Programa 3 R's reduz inadimplência nos conjuntos Cingapura

A falta de pagamento das prestações das unidades habitacionais, a crescente deterioração das áreas externas, de lazer e comuns dos empreendimentos e a situação fundiária irregular dos terrenos em que estes estão construídos são os problemas graves enfrentados pela Secretaria de Habitação em relação aos seus empreendimentos sociais.
A ausência, por anos seguidos, da cobrança – prática administrativa obrigatória a qualquer empreendimento comercial - contribuiu para formar um quadro crítico na situação desses conjuntos residenciais. Em alguns casos, a inadimplência chegou a índices da ordem de 80%. Crítico, mas não irremediável.
Para solucionar esse problema, a Secretaria de Habitação, através da Superintendência de Habitação Popular, implantou, em maio de 2005, após um minucioso levantamento e análise financeira de todos os conjuntos habitacionais, o Programa 3Rs – Programa de Regularização, Recuperação de Créditos e Revitalização dos Empreendimentos do Prover, Procav e Guarapiranga. Prover é Programa de Verticalização de Favelas (antigo Cingapura); Procav, Programa de Canalização de Córregos, Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale; e, Guarapiranga, o programa responsável pelas ações de urbanização de favelas em loteamentos na área dessa represa, cujo objetivo central é a preservação da qualidade de seu manancial, importante fonte de abastecimento da Capital.

Projeto ousado

São 22.000 famílias vivendo em 52 conjuntos habitacionais. Pela dimensão do problema, o Programa 3Rs foi concebido como um projeto ousado, após a formação de um Grupo de Trabalho sob a coordenação da Divisão Técnica Social de Habi 2 da Secretaria de Habitação e com representatividade das diversas Habis. Uma visão mais aprofundada daquele leque de irregularidades que originou o caos mencionado trouxe à evidência a descrença daqueles que têm o Termo de Permissão de Uso (TPU, para residir no imóvel público e pagar uma prestação subsidiada) para com o poder público.Verificou-se que a razão maior do problema, entre vários outros, era a incerteza daquelas famílias em ter, ao final do contrato, a escritura definitiva do imóvel, uma vez que sabiam que os conjuntos eram construídos em terrenos com situação fundiária irregular, o que dificultaria a obtenção do documento de propriedade do apartamento.
E, do outro lado, igual descrença do poder público para com aquela população, uma vez que depois de todo investimento realizado para a provisão de moradias populares, seus moradores, além de não efetuarem o pagamento de seus carnês abandonavam a manutenção e conservação dos prédios. O resultado de um levantamento das condições físicas dos conjuntos, documentado por fotografias, mostrava furtos de equipamentos de segurança, instalações de gás, elétricas e hidráulicas precárias, lixeiras comunitárias abarrotadas, construção de garagens irregulares e puxadinhos que descaracterizavam os prédios, um quadro geral de decadência. Além desses casos, havia os mais críticos: situações irregulares de ocupação.
A aplicação da pesquisa censitária permitiu a identificações de casos como a transferência irregular do imóvel, sem autorização de Habi; a invasão do apartamento sem anuência do permissionário e da permitente; a compra e venda ilegal do imóvel ou ainda a existência de unidades vagas.
Para fazer a regularização fundiária e comercial, incentivar a adimplência, promover a recuperação física dos prédios e estimular a interação social dos moradores para forjar a auto-suficiência de seus condôminos, o Programa 3Rs deu início ao projeto-piloto; seis empreendimentos foram escolhidos das diferentes divisões regionais, um de cada Habi: Leste; Sul; Sudeste; Norte e dois de Habi Centro, somando 3.524 unidades habitacionais, ou seja, 3.524 famílias.
Foram meses de trabalho até surgir o Diagnóstico Integrado, tarefa complexa, que por sua natureza exigiu considerável esforço conjunto da Secretaria de Habitação e da Diagonal Urbana, gerenciadora social que atua como parceira na empreitada. Para obter o raio-x do problema, o Diagnóstico cumpriu um fluxograma de ações que foram desde a identificação das lideranças e possíveis lideranças entre os moradores, um extenso trabalho de pesquisa socioeconômica porta a porta, de caráter censitário, com aplicação de questionário às famílias para definição precisa do grau de vulnerabilidade daqueles grupos sociais, sua situação empregatícia, de saúde, familiar etc. O trabalho também incluiu inúmeras reuniões com os moradores de cada bloco nas quais assistentes sociais, psicólogos, arquitetos, sociólogos ouviam e discutiam saídas para os problemas. Observe-se, em primeiro plano, que se tratava, também, de ganhar o respeito e confiança dos moradores.Todas aquelas ações tinham também por meta introduzir redes de proteção social; elaborar e implementar projetos sociais integrados; promover o processo de sensibilização, mobilização e envolvimento da população através de discussões acerca das suas necessidades e potencialidades. Para se ter uma idéia do envolvimento e progresso que a interação alcançou, foram sendo elaborados dois quadros que desempenharam papel didático na busca por soluções: o “Muro das Lamentações” e a “Árvore da Esperança”. Uma breve leitura nas anotações dos moradores do Lidiane I dispensa comentários.

Os resultados

O meticuloso trabalho realizado pelo setor de contratos (Habi 4.1), levantando a situação financeira de cada apartamento para envio de cartas convocatórias e posterior cobrança, em sintonia com as Habis e com o acompanhamento simultâneo local da Diagonal teve como conseqüência a crescente participação dos moradores. Reuniões para apresentação e discussão das propostas de trabalho, aplicação de pesquisa, vistoria dos conjuntos, visitas às instituições do entorno para identificação de possíveis parcerias, como, por exemplo, a construção de um muro em troca de uma propaganda de uma construtora, e, exemplarmente, a seriedade com que o trabalho foi sendo executado pelos profissionais, tudo isso resultou na retomada do fluxo de pagamento das prestações. Para falar de um conjunto, destaque-se o caso do Lidiane I. Em junho de 2005, quando tiveram início os trabalhos do projeto-piloto, sua arrecadação foi de R$ 6.226,57, quando o total previsto era R$ 16.165,92. Ou seja, apenas 38,52% do previsto. Já em setembro do mesmo ano, sua arrecadação saltou para R$ 14.938,83, nada menos que 93,18% do previsto.
Motivo maior da satisfação entre os técnicos de Habi foi verificar, além da retomada da adimplência, a surpreendente repercussão que o trabalho da Secretaria de Habitação com o projeto-piloto obteve entre os moradores. Suas ações lograram uma propaganda boca a boca que atingiu toda a população dos conjuntos, uma prova da mudança cultural operada pelo Programa 3Rs.
Para uma idéia clara da mudança, nos residenciais do Prover, de um total de apenas 29,10 % da arrecadação prevista em 2004, esta saltou para 40,38 % em dezembro de 2005. Nos conjuntos do Procav, de 36,07 % em dezembro de 2004 saltou para 53,26 % em dezembro de 2005. E nos empreendimentos do Guarapiranga, de 25,50 % em 2004 chegou a 57,66 % em final de 2005. Importante ressaltar que a recuperação do crédito começa a partir do início do trabalho. E, mais surpreendente, no curto período de junho a novembro de 2005, em 4 empreendimentos do projeto-piloto a inadimplência caiu de 66,54% para 38,78%, uma redução de 42%.
O Programa 3Rs continua, e a mobilização dos moradores de associações formadas neste processo tem operado melhorias significativas na conservação dos prédios. A regularização fundiária está sendo tratada com o mesmo empenho. Mais de mil unidades habitacionais dos empreendimentos Haia do Carrão, Nova Jaguaré e Parque Continental já estão regularizadas, prontas para comercialização pela Cohab, através do Fundo Municipal de Habitação.

 

Conjunto Lidiane, um exemplo

 

Com o Conjunto Lidiane I, na zona Norte, houve um caso exemplar. A construção de vários barracos de pequenos comércios e moradias invadiu a área interna do residencial, iniciando um processo de degradação e desorganização do espaço. Mais que isso, gerou também mal-estar entre os moradores, já que parte daquelas irregularidades era feita por alguns dos próprios. A interferência gradativa de Habi Norte conseguiu fazer a remoção dos barracos que estavam dentro do condomínio, exemplo que deu maior concretude ao compromisso da Secretaria de Habitação com a revitalização do empreendimento. Hoje, os moradores contratam, a expensas do condomínio, varredores para limpeza sistemática do conjunto. A visível recuperação do espaço físico logo repercutiu nos residenciais Samaritá e Trivelato, vizinhos, com o imediato aumento da adimplência no pagamento do TPU. No Samaritá, por exemplo, sabe-se que sua comunidade vem se mobilizando por meio de associações, buscando apoio em instituições do entorno para conseguir fazer o cercamento dos blocos, uma antiga demanda dos moradores por melhor segurança e privacidade.