Com todos os ingredientes para o sucesso

Fonte: O Estado De São Paulo

Vanessa Macedo revela, em Sob a Nudez dos Olhos, uma aptidão especial para o manejo coreográfico com grupos

Crítica Helena Katz

Não é sempre que se pode saudar o surgimento de uma nova coreógrafa e, muito menos, a de uma coreógrafa interessada em criar danças para grupo. Sob a Nudez dos Olhos, espetáculo que a Cia. Fragmento apresentou na Galeria Olido, funciona como uma boa fiança de um talento que demonstra condições necessárias para se consolidar ao longo do tempo. Vanessa Macedo, que vem se destacando como intérprete na Cia. Borelli de Dança, começa a profissionalizar-se em uma outra vertente, a de coreógrafa da companhia que dirige desde 2002.

A Cia. Fragmento funciona como um núcleo artístico que convida colaboradores para as suas produções. Nesta, que acabou de estrear, foi Angela Nolfi quem assumiu a direção artística, e a sua atuação se tornou visível no zelo pelo acabamento do material que os sete bailarinos apresentam. Embora a juventude do elenco dificulte a exploração das texturas dramáticas que a criação parece interessada em explorar, percebe-se um cuidadoso empenho de cada qual ao que faz. Felizmente, esse engajamento se dá dentro das condições particulares de cada um e, assim, o grupo consegue se montar como um mosaico, o que é indispensável para escapar de uma pasteurização que o transformaria em uma espécie de corpo de baile contemporâneo - estratégia que revela a sensibilidade da diretora para a natureza do trabalho que a Fragmentos deseja realizar.

Cada um de nós é formado por uma coleção de informações que vive se modificando por conta das trocas inestancáveis entre corpo e ambiente que vão se processando durante e depois da vida. Dependendo dos meios por onde se circula, as trocas são de um jeito ou de outro, bem diferentes. Compreendendo o que ocorre entre corpo e ambiente, fica mais fácil identificar que os anos de convivência com a linguagem de Sandro Borelli não poderiam deixar de estar muito vivos e atuantes naquilo que Vanessa Macedo faz. Afinal, o tipo de dramaturgia que Sandro Borelli vem construindo pertence à sua coleção de informações, uma vez que ela ensaia diariamente nesse ambiente. Essa forte presença, contudo, não impede que ela já consiga inaugurar uma espécie de afluente ao rio de informação que a inunda.

Não à toa, ela também se interessa por temas densos e que tendem a abarcar muitos assuntos complexos de uma vez só. Sob a Nudez dos Olhos, que se inspirou livremente no Ensaio Sobre a Cegueira, do escritor português José Saramago, se propõe, por exemplo, a 'discutir a essência humana' - o que, convenhamos, não é lá um objetivo muito modesto.

Vanessa revela uma aptidão para o manejo coreográfico dos grupos, especialmente na maneira como eles se formam, se desmancham e se reorganizam. Essa é a sua melhor qualidade coreográfica, no momento. Sabe imprimir um bom ritmo entre os momentos em que o elenco atua em conjunto, e aqueles em que se subdividem em pequenos agrupamentos. Adriana Guidolle, André Ricardo, Érica Tessarolo, Marcos Buiati, Robson Ferraz e Samanta Barros transitam bem pelas duas situações. A densidade que ainda falta a seus personagens será conquistada na continuidade desse processo. O importante é que os ingredientes necessários para o seu sucesso já estão presentes.