Capital da gastronomia, São Paulo reúne culinária diversa e criativa

Festas, eventos, premiações expandem paladares e colocam cidade em destaque no panorama mundial

Para os amantes do turismo gastronômico, São Paulo é capital da culinária diversa e criativa. Em um mesmo dia você pode dar um passeio por três continentes diferentes utilizando apenas o Metrô: tomar café da manhã em uma lanchonete Búlgara no Bom Retiro, almoçar no badalado árabe de Pinheiros, e terminar a noite na Liberdade se deliciando em um restaurante japonês. Se quiser um petisco para completar o giro pelo mundo, pode correr até a República para experimentar o brasileiríssimo torresminho.

A ascensão da gastronomia em São Paulo é constatada na prática. Pesquisa realizada pelo Observatório de Turismo e Eventos (OTE), núcleo de pesquisa e inteligência de mercado da SPTuris, da Prefeitura de São Paulo, durante o SP Gastronomia – evento que aconteceu pela primeira vez na cidade entre 29 de junho e 2 de julho – revelou que 97,7% dos entrevistados acreditam que a cidade é um destino gastronômico internacional e 92,5% costumam frequentar restaurantes do município.

“Impulsionar a gastronomia se tornou inevitável, pois São Paulo tem sido reconhecida sistematicamente por premiações internacionais e pelos próprios turistas como um local que concentra o que há de mais inovador, sustentável, diverso e rico em todo o Brasil no quesito gastronômico”, afirma o Secretário Municipal de Turismo, Rodolfo Marinho. “Dar visibilidade a este trabalho que é feito em nossa cidade é uma forma de impulsionar uma tendência que se confirma como vocação da cidade, além de gerar oportunidades de emprego e renda” conclui.

A qualidade da comida servida nos estabelecimentos paulistanos ganha destaque no cenário internacional. No início de 2023, o relatório The World’s Best Cities – realizado pela consultoria internacional Resonance Consultancy, indicou a cidade de São Paulo como o 3ª melhor destino gastronômico na categoria restaurantes, atrás apenas de Tóquio, no Japão, e Seul, na Coreia do Sul.

Com espaço para todos os paladares, pesquisa de dezembro de 2022 da plataforma americana Happy Cow e da organização britânica sem fins lucrativos Veganuary, a capital é atualmente a cidade latina com o maior número de restaurantes veganos. Para aqueles que não consomem produtos de origem animal, não vão faltar opções de lugares.

De acordo com o Observatório de Turismo de Eventos, em 2018, a cidade reunia em torno de 20 mil restaurantes com quase 60 tipos de cozinhas diferentes. Entre elas, são 500 churrascarias, 350 hamburguerias, 600 restaurantes japoneses, que servem aproximadamente 400 mil sushis por dia, 80 restaurantes vegetarianos e 3.500 pizzarias. Os dados estão em fase de atualização, mas a expectativa é que os números sejam ainda mais expressivos.

Sabores de diversos países

Outro dado da pesquisa realizada durante o SP Gastronomia, mostra que, entre os restaurantes mais frequentados estão os italianos (53,6%), japonês (47,3%) e brasileiros (30,2%). Em São Paulo também cresce o aumento de estabelecimentos de culinária árabe, considerando, também, a chamada “comida de rua”.

A diversidade se entende a países como Nepal, Armênia, Israel e Palestina proporcionando uma experiência de novos sabores e um mergulho por diferentes culturas.

Outra característica marcante paulistana são os bairros que concentram pratos típicos de determinados países. Enquanto a Mooca é conhecida por concentrar restaurantes italianos, a Liberdade é renomada pelas diversas casas com temática oriental. Aliás, São Paulo é a cidade que reúne a maior população de descendentes de italianos fora da Itália e a maior comunidade de descendentes de japoneses fora do Japão.

Para evidenciar esse fôlego gastronômico que vem tomando conta capital, os eventos ligados ao setor ganharam cada vez mais espaço. Só este ano, pode-se destacar três grandes feiras.

Uma delas foi a primeira edição do SP Gastronomia, realizado pelo Grupo Globo com apoio da Prefeitura de São Paulo. O encontro reuniu gastronomia, música, oficinas, feira de produtores.

O concurso Comida di Buteco, que incentiva a culinária popular, também movimentou o setor. Ele acontece todos os anos e os estabelecimentos participantes concorrem ao posto de melhor da cidade em diversas categorias elaborando um prato a partir de um tema. Em 2023, foram 113 casas, localizadas em todas as regiões da cidade, mapeadas pela premiação.

Já o Festival Smorgasburg, que surgiu em Nova York, desembarcou em São Paulo e está na terceira edição. Com foco na culinária criativa, o evento tem entrada gratuita e atraiu um grande público ao entorno do Parque Ibirapuera.

Quando se fala em comida, as tradicionais festas de rua que homenageiam os padroeiros dos bairros e ainda são responsáveis por ajudar nas obras assistenciais das paróquias não podem ficar de fora. Duas são bem famosas.

A primeira é a Nossa Senhora Achiropita, no Bixiga, que está na 97ª edição – em agosto e setembro. Já a de San Gennaro, na Mooca, acontece tradicionalmente no mês de outubro, há 50 anos.

Ambas com foco na culinária italiana, possuem diversas barraquinhas vendendo iguarias típicas a um excelente custo-benefício. Os dois eventos atraem milhares de pessoas todos os anos em busca de delícias como pizza, fogazza, macarronada.

Guia Michelin volta a São Paulo

Ao mesmo tempo em que o cidadão ou turista celebram a culinária despojada e acessível na capital, é possível escolher um restaurante sofisticado para apreciar, por exemplo, um menu degustação em sete etapas harmonizado com excelentes vinhos.

Nesse sentido, a volta do Guia Michelin em São Paulo, em 2024, é motivo de comemoração. Considerada a Bíblia da Gastronomia, a publicação avalia mais de 30 mil estabelecimentos em mais de 30 territórios em três continentes.

A classificação dos lugares varia de zero a três estrelas e são apreciados os atributos dos pratos com base em cinco critérios: qualidade dos ingredientes, domínio de técnicas culinárias, harmonia dos sabores, expressão da personalidade do chef na cozinha e consistência, ao longo do tempo e em todo o menu.

“Há muito tempo o Guia Michelin conhece a qualidade da culinária paulistana. Os nossos inspetores estão atualmente no terreno para realizar a seleção dos seus restaurantes para nova seleção, em março de 2024. Temos o prazer de anunciar o retorno das nossas atividades de recomendação gastronômica no Brasil nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O relançamento permitirá, mais uma vez, celebrar os melhores estabelecimentos locais e os talentosos profissionais que os dirigem”, garante o diretor internacional da publicação, Gwendal Poullennec.

Em 2020, a cidade contava com nove restaurantes indicados pelo guia, sendo o restaurante D.O.M, do chef Alex Atala, o único atualmente a deter duas estrelas. Poullennec explica que o guia havia saído do Brasil em função da crise gerada pela Covid-19.
“A pandemia trouxe desafios sem precedentes ao setor de restaurantes, aos seus parceiros e a toda a cadeia. Esse cenário trouxe incerteza ao trabalho e às capacidades operacionais dos inspetores do guia, que foram profundamente impactados, impossibilitando-os de avaliar e atualizar de forma justa sua seleção de restaurantes no Brasil”, explicou Poullennec.

Segundo ele, o turismo gastronômico é uma realidade que pode ser confirmada em números. “Um estudo realizado em 2019 apontou que 57% dos consultados prolongariam a sua estadia num destino onde existam restaurantes com estrelas Michelin. Enquanto 71% aumentariam os seus gastos com uma experiência de restaurante do guia."

Bom momento para o setor

Empresários do ramo comemoram o momento gastronômico na capital. Janaina Torres Rueda – que acaba de ser eleita a melhor chef mulher da América Latina pelo Latin America's 50 Best Restaurants, braço do The World's 50 Best, um dos principais rankings gastronômicos do mundo (informou o site g1) – atualmente possui seis casas na cidade, a maioria voltada a ingredientes de corte suínos, é uma entusiasta da cidade e, principalmente, do centro.

"Nasci no Brás, no centro de São Paulo, e nunca saí e nem penso em daqui. Eu vivo o mundo, vivo meu país, vivo meu estado e vibro pela minha cidade. Tento cuidar de todo o meu entorno da maneira mais verdadeira e sincera, pelo amor que tenho por esse lugar que posso chamar de meu."

A empresária ainda destaca a presença de São Paulo e do Brasil como referência no ramo gastronômico no cenário internacional. “Acabei de ser convidada pelo governo do México para falar justamente sobre a importância de se criar políticas públicas para incentivar o turismo gastronômico de um país. O Brasil pode e deve ser um dos maiores pioneiros do turismo gastronômico”, reflete a chef, que ama ir aos restaurantes Bib Gourmands (ótima relação qualidade/preço) do Guia Michelin, mas curte mesmo a comida brasileira. “Uma boa feijoada, arroz, feijão, bife, salada, farinha e pimenta. E uma cachaça branquinha para acompanhar.”
E quando a gente fala de comida de São Paulo, a comida de boteco e o tradicional prato feito (PF) não ficam atrás na preferência dos paulistanos. “É uma comida simples que remete a bar, boteco e é muito pedida por quem está trabalhando e precisa de uma refeição rápida e de qualidade”, conta Luiz Eduardo Fernandes, filho do Sr Luiz, idealizador do boteco que existe desde a década de 1970 na Zona Norte de São Paulo.

O segredo para ter conquistado o coração dos paulistanos? “Sempre apostei em hospitalidade. Aqui é um bar de amigos, acolhimento e respeito”, diz Fernandes, ressaltando que o bolinho de carne da casa, receita original da sua avó Idalina quando abriu a casa, é seu carro-chefe.

Virado à Paulista é Patrimônio Imaterial

Quando se fala em PF, é impossível não lembrar de uma verdadeira instituição paulistana: o Virado à Paulista que, além de uma mistura perfeita de sabores, reúne muitas histórias. Atualmente, a receita leva arroz, feijão, farinha de milho ou de mandioca, bisteca ou costeleta suína frita, linguiça frita, banana empanada, ovo estrelado e de preferência com a gema mole, couve bem fininha refogada e torresmo.

Mas nem sempre foi assim. Considerado Patrimônio Imaterial pelo Condephaat desde 2018, o prato tem origem no século 17 como forma de alimentação de monções e bandeiras, expedições para desbravar o interior do Brasil Colônia com objetos estratégicos e econômicos.

Os exploradores saíam carregados de objetos, armas, água e comida em mulas e cavalos. Entre os alimentos comuns estavam o feijão engrossado por farinha de milho ou de mandioca e toucinho de porco, ingredientes nutritivos e que garantiam a saciedade dos tropeiros. Durante o trajeto, a mistura acaba por ficar toda revirada, o que deu origem ao nome virado.

O livro Na Trilha da Independência (Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, Rio de Janeiro, 1972), a folclorista Maria de Lourdes Borges Ribeiro conta que até Dom Pedro I experimentou a iguaria. Segundo a publicação, na viagem do Rio de Janeiro a São Paulo, na qual deu o Grito do Ipiranga, comeu virado a 17 de agosto de 1822 na Fazenda Pau d’Alho, de São José do Barreiro, Vale do Paraíba.

Não se sabe exatamente o motivo pelo qual ele virou o prato de segunda. Uma das explicações é que no século 19, ele começou a ser feito nas fazendas com as sobras dos alimentos nos finais de semana. Outra é que segunda-feira era folga dos trabalhadores e o virado era uma espécie de prato de família.

O empresário Bruno Cunha fez questão de incluir o Virado à Paulista em seu cardápio quando abriu seu restaurante no Paraíso, há um ano. “É uma tradição na cidade e obrigatório no menu. Às segundas-feiras, é o mais pedido da casa. E se o tempo estiver frio, o consumo aumenta. Além de carregar muita história, é uma refeição completa”, conclui Cunha.