Mulheres que plantam saúde e futuro

No dia internacional da mulher, o projeto Ligue os Pontos comemora a luta e os avanços das produtoras rurais de São Paulo, e sua capacidade de produzir alimentos, gerar renda e promover o bem-estar de suas famílias e comunidades

Comida, saúde, afeto. Plantar é, para as mulheres, um ato de amor, de cuidado. Parte fundamental da composição da força de trabalho na agricultura familiar, as mulheres, em sua maioria, ainda precisam lutar por espaço nas decisões e acesso a capacitações em técnicas agrícolas e gestão da propriedade, bem como em estratégias de comercialização.

A dinâmica é comum à da grande parte das mulheres na agricultura familiar. Há uma sobrecarga de tarefas, que incluem os cuidados com os filhos e a propriedade, geralmente sendo as responsáveis pela produção de hortifrutis e de animais para consumo (aves, gado, suínos etc). Também cabe a elas o apoio nas atividades da lavoura, desde o plantio até a colheita, mas, raramente são inseridas na gestão ou comercialização relacionadas à propriedade. No caso dos alimentos, muitas vezes, ocorre o inverso: são diretamente responsáveis pelas etapas de produção, preparação, consumo e venda dos alimentos. Devido à sua estreita relação com a produção e autoconsumo, as mulheres detêm conhecimentos sobre sementes, técnicas de plantio e de armazenamento de verduras, legumes e frutos nativos. Esse saber também é parte fundamental na garantia da segurança alimentar e da saúde de suas famílias e comunidades.

Segundo o Censo Agropecuário 2017 do Brasil, mesmo com um aumento no número de estabelecimentos agrícolas administrados por mulheres, que passou de 12,7%, em 2006, para 18,6%, 11 anos depois, o papel da mulher ainda precisa ser valorizado. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) confirmam esse cenário: entre as mais de 11 milhões de mulheres com mais de 15 anos de idade que viviam na área rural em 2015, pouco mais da metade (50,3%) era economicamente ativa. Em relação ao rendimento médio, 30% delas ganhavam entre meio e um salário mínimo e quase 30% não tinham rendimento.

 


Fortalecer e valorizar

Nicole Gobeth, gestora do projeto Ligue os Pontos (LOP), alerta para a necessidade de se criar mecanismos que possam oferecer suporte técnico, mas em um modelo de intervenção que promova a capacidade e a autoestima. “As mulheres da agricultura familiar sentem um duplo preconceito: a discriminação relacionada ao gênero e o fato de serem rurais, como se isso fosse um adjetivo pejorativo. Nesse sentido, no contexto do LOP, atuamos com programas de assistência técnica e extensão rural, incentivo ao empreendedorismo, legalização de documentos e acesso a mercados. São atividades que vêm fortalecendo as mulheres rurais e impactando positivamente as famílias, refletindo na permanência no campo”, explica.

Rubia Maria Pinheiro de Toledo, técnica agrícola do projeto LOP,  concorda. “É necessário incentivar e valorizar os trabalhos que as agricultoras realizam. Dar visibilidade ao papel das mulheres na produção rural é um dos pontos mais importantes, pois são contribuintes nos resultados econômicos e sociais, seja ele no laço familiar ou na comunidade”.  

No aspecto econômico, o empoderamento de mulheres se dá, principalmente, quando se é conquistada a autonomia financeira. Maria Bernardete Alcebíades, mora em Parelheiros há 20 anos, e produz há 15. Conta que começou com verduras hidropônicas e hoje dedica parte de sua produção às PANCS (Plantas Alimentícias Não Convencionais). “Eu tenho a minha renda particular. A gente vende isso tudo em cestas de produtos orgânicos. É um complemento de renda. E um bom complemento. Porque para você vender cesta por exemplo, pode, além de usar a sua produção, adquirir de seus colegas”, diz Bernardete.

Para Aline Dias, engenheira agrônoma da Casa de Agricultura Ecológica de Parelheiros, as mulheres atendidas pelo LOP estão em um processo de união e de fortalecimento, por meio de, por exemplo, eventos específicos de produtoras e troca de experiências com grupos de mulheres na agricultura familiar de outras regiões do município. “É importante elas se enxergarem como agentes ativas. O empoderamento dessas mulheres, propicia a elas possibilidades de exercitar sua capacidade de fazer escolhas, investir em conhecimento e em seu empreendimento. É notório o aumento da autoestima, autonomia e autoconfiança”, comemora Rubia.

Segundo Nicole, essa relação de apoio é um fator decisivo. “O trabalho de assistência técnica inclusiva, com mulheres atendendo mulheres, orientando, fomentando a participação no planejamento e comercialização da produção, é uma das ações que podem inverter esse quadro de desigualdade”, destaca.

Fortalecer a mulher no campo, é, certamente, fortalecer o papel dessas produtoras como geradoras da própria renda e articuladoras da qualidade de vida de suas famílias e comunidades. “Além de eu preservar a minha saúde e de quem trabalha comigo não usando agrotóxicos, a minha família também come o que eu planto. Então, esse é o ponto número um, certo? É preciso lembrar sempre que o que você come, a sua família come. Por isso, você preserva a natureza com muito gosto, com muita responsabilidade”, acredita Bernardete.

 


Fonte das imagens: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.