Haia do Carrão: Secretaria de Habitação urbaniza a Favela Haia do Carrão

Kelly Cristina de Souza, 23, diarista, tem uma filha de 3 anos e se emociona ao falar de sua casa, seu primeiro endereço. Moradora de uma das primeiras unidades entregues na Favela Haia do Carrão, Kelly, que demonstra um cuidado todo especial com a nova moradia, exibe o quarto da filha com orgulho. Antes do início das obras, Kelly, foi para a casa dos pais, que por sinal também foram beneficiados pelos programas habitacionais da Secretaria Municipal de Habitação, e esperou ansiosamente a entrega da nova casa. Ela diz que somente agora tem condições dignas de moradia, pois vive em um local que está passando por um intenso processo de urbanização. “Só de não ter rato já é maravilhoso, imagina morar num lugar que tem até jardim? Eu estou no paraíso”, diz ela, que agora assumiu a responsabilidade de pagar contas de água e luz todo mês.

Serão 130 novas unidades construídas na Favela Haia do Carrão com sala, quarto, cozinha, banheiro, lavanderia e até quintal. Destas, 18 unidades já foram entregues, uma das quais para Kelly, que pagará uma prestação subsidiada. Localizada na av. Aguiar da Beira, no subprefeitura de Aricanduva/Vila Formosa, a obra beneficiará diretamente mais de 200 famílias com as benfeitorias em infra-estrutura.

A obra de urbanização trará a melhoria para o sistema viário, com a abertura e pavimentação de ruas e vielas, a construção de calçadas e rede de drenagens, além da instalação de iluminação pública em todas as vias, construção de área de lazer e arborização. Haverá ainda a adequação e melhoria das moradias precárias, implantação de rede de esgoto e abastecimento de água, em parceria com a Sabesp. Também estão sendo realizados trabalhos de terraplanagem, instalação de redes de drenagem e esgoto, escadas de acesso entre as unidades e muros de contenção.

O Haia do Carrão é uma obra realizada na sua totalidade com recursos do Banco Interamericano (BID), no âmbito do Programa de Canalização de Córregos e Implantação de Vias e Recuperação Ambiental e Social de Fundos de Vale (Procav). As famílias inicialmente recebem o termo de Permissão de Uso (TPU) da PMSP, até a comercialização da unidade, o que ocorre quando a mesma é transferida para o Fundo Municipal de Habitação (FMH). Com um custo aproximado de 6 milhões, as obras irão beneficiar 600 pessoas.

Até agora foram entregues 18 unidades às famílias que aguardavam em alojamentos ou em casa de parentes. Antes da mudança das famílias para os alojamentos, as assistentes sociais fazem um pré-cadastramento para que as unidades obedeçam uma seqüência ordenada de entregas. São ao todo 130 famílias, destas 58 estão em alojamentos provisórios, 17 na área de intervenção, 38 em aluguéis e 18 nas unidades já entregues. A previsão é que o projeto de urbanização da Favela Haia do Carrão seja concluído neste segundo semestre.

Os conjuntos são formados por unidades sobrepostas numa área de 46 metros quadrados. Em cada unidade poderão residir duas famílias, uma na parte térrea e outra na parte superior. A área térrea será ofertada, prioritariamente, às famílias numerosas, a idosos e pessoas portadoras de deficiência física. Com um quintal, cuja área é de aproximadamente de 3 metros quadrados, as famílias que residirem na parte térrea terão vantagens em relação à locomoção, pois o acesso à parte superior é feito por escadas.


Trabalho de assistentes sociais prepara famílias
para sair da favela


A escolha das unidades terá a supervisão e orientação das assistentes sociais, porém as famílias poderão opinar, desde que exista um entendimento comum entre os interessados. A novidade desse projeto é que as famílias poderão escolher quem querem como vizinhos.
A aquisição das moradias será feita através do pagamento de um valor subsidiado e a responsabilidade da comercialização das unidades será inteiramente da Companhia de Desenvolvimento Urbano (CDHU), do governo estadual. Cada unidade terá um custo aproximado de R$ 28 mil que poderá ser parcelado de acordo com as condições de cada família. Estas poderão pagar pela moradia em até 30 anos.

Em entrevista realizada com os moradores das unidades já entregues, percebe-se a satisfação com a nova casa, a alegria de ter o próprio endereço. É importante ressaltar que para melhorar a qualidade de vida, o comportamento em sociedade deverá ser modificado. Pessoas que não tinham acesso à energia elétrica agora terão a responsabilidade de pagar uma conta todo mês. Assim, as famílias precisam ser preparadas para entrar na nova moradia e, conseqüentemente, na nova vida. Por esse motivo a Secretaria Municipal de Habitação desenvolveu junto com a Sabesp e a Eletropaulo um trabalho educativo que visa à conscientização ambiental, econômica e familiar dos moradores.

O objetivo principal desse trabalho é alertar os moradores sobre o que é essencial para se ter uma vida saudável em sociedade. Um orçamento familiar bem planejado é importante, pois as famílias terão contas de água e luz para pagar. Dessa forma, as instalações clandestinas, os chamados “gatos”, estarão definitivamente extintos com a conclusão das obras. Está sendo desenvolvido também um trabalho voltado para a preservação ambiental. É um projeto que estabelece normas sobre como cuidar e tratar o lixo que é produzido. Afinal, o lixo desordenado que é produzido nas favelas remete a sérios problemas de saúde, além da proliferação de ratos que também são causadores de doenças. Trabalhos interativos como debates, reuniões, apresentação de vídeos e atendimento pessoal às famílias caracterizam a ação social. As sucessivas reuniões com os moradores têm produzido uma agenda positiva para o atendimento das demandas. As assistentes sociais, que realizam abordagens sistemáticas junto às famílias, acreditam que o trabalho é extremamente delicado. Ter boa qualidade de vida significa investir em uma moradia digna e conseqüentemente saudável, para isso é essencial a educação familiar e pessoal. Segundo as assistentes sociais, é notável a repercussão desse trabalho. “Algumas famílias mudaram da água para o vinho. Estão irreconhecíveis!”, diz a assistente social Izabel Andrade Mathias Valle. Já a assistente social Rosangela Aparecida Seyffert diz que algumas famílias são mais trabalhosas e demoram para se adaptarem às mudanças e isso requer muita paciência. O projeto de urbanização tem como proposta a inclusão social de todos os moradores locais, assim como o direito à cidadania e às condições de vida legalizada.

Viver em uma favela não é apenas viver em condições precárias de saneamento básico e sim, estar desprovido de todas as necessidades primordiais para que haja bem estar físico e social na comunidade. O trabalho das assistentes sociais é o de, antes de tudo, tirar a favela de dentro das pessoas, e com isso incluí-las na sociedade. Somente com esse objetivo alcançado é que o modo de vida das famílias será modificado e o trabalho de inclusão social será concluído.

 

ENTREVISTA


Isabel Andrade Mathias e Rosangela Aparecida Seyffert são assistentes sociais na Favela Haia do Carrão. Elas comentam como é desenvolvido todo o trabalho social, assim como os seus resultados.

Como é feita a abordagem dessas famílias que serão beneficiadas?
Isabel: O processo de conscientização das famílias é iniciado através de reuniões em conjunto com os moradores. Nessas reuniões esclarecemos como será todo o projeto para o local. Quase todos os moradores aceitam o projeto e ficam ansiosos pelos resultados.
Rosangela: É rara a família que não aceita.

Em relação ao trabalho educativo, como as famílias recebem as instruções para a nova vida?
Isabel: Existem os plantões sociais onde nós ouvimos os problemas de cada família e tentamos solucionar e orientar da melhor forma possível. Além de assistentes sociais nós também acabamos sendo psicólogos, amigos e confidentes dos moradores. Eles nos escutam e absorvem tudo, sempre com muita atenção.
Rosangela: A relação acaba sendo muito próxima porque passamos a ser membros da família, vivemos junto cada dificuldade e tentamos transformá-la em algo mais fácil, menos sofredor. É por isso que somos muito respeitados por todos na comunidade.

Se não houver esses esclarecimentos, essas famílias conseguiriam conviver na nova moradia?
Isabel: Com certeza não.
Rosangela: Orientamos sobre como cuidar do lixo, que pode ser reciclado e muitas vezes vendido. Ensinamos como não pagar juros altos por uma determinada compra, como é feita a leitura do relógio de água e luz para que eles possam ter controle dos gastos. Explicamos que é necessária a atenção e responsabilidade com os gastos mensais para que tenham condições de vida humanas. Tudo isso é abordado com muito cuidado em cada família e os resultados são alentadores.

É um resgate de cidadania? Vocês ensinam essas pessoas a serem cidadãs?
Isabel: A sensação de “missão cumprida” é muito gratificante no final do projeto. Percebemos que o resultado de todo o trabalho só é possível porque foi feito em conjunto, com os técnicos e diretores de Habi, Sabesp e Eletropaulo.
Rosangela: Percebemos que houve um resgate da dignidade porque os moradores dizem ter um endereço próprio e por isso não têm mais vergonha. Nas escolas, lojas, mercados e até bancos eles podem dizer que têm um endereço, um nome de rua de verdade. Isso é o verdadeiro resgate da dignidade e da cidadania.