8 de Março: as muitas histórias das lutas das mulheres no mundo

Oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, existem duas versões para a escolha do dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher.

Dia Internacional da Mulher: existem várias versões para a escolha dessa data

Oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1975, existem duas versões para a escolha do dia 8 de março como Dia Internacional da Mulher. A mais conhecida conta que a data foi escolhida em homenagem a 130 operárias de uma tecelagem de Nova York, nos Estados Unidos, assassinadas por patrões e policiais, em 8 de março de 1857. Elas estariam em greve reivindicando a redução da jornada diária de trabalho de 14 para 12 horas e o direito à licença-maternidade. Reprimidas pela polícia, as trabalhadoras teriam se refugiado na fábrica, cujas portas teriam sido fechadas e o prédio incendiado.

Pela segunda versão, a data de 8 de março foi escolhida em comemoração da manifestação realizada pelas trabalhadoras russas no dia 23 de fevereiro de 1917 protestando, sob o lema de "Pão e Paz", contra a fome e a participação da Rússia na Primeira Guerra Mundial. O protesto das mulheres russas não tinha o apoio sequer do Partido Bolchevique - nome do Partido Comunista na época -, mas acabou sendo o estopim da chamada "Revolução de Fevereiro" que, cinco dias depois, provocou a renúncia do czar Nicolau II, determinando o fim da monarquia, o que levaria à tomada do poder pelos comunistas, oito meses depois, na chamada "Revolução de Outubro".

Mas a verdade é que, confrontadas com os fatos históricos, as duas versões se mostram inconsistentes.

A versão norte-americana apresenta vários pontos contraditórios e é mais recente, tendo sido divulgada pela primeira vez somente em 1966, curiosamente, pela Federação das Mulheres Comunistas da República Democrática da Alemanha, a antiga Alemanha Oriental.

Não resta nenhuma dúvida de que a primeira celebração de um dia em homenagem às mulheres aconteceu nos Estados Unidos. Foi em 1908, na cidade de Chicago, no dia 3 de maio, batizado de Woman’s Day - Dia da Mulher - pela Federação Autônoma de Mulheres, que o convocou. Nos anos seguintes, o Woman’s Day recebeu o apoio do Partido Socialista Americano que, em 1910, patrocinou no congresso da Internacional Socialista a proposta de criação de um Dia Internacional da Mulher. A proposta foi aprovada, mas sem a fixação de uma data. Somente em 1914 é que Clara Zetkin, dirigente da Secretaria Internacional da Mulher Socialista, indicaria o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher, recomendação que não foi seguida, aliás, pelas mulheres norte-americanas, autoras da proposta de criação de um dia para homenagear as mulheres, que a essa altura haviam transferido o Woman’s Day para 19 de março.
Assim, quando as trabalhadoras russas iniciaram sua manifestação em 23 de fevereiro de 1917, elas seguiam a orientação de Clara Zetkin e da Internacional Socialista.

A aparente contradição explica-se:até a Revolução, a Rússia seguia o Calendário Juliano, apenas em 1918 passou a adotar o Calendário Gregoriano. E o 23 de fevereiro do Calendário Juliano corresponde ao 8 de março do Gregoriano. O 8 de março como Dia Internacional da Mulher entrou para o calendário de efemérides comunistas em 1921, quando a Conferência das Mulheres Comunistas da Terceira
Internacional o adotou oficialmente.

Nos países capitalistas, porém, a comemoração sofreu restrições até 1966, quando a Federação das Mulheres comunistas da Alemanha Oriental atribuiu a data a uma homenagem às operárias americanas.
Deu certo. Em 1969 as estudantes de Berkeley, na Califórnia, passaram a comemorar a data e no ano seguinte o Jornal da Libertação, publicação das feministas de Baltimore, nos EUA, publicou a versão das operárias grevistas de Nova York como origem das comemorações de 8 de março. Assim, quando a Organização das Nações Unidas declarou 1975 o Ano Internacional da Mulher, abrindo a Década da Mulher - de 1975 a 1985 -, o 8 de março passou a ser comemorado em todo o mundo como Dia Internacional da Mulher.

A própria cidade de Nova York adotaria oficialmente a versão e, em 1978, o prefeito Edward Irving Koch decretou o 8 de Março dia de festa no município em homenagem às 129 mulheres queimadas vivas naquele incidente.

A falta de registros sobre a suposta tragédia levou, mais recentemente, à sua reformulação. Segundo a nova versão, o incêndio teria ocorrido em março de 1911 em um prédio de 10 andares, hoje ocupado pela Universidade de Nova York, cujos três últimos pavimentos seriam ocupados por uma indústria de confecções, a Triangle Schirwaist Company. Para impedir que os operários deixassem o trabalho, os empresários mantinham as portas trancadas e quando os bombeiros conseguiram arrombá-las, 146 pessoas - 125 mulheres e 21 homens - já estavam mortos.
Mas a pesquisadora canadense Renée Coté, autora da principal obra de referência sobre a origem das comemorações do 8 de março (La Journée internationale dês femmes ou les vrais dates des mystérieuses origines du 8 de mars jusqu'ici embrouillés, truquées, oubliées : la clef dês énigmes. La vérité historique - Renée Coté, Montreal - 1984), não encontrou na imprensa operária norte-americana da segunda metade do século 19 às primeiras décadas do século 20 nenhum registro de uma greve ou um incêndio com um número tão expressivo de operárias mortas. Por isso, o mais provável, supõe Renée, é que o 8 de março de 1914, um domingo, tenha sido escolhido por Clara Zetkin apenas por ser a data mais conveniente para uma manifestação de operárias, que, certamente, não contaria com a boa vontade dos empresários para liberá-las do trabalho. Dessa forma, o 8 de março só ganharia relevância histórica três anos depois, com a manifestação das mulheres russas, que abriria o caminho para a revolução.

No Brasil, o dia 8 de março foi comemorado pela primeira vez como Dia Internacional da Mulher em 1947, com o fim da ditadura de Getúlio Vargas. No ano seguinte, porém, com o Partido Comunista Brasileiro colocado na ilegalidade, a manifestação foi proibida. Dois anos depois, a Federação das Mulheres do Brasil, controlada pelos comunistas, retomaria as comemorações.