Sehab inicia projetos de melhorias em cortiços

Quando escreveu O Cortiço, em 1890, romance de ficção urbana, o escritor maranhense Aluísio Azevedo não imaginaria que esse tipo de moradia atravessaria o século XX, chegando aos nossos dias com as mesmas características de exploração e desumanidade. Entre os vários problemas que apresenta uma cidade como São Paulo, com mais de 10 milhões de habitantes, é através da questão habitacional que vemos melhor sua vulnerabilidade social. Se recorrermos aos índices, a frieza dos números só aumenta sua eloqüência. Levantamentos elaborados por técnicos da Sehab mostram que há na cidade 23.688 imóveis encortiçados, o que significa 170 mil famílias vivendo em cortiços, exemplo emblemático do indivíduo resumido a uma fração de espaço, um desafio a ser enfrentado pelo poder público.
Integralmente comprometida com a questão da melhoria das condições habitacionais da cidade, a Prefeitura, através da Secretaria de Habitação, dá agora o passo inaugural para mudar radicalmente esta realidade. Em parceria com o PAC – Programa de Atuação em Cortiços da CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano - com base na Lei Moura, que regulamenta as condições de habitação nos cortiços, está realizando a primeira reforma de um desses imóveis na região da Luz.

Casarão de 1910 ganha ampla reforma
para abrigar famílias de baixa renda

O casarão é de 1910 e tem uma arquitetura requintada, característica daquele período. Está localizado na rua Djalma Dutra, na Luz. Dentro dele, 13 famílias disputam espaço para dormir, comer, tomar banho, lavar roupas, enfim ... viver.
As condições atuais do prédio são precárias, mas passará por uma ampla reforma para adequar os ambientes e deixá-los em condições dignas de moradia.
O casarão da Rua Djalma Dutra, construído ainda no século passado, foi erguido com a técnica de alvenaria estrutural de tijolo de barro trazida pelos mestres de obra italianos. É nesse prédio que a Secretaria de Habitação faz seu projeto piloto de recuperação de cortiços.
A fachada continua a mesma, original, como forma de contribuir para a memória arquitetônica da cidade. Por dentro, ficará tudo novo.
Das 13 famílias que hoje habitam o local, seis irão permanecer no prédio depois de reformado, as outras serão encaminhadas para outros programas habitacionais da Secretaria de Habitação. É a Lei Moura – Lei dos Cortiços entrando em ação.

A Lei Moura – Lei de Cortiços

Criada há 14 anos, em 1991, a Lei Municipal 10.928/91 tem por objetivo melhorar as condições de habitabilidade dos cortiços, adequando-os aos padrões mínimos de segurança, como forma de oferecer moradia digna a seus residentes.
Desde que a lei foi promulgada, não houve sua efetiva aplicação, o que ocasionou a degradação ambiental e social que encontramos hoje nos cortiços. Agora as coisas vão mudar.
No sobrado da rua Djalma Dutra, as famílias que permanecerem no prédio reformado continuarão pagando o mesmo valor de aluguel que pagam hoje – 200 reais por mês.
Para termos uma idéia exata das regras e personagens que formam essa anomalia social, explicamos como é possível essa mágica de pagar os mesmos valores de aluguel que antes. Estamos falando do atravessador, a pessoa que alugava o imóvel do proprietário para depois sublocá-lo para diversas famílias. Sem a presença deste atravessador, o proprietário pode alugar diretamente aos inquilinos e, assim, manter o valor e receber o mesmo que o atravessador lhe pagava.

O proprietário

Para o projeto funcionar bem, o envolvimento do proprietário do imóvel é fundamental. Entusiasta da idéia e acatando as especificações impostas pela Prefeitura (depois que seu imóvel foi incorporado pela CIRC – Comissão de Intervenção e Recuperação de Cortiços, órgão colegiado da Prefeitura, responsável pelo gerenciamento das medidas necessárias ao atendimento das exigências da legislação em vigor), o proprietário do prédio, sr. Theodoro Bittar Filho, tem sido o parceiro ideal para o sucesso da empreitada. Arcando com os custos da reforma, ele comemora: “Eu estou orgulhoso de saber que a Prefeitura está agindo assim, melhorando as condições do bairro. É deprimente a situação que vários imóveis se encontram e essa intervenção vai melhorar muito as condições do bairro, vai valorizar os prédios, os negócios, tudo. Eu já estou espalhando a notícia que a Prefeitura está com esse projeto. Acho ótimo porque a Prefeitura vai acabar com locais degradados, que abrigam pessoas de todo tipo, até bandidos e traficantes. Eu posso contribuir para acabar com esses locais, isso me deixa feliz porque eu estou fazendo algo pela minha cidade.” A reforma vai durar 4 meses. Durante esse período, as famílias recebem uma verba de atendimento de até 300 reais para alugar um imóvel onde permanecerão até o imóvel ficar totalmente reformado.

Parcerias

Para a coordenadora do Programa de Cortiços da Secretaria de Habitação, Maria Silvia Mariutti, a cidade de São Paulo tem uma dívida secular com os moradores de cortiço. “Precisamos começar a cumprir a Lei Moura, que há 14 anos está ‘adormecida’. A parceria com as subprefeituras é fundamental para a recuperação dos cortiços. O CDHU já é nosso parceiro nesse projeto. E é assim, com ações conjuntas, que o poder público vai conseguir melhorar as condições de vida das pessoas que vivem em cortiço”, diz ela.
A atuação dos governos municipal e estadual se dá em três campos: Capacitação, que informa proprietários, sublocadores e inquilinos sobre seus direitos e deveres; Fiscalização, tarefa sempre realizada em conjunto com as subprefeituras; e Intervenção, na qual o poder público usa a Lei para multar ou mesmo impedir o funcionamento da atividade. A multa para quem infringir a Lei varia de 1.400 reais a 14.000 reais.
Entre as melhorias que a Lei Moura regulamenta para dar aos cortiços condições adequadas de moradia estão as seguintes:
os cômodos devem ser iluminados e bem ventilados; a área de iluminação da janela deve ser igual a 1/7 da área do piso; a área de ventilação deve ser igual à metade da área de iluminação; a área mínima do cômodo não pode ser menor que 5 m² e o pé-direito não pode ser inferior a 2,30 m. O banheiro deve ter no mínimo um vaso sanitário, uma pia e um chuveiro com água quente funcionando. Além disso, deve ter piso lavável e paredes com barra impermeável de 2 metros de altura. Deve existir um banheiro, um tanque e uma pia para cada grupo de 20 moradores, no máximo (criança também conta). As contas pagas (água, luz) devem ser colocadas num quadro de avisos em local bem visível, para todos saberem se os valores conferem e se a divisão entre os moradores está certa. O cortiço deve apresentar boas condições de higiene e limpeza.

Vila Itororó – o próximo passo

Outro local que também irá integrar o projeto de recuperação de cortiços é a Vila Itororó, localizada no Centro da cidade. A vila é composta por uma casa grande e 42 pequenas. Tombada pelo Patrimônio Histórico, foi construída por um imigrante português e, por isso mesmo, guarda características muito particulares da arquitetura lusitana. Nessa vila foi construída a primeira piscina particular de São Paulo. O imóvel foi doado para a Santa Casa de Indaiatuba e tinha boas condições de habitabilidade até a década de 90. Quando surgiu o intermediário e as condições físicas do local se deterioraram. Com o Programa de Recuperação de Cortiços, os moradores terão outra perspectiva de vida.

A atuação do Poder Público

Eis aqui um exemplo de solução criativa na qual o governo usa suas atribuições em favor da qualidade de vida dos cidadãos. Ações como esta têm reflexo também em outras áreas como a recuperação da paisagem urbana, a educação dos munícipes por meio de uma política habitacional humanizadora, que não se pauta pelo interesse imediato do mercado em detrimento da cidadania.
Se a literatura deu eternidade àquele drama, a política pode lhe trazer o fim.