - ABUNDANTE CIDADE, DESSEMELHANTE BAHIA
Quando: abertura hoje, às 11h; de ter. a dom., das 10h às 18h; até 11/1
Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, tel. 3324-1000; livre)
Quanto: R$ 2 a R$ 4; sáb., entrada franca

AURÉLIO BECHERINI
Quando: de ter. a sáb., das 12h às 21h30, e dom., das 12h às 20h; até 30/ 11
Onde: Galeria Olido (av. São João, 473, tel. 3334-0001, ramal 2121; livre)
Quanto: entrada franca