Favela Niguarágua é passado, em seu lugar, uma praça

Era uma praça, virou uma favela e agora voltou a ser uma praça

A Secretaria de Habitação em conjunto com a Subprefeitura de Capela do Socorro, concluiu a remoção dos barracos da Favela Nicarágua, localizados na Praça Vila da Paz, em Campo Grande, Zona Sul.

O nome da praça não condizia com a situação de precariedade das 38 famílias que ali viviam até recentemente. E não é difícil imaginar as condições em que viviam. No local, não havia água, a luz vinha de ligações clandestinas. Como não havia banheiros, os "moradores" usavam sacolas plásticas como sanitários. A situação das cem crianças que também "moravam" na praça era mais crítica ainda, além de não freqüentarem a escola. As condições de saúde e higiene eram precárias, para se dizer o mínimo.

A praça Vila da Paz era uma antiga área de lazer com bancos, árvores, gramado, play ground. Na frente dela, existe uma creche com 92 crianças que brincavam ali nas horas de lazer.

Tudo mudou quando as 38 famílias que moravam debaixo de uma linha de transmissão da Companhia de Energia e Transmissão Paulista (CETEEP) foram despejadas no local por ordem judicial. A situação era complicada: a área em questão é particular e apresenta alto risco devido à voltagem de energia que passa aí. Leis estabelecem que esse tipo de área tem de ser protegida e não pode haver sequer circulação de pessoas por ali, muito menos famílias morando nesses locais. A situação dessas famílias não só colocava em risco a vidas delas como a rede de transmissão e fornecimento de energia para milhares de outras famílias, hospitais, escolas, comércios etc.

Com a reintegração de posse, as famílias que antes moravam sob a linha de transmissão, foram "acampar" na praça e lá ficaram. Escorregadores, gangorras e relógio de sol transformaram-se em vigas para escorarem os barracos. Aí começou o drama de todos: acampados, vizinhos, Poder Público e freqüentadores da praça.

O nó da questão era que o Poder Público, por força de leis e resoluções, fica impedido de dar atendimento habitacional prioritário a famílias invasoras de áreas particulares, vindas de reintegração de posse. Como resolver a questão? Depois de muita negociação, as famílias foram inscritas em programas sociais e cada uma recebeu até 5 mil reais de verba de atendimento habitacional. Algumas optaram por comprar uma nova moradia, outras, por voltarem à cidade de origem, outras por pagarem um aluguel.

A verba de atendimento habitacional é um auxílio financeiro que beneficia as famílias que se encontram em áreas de risco ou ocupam locais onde serão implantadas obras públicas. É um instrumento regulamentado por Leis e só é paga através de situações estabelecidas na Ordem Interna 01/06, de 03/01/06. De acordo com a Ordem Interna, compete à Superintendência de Habitação Popular atender financeiramente pessoas nessas situações. Neste caso, à Subprefeitura de Capela do Socorro coube a responsabilidade de recuperar a praça.

De acordo com Carlos Pellarim, diretor de Habi-Sul, responsável e articulador dessa remoção, o intenso trabalho das assistentes sociais e técnicos de SEHAB e da subprefeitura de Capela do Socorro foi decisivo para o sucesso da ação. Antes da remoção, houve um expressivo trabalho por parte das assistentes sociais, que foi planejada cuidadosamente durante vários meses e acordada entre as famílias, a Subprefeitura e a Secretaria de Habitação.

No lugar da favela será reconstruída a praça. Todos comemoram: as famílias, que saíram de uma situação crítica e os freqüentadores da praça. "Todo mundo aqui está muito contente com a solução do problema. Essas pessoas não podiam continuar vivendo naquelas condições tão ruins. Me preocupava muito com eles, principalmente com as crianças. Agora, cada um teve a oportunidade de arrumar sua vida", diz Maria Ferreira dos Santos, 47, diretora da Creche Núcleo II, localizada na frente da praça. Segundo Maria Ferreira, as 92 crianças matriculadas na creche não podiam freqüentar a praça e muito menos o entorno, devido à falta de segurança e as condições de degradação do local. Hoje, espera ansiosa o término da reconstrução da praça, e já faz planos para programar uma rotina de passeios e atividades para as crianças.

A Subprefeitura da Capela do Socorro estuda, em parceria com a comunidade local, o melhor projeto para a reconstrução da praça, iniciativa inédita.

 

Capela do Socorro, um lugar de destaque na zona sul da cidade

De um lado, a beleza do Parque do Ibirapuera, a história no Museu do Ipiranga, o lazer nas represas Billings e Guarapiranga, a emoção das disputas no Autódromo de Interlagos, os bairros nobres.. Do outro, a degradação e a invasão desordenada às margens das duas principais represas que abastecem a cidade. A zona sul de São Paulo, como toda a cidade, convive com um marcante contraste social. Com um milhão de moradores, a região de Capela do Socorro se destaca entre os distritos da Zona Sul, devido à sua peculiaridade.

Caracterizada pela ocupação irregular em área de proteção de mananciais, a Subprefeitura é considerada a mais populosa da cidade. Com uma localização estratégica entre as sub-bacias Billings e Guarapiranga, as dimensões de seu território englobam uma das maiores áreas verdes do entorno de São Paulo.

Em tempos idos, a região era habitada por índios Tupis que ocupavam vários pontos da região Sul do Brasil, além do litoral. Já no século XX, os Guaranis, sub-grupo Tupi, no seu processo migratório, chegaram a Parelheiros, região vizinha à Capela do Socorro, e se instalaram na divisa dos dois territórios. Remanescentes deste núcleo são as aldeias que ainda existem na área atualmente.

Devido à sua história, a riqueza cultural e natural de Capela do Socorro é invejável e o crescimento populacional, expressivo. A região ganha novos moradores a cada dia, o que é uma preocupação constante do Poder Público. Cerca de 90% da área da Subprefeitura está em local de proteção de mananciais, onde existe grande restrição para se construir. Em um processo que começou a se intensificar há vinte anos, a maior parte dessa região foi loteada clandestinamente. Hoje, várias favelas da região passam por obras de urbanização, realizadas pela Secretaria de Habitação, que as dotarão de infra-estrutura básica, como redes de água e esgoto tratado, canalização de córregos, contenção de encostas, remoção de pessoas de área de risco e proteção dos mananciais.

Entrevista com Carlos Pellarim, diretor de Habi-Sul

Qual a maior dificuldade que você encontrou na remoção da Favela Nicarágua?

Para compreender a dificuldade ocorrida na situação de remoção dos moradores da Favela Nicarágua, é necessário considerar que a área onde estavam instalados é de natureza pública, inserida em um empreendimento habitacional de interesse social destinado a população originária da favela. Desta forma a dificuldade, vista inicialmente como protesto e resistência daqueles que não foram atendidos, impedia a ação da Subprefeitura da Capela do Socorro no sentido de promover a remoção sem dar atendimento habitacional. Posteriormente, por força da Portaria 138 de 29/03/06 que garante o atendimento através das alternativas estabelecidas para aqueles que se encontram na situação ocorrida é que se conclui a questão.

Esta remoção foi mais difícil que outras das quais você participou?

O fato de ter sido uma ação planejada entre Habi e Subprefeitura e os moradores da praça, facilitou o atendimento.

Vemos que ocupações e invasões são constantes na cidade, em todos os lugares. Como enfrentar esse problema? O que sua diretoria, Habi-Sul, faz para resolver questões tão difíceis?

Como trabalhador social, me encanto com os diversos programas habitacionais da PMSP, embora as políticas de habitação no país, estão ainda longe de sanar o déficit habitacional. Vejo que a Prefeitura quer mesmo solucionar os problemas e busca inúmeras alternativas para que isso ocorra. Penso que a habitação carece de mais atenção para o estabelecimento de políticas públicas destinadas aos 20% dos 11 milhões de habitantes da cidade de São Paulo que vivem em condições precárias de habitabilidade, conforme citado pelo Ministério das Cidades - Cartilha Regularização Fundiária. Temos que entender que a questão habitacional percorre trilhos históricos e econômicos. Em nossos programas, buscamos desenvolver os projetos ouvindo e dando encaminhamentos de propostas discutidas com a população, considerando a viabilidade técnica para a execução.

De quantas remoções você já participou?

Habi-Sul de acordo com a Ordem Interna 01/06 pref G e conforme a portaria 138 já fez inúmeras remoções em conjunto com as Subprefeituras dessa região. Existe um bom relacionamento entre os órgãos envolvidos e uma ação responsável, eficiente com o local e com as famílias envolvidas.

Na sua avaliação, hoje está mais fácil ou mais difícil enfrentar e resolver essas questões habitacionais?

A questão habitacional conforme já disse, exige maiores recursos financeiros, projetos audaciosos, alternativos... O que não nos falta são experiências. A Secretaria da Habitação e em especial a Superintendência da Habitação Popular vem atualizando o seu cadastro de favelas e encontrando soluções que com certeza indicarão outros e novos caminhos para outras alternativas que poderão minimizar o déficit real. Resolver a questão habitacional é tarefa difícil que deverá ser buscada nos orçamentos federais, estaduais e municipais.