Grupo encena Brecht com bonecos "de carne e osso"

Fonte: Folha De São Paulo

Cia. do CE monta "A Exceção e a Regra" com manipuladores guiando atores

Adaptação sem palavras da obra do dramaturgo alemão estréia em SP hoje, após passagem bem-sucedida por festival da BA

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um empresário cruza o deserto para acertar um contrato de exploração de petróleo. Em sua companhia, seguem um guia (logo dispensado) e um carregador, este peão solitário dos jogos de dominação e humilhação caros ao patrão.
A esse quadro, desenhado por Bertolt Brecht (1898-1956) na peça "A Exceção e a Regra", a companhia cearense Teatro Máquina sobrepõe uma outra camada de manipulação (literal): a dos intérpretes dos personagens por colegas vestidos de preto, como bonequeiros. O "manuseio" se dá por alças localizadas na cintura, nos punhos e na cabeça do homem de negócios e de seu subordinado.
Sem palavras, essa interpretação livre do texto alemão se chama "O Cantil" e estréia em São Paulo hoje, depois de ser um dos destaques do recém-encerrado Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia. "O estudo do texto revelou a viabilidade dessa forma não-falada, da expressividade através do gestual. Tirando as falas, deixa-se a situação mais forte para exame", diz a diretora Fran Teixeira, à frente do grupo desde sua criação, em 2003. Ela acha que seria impossível manter o silêncio se o segundo momento do texto original -o julgamento do executivo pela morte do carregador- também fosse levado à cena. Daí a opção por encerrar o espetáculo no instante em que o primeiro atira no outro, ao tomar por pedra o cantil que lhe é oferecido.
"Esse fim em aberto é também, de alguma forma, o que o Brecht faz, ao falar de uma situação específica que precisa ser refletida por quem está assistindo", afirma Fran.

Conversa silenciosa
Em cena, os personagens surgem totalmente cobertos, à moda de beduínos (veja foto ao lado). Não se vêem sequer seus olhos. Todo e qualquer movimento depende de um gesto do respectivo manipulador.
"É difícil se deixar guiar. Por mais que você saiba a ação seguinte, tem de se entregar ao outro", afirma Edivaldo Batista, que vive o carregador -e é "manipulado" por Aline Silva. "A ação está gravada no corpo. Por isso, às vezes, involuntariamente, o movimento vai antes [do toque do manipulador]. É uma conversa silenciosa entre os dois, algo que eu vou descobrir quando ele [Levy Mota] der aquele pequeno impulso", completa Márcio Medeiros, intérprete do patrão. O entrosamento e a cumplicidade entre ator-personagem e ator-manipulador são, portanto, elementos-chave aqui.
Mas não sem certa dose de desconfiança mútua, deseja Fran. "Essa tensão do "será que ele [o manipulador] está no lugar certo?", "será que vai me conduzir para a posição correta?" é interessante porque espelha a relação de incerteza do patrão e seu empregado no texto", diz ela.

|Serviço: O CANTIL
estréia hoje; sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h; até 21/12 
Centro Cultural São Paulo - sala Jardel Filho (r. Vergueiro, 1.000, tel. 0/ xx/11/3383-3402) 
R$ 12 (R$ 2 no dia 14/12)
Classificação: livre