Jogo de desejos e projeções

Fonte: O Estado De São Paulo

Diretor assina direção de O Castelo do Barba-Azul, que estréia no Municipal

João Luiz Sampaio

O início do século 20 viu subir ao palco um novo personagem - a mente humana. As descobertas da psicanálise descortinaram um universo de desejos e projeções, que logo foi incorporado à produção teatral. Na ópera, não foi diferente. E, entre os muitos compositores que nos mostraram isso, destaca-se o húngaro Bela Bártok, autor de O Castelo do Barba-Azul, que estréia domingo no Theatro Municipal, com direção cênica de Felipe Hirsch.

A montagem da ópera vem de Belo Horizonte, onde estreou em 2006 no Palácio das Artes. Foi um dos pontos altos da temporada daquele ano - e mesmo da cena operística brasileira recente como um todo. O que faz dela tão especial é uma inteligente conexão entre texto e música, recriada e por meio de uma concepção cênica estimulante e bonita visualmente e, claro, o excelente trabalho dos cantores solistas, o baixo Stephen Bronk e a soprano Celine Imbert.

Hirsch diz se interessar pelo simbolismo de O Castelo do Barba-Azul - para ele, o passeio dos personagens pelas portas do castelo é, na verdade, a busca pelo autoconhecimento e pelo próprio passado. A idéia está, de certa forma, na gênese da obra. Estreada em 1911, ela é baseada em libreto do poeta húngaro Bela Balász que, por sua vez, se inspirou na peça Ariane et Barbe-Bleu, de Maurice Maeterlinck. A jovem Ariane, que aqui se torna Judith, após seu casamento com o duque é conduzida por ele à sua fortaleza. Ali, sete portas escondem seus mais profundos segredos. E, ao longo da ópera, a mulher fará com que o marido os revele um a um, porta a porta. Por isso, Judith pagará um preço. Mas aí... é bom descobrir na hora mesmo.

Símbolos e projeções não faltam. O castelo e suas portas podem ser vistos como alegorias do duque e seu íntimo mais profundo - quando pergunta a Judith se ela teme seu castelo, ele quer saber, na verdade, se tem medo dele, um homem reservado, envolvido em mistérios e rumores. Da mesma forma, é em busca de uma maneira de compreendê-lo e relacionar-se com ele que a jovem manifesta, logo no início da ópera, o desejo de 'trazer luz a seu triste castelo'. E o desfecho da trama vai acabar apontando para a incomunicabilidade dos segredos mais escondidos que todos trazemos dentro de nós - e, neste sentido, para a solidão a que estaríamos todos, enfim, destinados.

Quando estreou, o caráter um tanto estático da ação de O Castelo do Barba-Azul não agradou muito à crítica e ao público. O tempo, porém, faz com que aquilo que um dia foi 'defeito' da ópera seja hoje um de seus aspectos mais interessantes - o caráter estático não pode ser confundido com falta de ritmo dramático, pelo contrário, deve estimular o desafio de se recriar no palco uma ação que se passa essencialmente na mente dos personagens. E é esse um dos grandes trunfos da montagem de Felipe Hirsch, no que é bastante ajudada pelos cenários e pela luz de Daniela Thomas. Uma grande rampa colocada no palco vai se desmembrando e revelando as sete portas do castelo, colocando os cantores em meio a um mosaico de projeções que fazem com que, a certa altura, fique difícil distinguir entre o que é cenário (castelo) e pensamento.

Nas récitas paulistanas, a regência será do maestro Rodrigo de Carvalho, escolhido no ano passado regente-assistente da Sinfônica Municipal e que faz com ela sua estréia em ópera (em Belo Horizonte, a direção musical era de Aylton Escobar). Os cantores Stephen Bronk e Celine Imbert, que vem de uma aclamada participação na Ariadne em Naxos, de Strauss, do Festival Amazonas, voltam a participar da produção, que terá quatro récitas.

|Serviço: O Castelo do Barba-Azul. Theatro Municipal. Praça Ramos de Azevedo, s/n.º, tel. 3222-8698. Dom., 17 h; 3.ª, 5.ª (15/5) e sáb. (17/5), 20h30. R$ 20 a R$ 40 eR$ 10 a R$ 20 (3.ª). Até 17/5