Transação milionária surpreende especialistas

Fonte: O Estado De São Paulo

Proposta supera em mais que o dobro o valor praticado na região; no local estão as ruínas da sede do sítio que deu origem ao bairro

Adriana Carranca e Rodrigo Brancatelli

O valor da proposta do fundo inglês de investimentos McCafferty para arrematar o terreno de 20 mil metros quadrados na Avenida Faria Lima - R$ 500 milhões ou R$ 25 mil por m² - pegou de surpresa o mercado. Na disputa pela área estavam as incorporadoras JHSF, Cyrela e Racional. O último grande terreno vendido na Faria Lima, em ponto nobre na frente do Shopping Iguatemi, foi comercializado a pouco mais de R$ 9 mil o m².

“É um valor muito acima dos já praticados na região”, diz Luiz Antônio Pompéia, da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio. As propostas apresentadas pelas concorrentes, segundo apurou o Estado, foram de R$ 300 milhões a R$ 400 milhões. “Nós fizemos uma proposta real, de acordo com a moeda e o valor de mercado”, diz o presidente da Racional Engenharia, Newton Simões. “Mas não se pode desmerecer a proposta vencedora, porque o terreno é excepcional.”

A autorização para a construção de 80 mil m² na área valoriza o lote. “E, talvez, eles estejam prevendo valorização futura ainda maior, a la Londres ou Tóquio”, diz Simões. Nas duas cidades, o m² chega a R$ 80 mil.

O que mais intriga o mercado, no entanto, não é o preço, mas quem leva o dinheiro. Comprado em 1980 pelo investidor Naji Nahas, o lote teria sido vendido a um grupo liderado por Wafic Said. “Quando fomos fazer a segunda proposta, quisemos saber o nome do acionista que venderia o lote. Com a recusa, nós desistimos”, diz o executivo de uma das empresas envolvidas na disputa. “Não gostamos de entrar em operações desse porte sem saber de quem estamos comprando.”

RUÍNAS

O terreno é o último disponível na Avenida Faria Lima. Ali estão as ruínas da sede do Sítio Itaí - construída em taipa no fim do século 18, que deu origem ao bairro. Foi para lá que o general Couto de Magalhães, herói da Guerra do Paraguai e último presidente da Província de São Paulo, se recolheu, depois da proclamação da República.

Para formar a propriedade, Magalhães arrematou 200 alqueires de restingas e pastos e 30 alqueires de terras cultivadas. O Sítio Itaí - sem muita expressão econômica, com terras facilmente inundáveis - se estendia das margens do Rio Pinheiros até onde mais tarde viria a ser construído o Parque do Ibirapuera. O general morreu solteiro, em 1898, e as terras foram adquiridas nove anos depois, por 30 contos de réis, pelo médico Leopoldo Couto de Magalhães, seu irmão.

Leopoldo e sua família começaram a lotear a propriedade e a vender terrenos para imigrantes (italianos, portugueses) e pessoas que vinham de diversas regiões da cidade. A influência dos Magalhães se faz presente até hoje. A Rua Iaiá, por exemplo, ganhou o nome de uma tia do general Couto de Magalhães. Amauri, hoje endereço de restaurantes estrelados, também pertencia ao clã. Até mesmo um escravo alforriado do general, João Cachoeira, virou rua. O próprio nome do distrito é um capítulo à parte. O filho do médico e um de seus herdeiros, Leopoldo Couto de Magalhães Jr., era conhecido como Bibi por possuir um dos primeiros automóveis na região - as pessoas chamavam a área de “o Itaí do Bibi”, apelido que viria a se tornar oficial com a formação do Itaim-Bibi. Hoje, o distrito tem 75 mil moradores e quase 10 mil estabelecimentos comerciais. Entre 1918 e 1921, a casa da fazenda foi alugada para religiosas e, em seguida, para o homeopata Brasílio Machado - que criou no local o Sanatório Bela Vista, fechado em 1980. COLABOROU PATRICIA CANÇADO