Meio século de samba. Hélio faz história, não bagunça

Ele fez a primeira fantasia para brincar no carnaval escondido da mãe. Hoje, Hélio Romão de Paula, o Hélio Bagunça, é parte da memória viva do samba paulistano.

por Letícia Delamare

Foi em 1951, menino ainda, que Hélio Romão de Paula fez contato com o samba pela primeira vez. Escondido da mãe – “Eu não sabia qual era a opinião dela sobre festas desse tipo e achei melhor não perguntar”, lembra ele, com um sorriso ainda maroto, mais de 50 anos depois – fez uma fantasia com as cores do grupo e foi dançar no salão do Campos Elíseos, antigo cordão carnavalesco da Barra Funda, já desaparecido. Ele se recusa a dizer, ainda hoje, qual era, afinal, a opinião da mãe sobre o carnaval, o que faz supor que não fosse muito favorável. Qualquer que fosse ela, porém, Hélio nunca mais se afastou das rodas de samba das quais se tornou personagem histórico com o apelido de “Bagunça”. Hélio Bagunça.
Bagunceiro o garoto Hélio certamente era. Tanto assim que dois anos depois daquele encontro inicial com o carnaval, ele já fazia outra traquinagem, participando do pequeno grupo de sambistas que, agrupados em torno de Inocêncio “Mulata” Tobias, recriou o antigo Grupo Carnavalesco Barra Funda, fechado desde 1939, agora com o nome de Cordão Carnavalesco Camisa Verde e Branco. Não era brincadeira para qualquer menino. Para impedir que estranhos invadissem as alas, atrapalhando os passistas, os cordões saíam protegidos por uma corda sustentada por jogadores de capoeira e “tiririca” que repeliam os penetras. Hélio sempre sambou perto das cordas. E o sucesso era tão grande que já no ano seguinte à refundação, o cordão ganharia o carnaval comemorativo do IV Centenário da cidade de São Paulo.
Hélio também estava presente quando, em meados dos anos 60, o Camisa Verde foi obrigado a ir desfilar na Bela Vista, território do arqui-rival Vai-Vai. Na época, os organizadores do carnaval costumavam marcar o desfile dos três maiores cordões da cidade – Camisa Verde, Fio de Ouro e Vai-Vai – para dias diferentes e ninguém podia prever o que aconteceria quando eles se encontravam. Mas mesmo assim, lá se foram Hélio e seus companheiros, arrastando alas, carros alegóricos e instrumentos da bateria para o Bexiga. O resultado?
- Foi um “fusuê” – ele define com uma gargalhada.
Hélio lembra com saudade e bom humor daqueles tempos heróicos do samba paulista. E com especial carinho de “seu” Inocêncio – somente os muito íntimos, ou valentes, para chamá-lo de “Mulata” – e, principalmente de sua mulher, a “Tia Sinhá”, espécie de anjo-da-guarda da garotada do cordão. "Ela estava sempre ali, tratando de assuntos bons e ruins, cuidando dos grandes e também dos moleques", lembra Hélio Bagunça. "Parece até que ela adivinhava. Várias vezes nós estávamos com uma fome danada e, de surpresa, ela fazia um jantarzinho para nós". Ou então se juntava às outras mulheres do cordão para, comandadas por uma cozinheira conhecida como “Dona Dulce”, preparar um angu à baiana para ajudar a fazer caixa e pagar o tecido das fantasias. O sucesso era tão grande que até artistas, como Jair Rodrigues, e jogadores de futebol famosos apareciam para provar da ótima comida.

No Camisa Verde, Hélio conviveu com os grandes bambas da época, como Walter Gomes de Oliveira, o “Pato N’Água”, valente e o melhor diretor de bateria da época, que foi do Vai-Vai e do Camisa Verde. Naqueles tempos, diretor de bateria que se prezasse controlava todos os músicos ao som de um apito. “Pato N’Água”, querido pelas mulheres e respeitado pelos homens, não apenas dirigia a orquestra, determinando breques para os solos de instrumentos como fazia questão de “chamar” um breque total, quando tocava o Hino Nacional com o apito.

Memória viva do samba paulistano, Hélio já não faz mais bagunça. Nos últimos anos ele acostumou-se a desfilar pelo Pólo – ele não gosta de chamar o Pólo Cultural e Esportivo Grande Otelo de sambódromo – ostentando o título de Cidadão Samba do Carnaval Paulistano. Se sua mãe soubesse qual seria o resultado daquela primeira travessura, certamente não ficaria zangada.