Urbanização das favelas

Editorial do Jornal "O Estado de São Paulo"

de 23/07/2008 (pág A3)

Um bairro, não mais um imenso conjunto de barracos irregulares onde vivem milhares de pessoas, ignoradas pelos programas e serviços públicos. É essa a transformação por que passa a Favela de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo. Há tempos, a Prefeitura desenvolve ali e em outras favelas um programa de regularização fundiária e de ampliação da infra-estrutura urbana e da oferta de serviços. O que se faz nessa região tem amplo alcance social e os resultados já obtidos são animadores, como mostrou reportagem de Diego Zanchetta publicada segunda-feira pelo Estado - e podem ser ainda melhores daqui para a frente, graças a uma alvissareira ação conjunta dos governos municipal, estadual e federal, da qual a urbanização de Paraisópolis é apenas um dos muitos objetivos.
A urbanização é a única maneira realista de enfrentar o problema das favelas, que, só na capital, abrigam cerca de 2 milhões de pessoas. O poder público não dispõe de recursos para adquirir terrenos e construir habitações em quantidade suficiente para realocar essas pessoas em melhores condições.
Mas, além de levar as melhorias urbanas - abertura e pavimentação de ruas, canalização de córregos, rede de água e esgoto, eletricidade, creches, escolas básicas e médias, postos de saúde, equipamentos de lazer, etc. -, o poder público precisava dar aos moradores a garantia legal de que eles não seriam desalojados por falta de documentação provando seu direito sobre o imóvel. Por isso, os programas de regularização fundiária tiveram grande importância na melhoria da qualidade das favelas.
A Favela de Paraisópolis surgiu da invasão de uma área no início da década de 1960. Hoje se estende por 900 mil m² e sua população é estimada em 80 mil pessoas, menor apenas do que a de 37 dos 645 municípios paulistas. No processo de regularização fundiária, parte de seus moradores obteve títulos de propriedade de sua casa por meio de ações de usucapião, permitidas pela Constituição aos que ocupam uma área urbana de até 250 m² por mais de cinco anos. A Prefeitura, por sua vez, adquiriu 192 lotes de antigos proprietários da área invadida que deu origem à Favela de Paraisópolis e transferiu a propriedade para os atuais ocupantes, o que permitiu a regularização de cerca de 2 mil imóveis, de um total de 21,2 mil que formam o conjunto.
Quase meio século depois da invasão, Paraisópolis vem adquirindo o perfil de um bairro. As obras, públicas e privadas, são visíveis por toda a favela. Redes de água são instaladas, ruas são alargadas e niveladas, as poucas ainda de terra vão recebendo pavimentação. Elas ganham nomes - e os habitantes passam a dispor de um endereço, tornam-se parte da vida urbana regular.
Moradores ampliam suas casas, remodelam as fachadas, dão acabamento em alvenaria, pintam. Há uma loja de material de construção praticamente em cada esquina. Com o título de propriedade nas mãos, os moradores alcançam resultados surpreendentes. Como mostrou a reportagem do Estado, há imóveis com quatro suítes cujo valor de mercado supera R$ 200 mil. A Prefeitura, por sua vez, coleta o lixo e começa a lançar o IPTU.
"A transformação de Paraisópolis em bairro é um processo irreversível", diz a coordenadora do Programa de Urbanização de Paraisópolis, Maria Teresa Diniz. A população que vive em áreas de risco, estimada em 2,4 mil pessoas, será levada pela Secretaria Municipal de Habitação para conjuntos habitacionais em construção em Paraisópolis ou para apartamentos construídos pela CDHU, do governo estadual.
Até o fim de 2009, os governos municipal, estadual e federal investirão R$ 300 milhões na urbanização de Paraisópolis. Esse valor é parte do programa de R$ 1,4 bilhão que inclui a Favela de Heliópolis e as favelas das margens do Córrego do Ipiranga e das vizinhanças das Represas Billings e Guarapiranga.
Os bons resultados em Paraisópolis deveriam estimular os três níveis de governo a, superando as divergências político-partidárias, manter essa parceria tão benéfica para a comunidade.