“Não fosse a possibilidade de roçar aqui, teria voltado pra minha terra”

Há 13 anos no extremo sul de São Paulo, Seu José e Dona Iranete contam com o apoio do projeto Ligue os Pontos para estruturar e qualificar a produção agrícola e viver da própria roça.

Fogão a lenha, biscoito de polvilho, café docinho e chá de erva doce recém colhida. O cenário é de casa de avó. Numa das tantas chácaras localizadas na zona rural da maior cidade da América do Sul, entre uma conversa e outra, Seu José Rodrigues e Dona Iranete Ferreira, contam que vieram de Teófilo Otoni (MG) para o extremo sul de São Paulo há 13 anos. 

“A minha filha veio primeiro. No mesmo mês veio o meu filho. Por mim, eu não queria que eles saíssem de perto de mim. Lembro que ele era criancinha e já com 12 anos trabalhava com o pai como ajudante de vaqueiro. Um dia ele me disse: ‘Eu quero ir embora para São Paulo’. E foi (ou veio!)”, conta Dona Iranete. 

Isélio, o filho, e a esposa, conseguiram um trabalho na Chácara do Conde, no Grajaú, para cuidar da propriedade do senhor João Guimarães e da Dona Heloísa. Era um terreno grande, com piscina, pesqueiro, roça, lanchonete e tudo mais. O trabalho era árduo e intercalado entre a roça e a faculdade de administração. 

“‘Ô mainha e papai, não querem vir pra cá?’ José falou que não vinha de forma alguma, mas eu insisti. Pois um dia Isélio mandou um caminhão de mudança para nos buscar e o jeito foi vir. Trabalhamos nessa chácara por 6 anos, até que a prefeitura comprou o terreno e nós nos mudamos para outra. De lá e fomos para mais 4 anos no Marilac. Agora estamos aqui. Faz 8 meses!”, continua Iranete. 

A chácara atual, de propriedade da família, ainda não tem nome, mas já tem roça e muitos planos em 4 hectares de terreno. A produção é recente e sem escala para venda comercial, mas tem de tudo: feijão, abóbora, milho, mandioca, couve, cebola, coentro, chuchu, repolho, banana etc. 

“A gente veio para cá com a ideia de fazer pastagem para gado, mas daí conhecemos o projeto em um curso e, com a ajuda do Ronaldo (técnico de campo do projeto Ligue os Pontos - LOP), mudamos os planos e começamos a arar a terra e cultivar - eu mais Iranete. Por enquanto nossa roça é pra consumo próprio, mas queremos vender e viver disso”, explica Seu José. 

Em um passeio pela propriedade, Dona Iranete aponta para a hortinha orgânica, como ela mesmo a denomina. Conta que sempre viveu na roça - tanto ela quanto Seu José - e que foram criados a base de mandioca, leite e abóbora. Logo ao lado, um descampado, recém arado. A ideia ali é, com o apoio do programa de Fruticultura, desenvolvido pelo LOP, produzir um laranjal. 

“As visitas acontecem a cada 15 dias, mas estou sempre em contato com o Seu José para tirar dúvidas pelo whatsapp. Quando estamos aqui, checamos juntos se adubagem está sendo feita de forma correta, passo informações sobre correção de solo, controle de doenças e pragas sem uso de químicos, ajudamos na solagem, gradagem e apoiamos com insumos e empréstimos de equipamentos, por exemplo”, relata Ronaldo Azarias, um dos 6 técnicos de campo do LOP. 

O momento atual é de estruturar a produção. Já são 3 meses de assistência técnica oferecida pelo projeto na propriedade do Seu José e da Dona Iranete. Os próximos passos são justamente a instalação do laranjal e conectá-los com a cadeia de valor da região, para que essa produção seja escoada e gere renda. 

“Vamos descer para vocês verem nossa nascente. Olha lá o rebuliço dos saguis. Estamos no meio da mata e no meio da cidade. Pode isso? Não queremos tirar nenhuma vara de dentro. Onde tá limpo, a gente faz lavoura, porque eu gosto de fartura. Mas onde tem mata, não vamos tirar nada - é o nosso ouro”, conta Seu José.

A chácara fica cercada por remanescentes de Mata Atlântica. Logo se vê o potencial de turismo rural da propriedade. Uma trilha leva a uma casinha de madeira, feita para alimentar os animais silvestres. A paisagem é exuberante e as histórias, cheia de peripécias, saídas da boca da agricultora e do agricultor, se convertem em aprendizado para quem é do lado urbano da cidade, ou para quem não faz ideia de que São Paulo possui uma zona rural. 

“Tão querendo trazer um pessoal das escolas da rede pública para visitar nossa propriedade. Achei legal, porque assim as crianças podem aprender como se roça a terra, como se planta, como se colhe. Além de poderem visitar nossa nascente e nossa trilha. É uma experiência completa, e se vingar, vamos chamar os parentes para vir arar a terra todinha e trabalhar”, finaliza Seu José. 

>> Saiba mais sobre o projeto Ligue os Pontos, aqui.