Andréa de Mayo terá placa com nome social em seu túmulo, no Cemitério Consolação

Na próxima quinta-feira (17), o Serviço Funerário do Município de São Paulo (SFMSP) realizará uma cerimônia de homenagem à Andréa de Mayo; será afixada uma placa com o nome social em seu túmulo, localizado na Rua 25 LE Terreno 22, do Cemitério Consolação (Rua da Consolação, 1660).

Andréa de Mayo foi uma militante incansável pelos Direitos LGBTTs, era frequentemente chamada a participar de programas para debater em defesa dos direitos das Travestis e Transexuais. Um de seus embates mais emblemáticos foi no Programa Livre, de Serginho Groisman, na época ainda do SBT, com o político paulistano Afanásio Jazadji, que assumidamente não simpatizava com as causas LGBTs e chegou a declarar que os homossexuais deviam ser afastados do convívio social, notícia que foi veiculada na Folha de S. Paulo, em 19 de julho de 1985.

Na década de 90, Andréa procurou alguns políticos garantindo seu voto e daqueles que a seguiam em troca da criação de um estatuto que garantisse os direitos cívicos a todos os integrantes da comunidade GLBT paulistana. Muito conhecida na cena artística paulistana, ela foi inclusive amiga íntima de algumas personalidades públicas.

Batizada Ernani dos Santos Moreira Filho (nome civil); Andréa de Mayo foi engraxate, gari, menino de rua. Dormiu debaixo de um banco na Praça da República. Adolescente, tentou ser cantor. Tinha a voz boa, mas ser homossexual lhe emperrou a carreira. Tentou ainda ser bailarino, mas nada. Então quis mudar. Aos 20 e poucos, Ernani decidiu transformar seu corpo. Nascia Andréa de Mayo.

Naquela época, anos 70, quanto mais litros de silicone tivesse um travesti, mais poderoso ele era e mais respeito conquistava em seu meio. E Andréa se encheu de silicone. Fez a famosa viagem a Paris e, na volta, abriu com Valdemir Tenório de Albuquerque, o Val, a boate Val-Improviso, lendária casa de shows de travestis na Rua Marquês de Itu. O Val-Improviso e o Val-Show, na Frederico Steidel, ajudaram a escrever a história do underground paulistano, com seus shows e sua frenética atividade, que às vezes chegava até o meio-dia. Cazuza foi um dos frequentadores e, não raro, a noite terminava com o cantor ao violão (o Val-Improviso entrou até em letra de música) ou com um prosaico churrasco.

Andréa se tornara uma espécie de mãe de todas. Poderosa, protegia e defendia os travestis das intempéries da vida noturna. Quando abriu sua própria boate, a Prohibidu’s, na Amaral Gurgel, passou a abrigar esse segmento que, muitas vezes, é discriminado até mesmo dentro da comunidade gay (muitos clubes noturnos não deixam entrar travestis).

Na Prohibidu's, Andréa misturou e aceitou todo mundo. Tudo funcionava sob seu olhar sempre vigilante e severo. Carismática, sentada em sua cadeira na porta, ao lado do fiel companheiro, o pequinês Al Capone, ela sabia orquestrar o local como ninguém, com seus perigos e atrativos - o fascinante apelo da mondanité. Bandidos, mocinhas, drags, semidrags, clubbers, DJs, travas e boys; descolados, famosos, herdeiros milionários e artistas completando o casting.

Andréa cuidava e dava amparo. Servia de sentinela, de guardiã daquele mundo perigoso e cheio de regras veladas.

Algumas coisas pouca gente sabia da vida de Andréa de Mayo. Às vezes era vista sentada no banco da Praça da República, onde costumava dormir quando criança. Ficava ali sozinha, com o amigo Al Capone, pensando. Negociante de carros, ajudava também instituições de caridade (muitas doações foram feitas para a casa de travestis de Brenda Lee) e favelas.

Andréa morreu em uma clínica de cirurgia plástica um dia após se submeter à retirada de silicone industrial das nádegas e de suas coxas, morte provavelmente em virtude de embolia. Antes da cirurgia, contudo, ela havia assinado um termo se responsabilizando pelos riscos da retirada do silicone, que eram bem altos em um procedimento dessa natureza.

Em 1988, sua vida foi um dos temas do filme-documentário do suíço Pierre-Alain Meier, Dores de Amor, junto com as vidas de outras quatro personagens da cena transgênera paulistana: Brenda Lee, Thelma Lipp, Condessa da Nostromundo e Cláudia Wonder.

Confira a biografia completa.

Dores de Amor
Dores de Amor (Douleur d’amour) é filme documentário suíço-brasileiro de 1988 dirigido por Pierre-Alain Meier e Matthias Kälin. Baseia-se em entrevistas com cinco mulheres transgêneras brasileiras: Thelma Lipp, Condessa da Nostromundo, Andréia de Mayo, Brenda Lee e Claudia Wonder, que falam de suas vidas, suas dores e seus amores. É uma produção em 16 mm com 58 minutos de duração.
Em março de 2005, o estilista Walério Araújo ambientou seu desfile na capela do Hospital Humberto Primo, rendendo homenagem póstuma à antológica Andréa.

Homenagem
Na época de seu falecimento, o pai de Andréa de Mayo se negou a sepultá-la e, por isto, seu amigo Pai Walter de Logum Ede, de pronto, concessionário do referido túmulo, garantiu seu sepultamento no primeiro e histórico cemitério municipal da cidade de São Paulo – Cemitério Consolação. Agora, buscando pela garantia de direitos, receberá uma placa com seu nome social, em homenagem à sua história de luta e persistência.
Renato Cymbalista, entusiasta da homenagem, doou a placa afixada no túmulo.