Virada para o centro

Fonte: Folha De São Paulo

Com estimadas 4 milhões de pessoas, 4ª Virada Cultural bate recorde de público e ganha as ruas, principalmente da região central de SP, que teve 26 palcos; evento transcorreu sem incidentes graves, mas teve shows com atraso e episódios de empurra-empurra

Patricia Stavis/Folha Imagem
 
Dançarinos do Balé da Cidade, que se apresentaram no Anhangabaú;
grupo foi uma das atrações do primeiro dia da Virada

DA REPORTAGEM LOCAL

A 4ª Virada Cultural, que exibiu em torno de 800 atrações na capital paulista por 24 horas ininterruptas a partir das 18h do último sábado, foi vista por cerca de 4 milhões de pessoas, segundo estimativa da Secretaria Municipal de Cultura, promotora do evento.
O centro foi a região da cidade com a maior concentração de palcos (26) e de público, que circulou pelas ruas com o medo da violência posto de lado.
"Fiquei meio apreensiva pelo que teve no ano passado [o conflito no show dos Racionais MC's, na praça da Sé], mas tem que vir. Paulistano não pode deixar de sair de casa por essas coisas", diz Darcilinha Andrade, 60, fã de Gal Costa há 40.
A cantora baiana se apresentou no sábado (21h), no palco São João, o maior do centro, onde a cabo-verdiana Cesaria Evora abrira a noite, às 18h. "Cortei meu cabelo. É um sinal de virada pra mim", disse Gal.
No show seguinte (0h), de Zé Ramalho, a multidão flertou com a irresponsabilidade. Uma avalanche de pessoas começou a retornar da av. São João pela r. Aurora, num empurra-empurra que arrastava os demais.
Quando Zé Ramalho abriu o show, com "Beira-Mar", só restava a Amanda Panuncio, 18, espaço para mover os braços, espremida contra a grade de proteção. "Tudo bem. Cheguei de Bragança Paulista aqui às 19h30, comi alguma coisinha e vim para esse lugar." Até o fechamento desta edição, não havia sido divulgado o número de atendimentos médicos.
Os Mutantes sucederam Ramalho às 3h. Havia público, literalmente, nas árvores. Simoni Bampi, 43, veio de Porto Alegre para ver o show, que "superou todas as expectativas" dela.
Assim como Bampi, visitantes de outros Estados foram atraídos pela Virada. Mas moradores de São Paulo tiveram seu dia de turistas na cidade.
Margareth e Josiane Penha, mãe e filha, foram ao palco de dança, no Anhangabaú. Moradoras do Jardim Educandário (zona oeste) elas nunca freqüentam o centro a lazer. "Só passamos aqui correndo, por dever ou trabalho. É bom poder aproveitar", diz Margareth.
Perto dali, na pista de música eletrônica em frente ao CCBB, o publicitário Décio Freitas, 27, admirava o local. "Este espaço é alucinante, o ápice do urbano."
O volume de público impressionou habitués da Virada. "Neste ano, tem muito mais gente na rua", afirma o servidor público Vitor Casimiro, 32.
Sem registro de incidentes graves, a maratona não foi livre de atropelos. Além do aperto na circulação pelo centro, houve atrasos e falhas de som e luz.
Uma delas interrompeu o show da Orquestra Imperial (15h de ontem), quando o secretário de Cultura, Carlos Augusto Calil, estava no palco. Nos teatros da praça Roosevelt, houve quem esperasse três horas e meia na fila por ingresso. Banheiros químicos em número insuficiente (350) resultaram em sujeira e mau cheiro.

"Sucesso" e "contratempos"
O coordenador da Virada, José Mauro Gnaspini, diz que "o sucesso e os contratempos vieram juntos", dada a "lotação muito grande". O público de 2007 foi estimado em 3,5 milhões. Calil avalia que "funcionou. Com vários problemas".
A concentração das atrações no centro, diz Gnaspini, deve-se a que "é o lugar mais democrático, mais adequado para uma festa com todas as tribos".
As tribos da noite e do dia se alternaram ao longo da Virada. Às 9h de ontem, no palco São João, o vocalista do Teatro Mágico Fernando Anitelli fez do poema "De Ontem em Diante" um coro seguido pela platéia: "Sem a idéia ilusória de que o dia, a noite e a madrugada são coisas distintas, separadas pelo canto de um galo velho".
No Theatro Municipal, que deu a partida na Virada, às 18h de sábado, com show de Luiz Melodia, os lugares ainda estavam tomados às 6h de ontem, pelo público que foi ver Pepeu Gomes reeditar ao vivo faixas de "Geração de Som" (1978), seu primeiro disco-solo.
Às 15h, andando com dificuldade, o compositor Paulo Vanzolini, 84, foi ao palco do Municipal, sentou-se do lado esquerdo, abriu uma latinha de cerveja, bebericou, tomou notas e comentou as músicas do show inspirado em seu disco "Onze Sambas e Uma Capoeira" (67).
Quando a platéia e os cantores convidados (Cristina Buarque, Carlinhos Vergueiro, Ana Bernardo, Cláudia Morena, Germano Mathias) o aplaudiram por quase cinco minutos, Vanzolini respondeu: "Isso não é bem uma homenagem para mim, mas uma homenagem para São Paulo. Sou pedaço desse chão e não abro mão".
No Municipal, o "grand finale" foi de um endiabrado Jair Rodrigues, que, alheio à circunspecção do teatro, chegou a saltar do palco à platéia. Na São João, Ben Jor encerrou a festa pedindo "Chove Chuva". E não choveu. (ADRIANA PAVLOVA, AUDREY FURLANETO, BRUNA BITTENCOURT, CRISTINA MORENO DE CASTRO, GUSTAVO FIORATTI, IAGO BOLÍVAR, JOSÉ FLÁVIO JÚNIOR, LUCAS NEVES, SILVANA ARANTES e VALMIR SANTOS)