Cemitério paulistano do século 19 tem o mais antigo sepultador de São Paulo

O pernambucano Carlito da Silva, há 31 anos no Serviço Funerário da capital, será um dos profissionais que atuará no Dia de Finados

Quando Carlito Antônio da Silva saiu da cidade de Iraci, em Pernambuco, e chegou a São Paulo, em 1972, veio em busca de melhores condições de vida. Não imaginou, contudo, que seu caminho diário, pelos próximos 31 anos, causaria tanto espanto para algumas pessoas.

Funcionário mais longevo do Serviço Funerário Municipal, e um dos profissionais que vai atuar no dia 2 de novembro, Dia de Finados, sempre teve a incumbência de lidar com o momento definitivo em que nos despedimos de quem se vai: o sepultamento.

“Era 1987 e estava desempregado. Soube que haveria um concurso da Prefeitura de São Paulo para a vaga de sepultador. Fiquei um pouco assustado, claro, mas acabei prestando e passei”, relembra.

Desde então, Carlito já prestou serviços aos cemitérios de São Luiz, por 14 anos, Araçá, por 8 anos, e Santo Amaro, local em que permanece há 9 anos.

Mais antigo de São Paulo, o Cemitério de Santo Amaro, na zona sul da capital, foi fundado ainda no século 19, em 9 de janeiro de 1857. Com área total de 28.800m², possui 36 quadras de jazigos. Abriga a curiosa história do santo popular cujo túmulo se transformou em ponto de peregrinação de fiéis.

Morador de rua, Bento do Portão, como era conhecido no bairro, costumava passar os dias em frente ao portão do Cemitério de Santo Amaro, realizando pequenos serviços em troca de comida. Sempre orava por aqueles que se compadeciam e o ajudavam.

Veio a falecer em 1917, aos 42 anos. Seu corpo foi exumado tempos depois, tendo sido constatado que não havia sinais de decomposição. A notoriedade do homem simples que havia resistido ao tempo nascia ali. A Prefeitura de São Paulo realizou a reforma do túmulo, resguardando a memória de Bento e do próprio cemitério que sempre o acolheu.

Tempo e memória permeiam a história do cemitério e das pessoas que ali trabalham, aguçando a sensibilidade à passagem dos anos. “Estou há 31 anos trabalhando como sepultador. Aqui, a gente aprende que tem de fazer o bem hoje. Amanhã, não sabemos mais”, pondera Carlito.

E diz o que ainda traz à tona emoções com as quais se acostumou a conviver, por conta de seu ofício: “O que me dói muito, até hoje, é quando faço o sepultamento de uma criança. Penso logo na minha filha, em meus netos. Não dá pra se acostumar com a morte”, diz.

Casado há 45 anos com Maria do Carmo da Silva, é pai de 5 filhos e avô orgulhoso de 11 netos. Hamilton, um de seus 5 irmãos, também trabalha no Serviço Funerário como sepultador, no Cemitério do Araçá.

“Tenho muito orgulho e carinho pelo que faço. Apesar de alguns verem com espanto, tenho o reconhecimento da família e de pessoas que me dizem que somos fortes e corajosos por trabalharmos como sepultadores”, diz.

O orgulho de seu Carlito é visto nos cuidados e no zelo com que atua em sua profissão. Em preparação ao Dia de Finados, as 32 Subprefeituras da cidade também realizam, em outubro, limpeza e ações de zeladoria em vias nos arredores dos 22 cemitérios e crematório municipais.

O dia 2 de novembro é marcado por lembranças e respeito a quem já nos deixou: “No Dia de Finados, as pessoas vêm, aproximam-se dos túmulos e choram muito. Alguns oram, e meu coração sempre fica apertado, não tem jeito”, conta.

Em seis meses, no mês de fevereiro de 2019, o sepultador mais experiente se aposentará atuando no cemitério mais antigo de São Paulo. A aproximação do final da carreira de seu Carlito não o impede de passar adiante o conhecimento de 31 anos aos mais novos sepultadores que chegam ao Cemitério de Santo Amaro. Ao seu modo, também parece conseguir, como o santo Bento do Portão, a lograr a passagem do tempo.