Montagem bem construída do castelo do Barba-Azul

Fonte: O Estado De São Paulo

Lauro Machado Coelho

Recortado pelo holofote, um rosto flutua na escuridão do palco, como se emergisse do coração da treva. Ele é o Prólogo (o ator Guilherme Weber) que, no estilo dos cantadores populares, anuncia a lenda muito antiga, que se passa num antigo castelo. A única ópera de Béla Bartók, O Castelo do Duque Barba-Azul, apresentada aqui anos atrás em versão de concerto, volta agora numa encenação originalmente estreada no Palácio das Artes, de Belo Horizonte, em outubro de 2006.

O dispositivo cênico concebido por Daniela Thomas, para o espetáculo dirigido por Felipe Hirsch, é simples e eficiente: um plano inclinado que representa o castelo, dividido em alçapões que correspondem às sete portas por trás das quais Barba-Azul guarda as regiões secretas de sua alma. Ao se abrirem, esses alçapões possuem um fundo espelhado, no qual as imagens, deformadas, criam desenhos espectrais.

Contra esse cenário, as projeções que simbolizam as fontes do poder de Barba Azul, seus extensos domínios, mas também os sofrimentos que a vida lhe trouxe, formam quadros de extrema beleza, como as árvores que cobrem a cena, ao abrir-se a quarta porta, a do jardim íntimo do duque. Esta é uma visão sombria e tristonha da peça, que abre mão das cores sugeridas pelo libreto, e da iluminação mais forte, sobretudo na abertura da quinta porta, a dos domínios de Barba-Azul, com música que é radiosamente ensolarada. Mas essa, em todo caso, é uma leitura que se justifica, na medida em que - o próprio Barba-Azul o diz - Judite, a mais bela de suas mulheres, é a quarta esposa, a que ele encontrou na noite fechada, e o seu rosto brilha pálido como a lua, e um manto de estrelas recobre os seus ombros.

Excepcionalmente bem construída e com um belo resultado visual, a montagem apresentou, porém, um problema técnico grave, para o qual seria necessário encontrar uma solução. Todas as vezes que os dois cantores estão no topo do dispositivo inclinado, mais para o fundo do palco, totalmente aberto, as suas vozes desaparecem. Sobretudo porque têm de competir com o volume da orquestra, nem sempre bem balanceado.

E isso é lamentável porque, quando eles avançam para o proscênio - e isso tende a acontecer à medida que as portas vão sendo abertas - é possível constatar que tanto Céline Imbert quanto Stephen Bronk são perfeitamente adequados, vocal e cenicamente, para interpretar os papéis de Judite e Barba-Azul, ao quais dão toda a intensidade necessária.

Esse desequilíbrio em relação às vozes prejudica um espetáculo dos mais bonitos a que se pôde assistir ultimamente, para o qual não foi pequena a contribuição de Rodrigo de Carvalho à frente da Sinfônica Municipal. Foi bastante segura a forma como esse maestro - que estudou na Hungria e mostra ter familiaridade com a linguagem de Bartók - construiu o arco que sobe em direção à apoteose da radiosa quinta porta - à qual a presença do órgão dá um majestoso destaque - para, em seguida, mergulhar lentamente nas cores escuras da solidão e da desesperança.

Serviço

O Castelo do Barba-Azul. Theatro Municipal. Pça. Ramos de Azevedo, s/n.º, 3222-8698. 3.ª, 5.ª e sáb., 20h30. R$ 20/R$ 40 e R$ 10/R$ 20 (3.ª)