Jardim Edite vira conjunto habitacional, após quase meio século de invasão

No dia 29 de maio, Maria do Carmo da Silva, 49 anos, faxineira diarista, observava o sobrado em que morou por 29 anos pela derradeira vez. O primeiro andar de alvenaria e o segundo, construído de forma precária com tábuas de madeira, abrigavam a família de sete membros. Ela foi a última moradora do Jardim Edite a deixar a favela do mesmo nome, localizada num terreno de 19.000 m² entre a Marginal Pinheiros e a Avenida Roberto Marinho, no Brooklin, zona sul de São Paulo. Seu destino? Um apartamento no Jardim Andrade, com aluguel de R$ 500, pago pela prefeitura.

A diarista espera apenas a conclusão das obras de urbanização do empreendimento residencial Estebão Baião, previstas para terminar em julho de 2010, quando então vai se mudar em definitivo para um apartamento próprio, no conjunto habitacional que ela mesma escolheu, com toda infraestrutura disponível. “Vivi muitos anos na favela, conheci meu ex-marido e fiz muitos amigos, mas agora estou bem feliz com essa nova realidade. Aqui é muito mais calmo, sossegado. O imóvel é amplo, dá para todos. Estou na expectativa da conclusão das obras da Prefeitura para morar no meu novo apartamento. Não troco essa situação por nada”, diz Maria do Carmo.

A história de ocupação do Jardim Edite teve início 43 anos atrás, data dos primeiros cadastros oficiais feitos pelo poder público. Naquela época, a região era isolada de tudo, um verdadeiro brejo. Em 1973, a área privada foi desapropriada para a construção de um anel viário que ligaria o Palácio do Governo ao Aeroporto de Congonhas, mas o projeto nunca saiu do papel. “Com o terreno vazio, apareceram famílias que não tinham onde morar. Começaram os assentamentos, até que tudo acabou sendo ocupado”, fala Gerôncio Henrique Neto, 67 anos, que era líder comunitário da Associação dos Moradores do Jardim Edite, onde viveu por 38 anos.

Em 2005, com a execução das obras da ponte Octávio Frias, verificou-se a necessidade de ampliação do complexo viário, com a construção de duas novas faixas na Avenida Roberto Marinho. Mas havia um problema: 199 famílias estavam morando numa faixa lateral do terreno, de aproximadamente 1.500 m², o que obrigou a primeira grande remoção. Contudo, 644 famílias ainda permaneceram no local.

Em 2007, um incêndio de grandes proporções levou a uma decisão definitiva por parte da Prefeitura: retirar de lá todos os moradores. “Fizemos um novo levantamento e descobrimos a presença de 842 famílias vivendo na favela. Algumas retornaram, outras migraram de diferentes localidades, e pudemos observar um crescimento vertical. Começamos os procedimentos para realizarmos os cadastros, e seguimos os padrões determinados pela Secretaria Municipal de Habitação. Identificamos as lideranças, fizemos reuniões com todas as famílias, realizamos os cadastros, que determinam o perfil sócio-econômico de cada uma, e, aí sim, passamos as informações sobre os projetos que iriam ser implantados, por meio de inúmeras reuniões”, diz Alonso Lopez, diretor de Habi Centro, departamento de Habitação Popular responsável pela área.
As famílias puderam escolher entre as várias opções de atendimento ofertadas pela Prefeitura, como a possibilidade da compra de imóvel em área pública escolhida pelo futuro proprietário, com valor até R$ 8 mil. “Outra alternativa era o recebimento de R$ 5 mil, que poderia servir até para um retorno à cidade de origem, aos que desejassem uma mudança completa na vida. Ou, ainda, dávamos a chance de aquisição de uma carta de crédito, para viabilizar o financiamento de um imóvel pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU)”, afirma Lopez.

Em 2008, uma liminar judicial levou a suspensão das remoções. A ação, promovida por alguns moradores que se sentiam prejudicados, desencadeou decisão conciliatória entre todas as partes envolvidas, e o leque de opções dos atendimentos aumentou consideravelmente. Foi acordado que, no mesmo local, fossem construídas novas unidades habitacionais, pela chamada Operação Urbana Água Espraiada, que engloba o empreendimento residencial Jardim Edite. Dessa forma, todos os interesses pareciam convergir para a mesma direção. Porém, moradores envolvidos com o tráfico passaram a atrapalhar os atendimentos, numa tentativa de desestabilizar a urbanização da área.

“As famílias e as assistentes sociais sofriam ameaças, visando paralisar novamente as remoções. Exigências absurdas passaram a ser feitas, criou-se um impasse e a situação ficou insustentável”, afirma Maria José Calderine, coordenadora social de Habi Centro.

Em fevereiro de 2009, motivada por ações de desordem que ocorreram em Paraisópolis, a Polícia Militar desencadeou a Operação Saturação que teve como palco várias favelas, entre as quais a do Jardim Edite. Assim, restabeleceu-se a ordem, os atendimentos e as remoções puderam continuar normalmente, até a saída de Maria do Carmo, que decretou o fim da favela que contrastava com a rica região do Brooklin. A área está sendo cercada, e os entulhos, removidos, para que o terreno receba os novos prédios.


O DESTINO DOS MORADORES

Um convênio firmado entre a Secretaria Municipal de Habitação, a Caixa Econômica Federal (CEF) e a CDHU permitiu que os moradores do Jardim Edite tivessem diversas opções de escolha para a nova moradia. Para quem optou por financiamento e compra do imóvel – a serem pagos em 25 anos – foram seis as possibilidades: o Programa de Arrendamento Residencial (PAR) Raposo Tavares, da CEF; dois empreendimentos da CDHU, no Campo Limpo (em construção) e José Bonifácio (finalizado), além da opção de carta de crédito; e mais dois da Operação Urbana Água Espraiada, de responsabilidade da Prefeitura – os empreendimentos residenciais Estebão Baião e Jardim Edite. O primeiro está em construção, e o segundo, com previsão de publicação do edital de licitação para setembro. “Esperamos o início das obras para novembro e a conclusão delas para julho de 2010. O projeto prevê a construção de 240 unidades habitacionais, sendo 32 de 39 m² e 208 de 50 m², divididas em quatro blocos. Além disso, teremos uma creche, um Atendimento Médico Ambulatorial (AMA), uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e uma escola técnica de gastronomia. Os recursos são provenientes da Operação Urbana Água Espraiada, na ordem de R$ 30 milhões”, afirma Elisabete França, superintendente de Habitação.


QUEM FOI PARA ONDE

Confira para onde foram as cerca de 850 famílias do Jardim Edite

- 244 famílias optaram pela ajuda de custo de R$ 5 mil
- 130 famílias optaram pela compra de outro imóvel no valor até R$ 8 mil
- 1 família optou pela Carta de Crédito
- 114 famílias optaram pelo empreendimento da CDHU em Campo Limpo
- 240 famílias optaram pela Operação Urbana Água Espraiada, empreendimento residencial Jardim Edite
- 4 famílias optaram pelo empreendimento da CDHU em José Bonifácio
- 54 famílias optaram pela Operação Urbana Água Espraiada, empreendimento residencial Estebão Baião