Projetos de eletrificação beneficiam catadores

Instituições de São Paulo e Fortaleza buscam soluções para melhorar a qualidade de vida de profissionais da coleta de lixo informal

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Todos os anos, cada brasileiro, produz, em média, cerca de 400 quilos de resíduos sólidos, de acordo com a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Desse total, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), apenas 13 quilos são reciclados. Ou seja, aproximadamente 387 quilos de resíduos sólidos produzidos por pessoa são desperdiçados. O que, segundo algumas estimativas, significa que o País, literalmente, enterra cerca de R$ 8 bilhões por ano ao não reutilizar ou reciclar esses materiais.

O ideal seria, claro, expandir de forma exponencial o total de recicláveis por ano. Tarefa nada fácil, aliás, e por vários motivos. Um deles são as condições penosas de trabalho dos cerca de 1 milhão de catadores e catadoras, os profissionais não oficiais de limpeza urbana, responsáveis pela coleta de 90% de todo o material reciclado no País. Entre tantas dificuldades, eles trabalham sob sol ou chuva e chegam a puxar até 800 quilos de material reciclável em suas carroças em um trabalho braçal diário, exaustivo e com baixa remuneração.

Mesmo de forma incipiente (e longe de resolver todos os problemas relacionados a esse assunto), algumas iniciativas inovadoras com foco em eletrificação começam a surgir a fim de trazer aumento de produtividade e mais qualidade de vida a esses profissionais. Entre elas destacam-se o Re-ciclo, executado pela Fundação de Ciência, Tecnologia e Inovação de Fortaleza (Citinova), e o Carroças do Futuro, da ONG Pimp My Carroça, de São Paulo. Conheça um pouco mais sobre eles, a seguir.

Premiação internacional
O projeto Re-ciclo recebeu aporte de R$ 1 milhão, valor da premiação que Fortaleza ganhou do Desafio Global de Mobilidade Urbana 2019, organizado pela Transformative Urban Mobility Initiative (TUMI), instituição vinculada ao Ministério para Cooperação e Desenvolvimento do governo da Alemanha.

Planejado para ceder 50 triciclos elétricos às associações de catadores da capital cearence, o Re-ciclo sofreu um atraso de quase um ano por causa da pandemia. Atualmente, existem 16 triciclos em circulação e 29 começam a operar em maio. “No fim, esse período foi bom para que pudéssemos nos adequar e capacitar os usuários. Isso porque, mais do que tudo, é uma mudança cultural muito grande para esses profissionais”, afirma Luiz Alberto Saboia, presidente da Citinova.

Esse atraso de quase um ano para a real implementação também possibilitou que, em um primeiro momento, além do cadastramento de 12 associações e indicação de 31 catadores, fossem feitos ajustes nos triciclos elétricos, como adequação de tamanho e capacidade de carga.

Os veículos, da fabricante Dream Bike, são recarregados nas sedes das associações participantes, e têm pedal assistido, potência máxima de 350 watts, autonomia de 30 quilômetros e chegam a 25 km/h.

Saboia aponta que os benefícios relatados pelos usuários vão desde a diminuição das dores musculares, passando pelo aumento de 40% na renda individual até o relato de melhores tratos por parte da população. “Estamos na segunda fase do projeto piloto. Em 2023, vamos lançar um edital para fomentar a expansão, em escala, para a cidade toda”, afirma.

Em busca de apoio
A ONG Pimp My Carroça, com sede na capital paulista e atuação em cerca de 50 cidades de 16 países, lançou, em 2019, e, dois anos depois, colocou em prática o projeto Carroças do Futuro, com o objetivo de promover uma alternativa de carroça elétrica e ecológica para reduzir o esforço do trabalho com as que utilizam tração humana.


As Carroças do Futuro têm quatro velocidades, motor elétrico com a função de ré e itens de segurança, como freio, buzina, setas, rastreadores via GPS, farol dianteiro e traseiro. Foto: Divulgação Carroças do Futuro
“O projeto busca favorecer maior capacidade de coleta de materiais, otimizar o tempo de trabalho e gerar benefícios na geração de renda desses profissionais. Além de aumentar o reconhecimento e a valorização dos catadores nas comunidades, promover elevação na autoestima e na qualidade de vida”, afirma Adriane Andrade, coordenadora do Carroças do Futuro.

Após três anos de pesquisa e desenvolvimento e muito aprendizado na fabricação de um modelo adequado ao trabalho, chegou-se a uma versão aprimorada da carroça elétrica, que possui quatro velocidades, motor elétrico com a função de ré e itens de segurança, como freio, buzina, setas, rastreadores via GPS, farol dianteiro e traseiro.


Atualmente, há quatro carroças elétricas, conduzidas por profissionais com mais de 60 anos e que circulam nas regiões de Guaianazes, Brooklin, Pinheiros, Glicério e Campos Elíseos, na capital paulista. Elas são recarregadas em tomada comum por até 12 horas e suportam entre 400 e 500 quilos.

Adriane afirma que, entre os resultados averiguados s período de teste, estão o aumento em até 150% da capacidade de coleta de materiais e crescimento de 100% na renda mensal dos catadores.

O Carroças do Futuro, que já contou com parcerias como as do Instituto Clima e Sociedade (ICS), do Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT), da Nestlé, da 3M e da Pyxera Global/Impact Program, passa por um momento decisivo e corre o risco de não ir adiante por falta de apoio financeiro. “Nossa meta é unir parceiros e financiadores para replicarmos, entre 2022 e 2023, mais 50 carroças elétricas com a metodologia desenvolvida e validada.”


São Paulo engatinha na coleta eletrificada
Maior cidade do País tem somente 25 unidades eletrificadas em operação

 


Concessionária Ecourbis utiliza veículo JAC IEV1200T para coleta dos resíduos de saúde. Foto: Divulgação SP Regula

 

A prefeitura de São Paulo, por meio da SP Regula, Agência Reguladora de Serviços Públicos do Município de São Paulo, conta, atualmente, com oito prestadoras de serviço, das quais apenas duas efetuam a coleta de divisíveis, ou seja, recicláveis. De um total de 1.045 veículos de coleta, apenas 25 unidades eletrificadas estão em operação.

De acordo com Mauro Haddad, gerente de saneamento da SP Regula, o principal motivo para a utilização dos veículos foram, além da sustentabilidade e da redução de emissões, viabilidade econômica, modernização e avanço tecnológico, agilidade com veículos eletrificados pequenos e dificuldade de acessibilidade em vielas e travessas, nas quais os veículos regulares não conseguem acessar.

Entre os veículos disponíveis na frota estão dois triciclos Elemovi Carga Super 1.200 V, um veículo urbano de carga (VUC) JAC IEV1200T, 14 rebocadores Jacto VPT.09 e oito caminhões BYD eT8.

Haddad afirma que o maior aprendizado foi entender que a solução para o serviço de coleta eletrificada é viável, tanto do ponto de vista financeiro como sustentável, além de contribuir para maior percepção da qualidade entregue.

No entanto, o aumento da frota deve seguir a passos lentos. Segundo o profissional, existem dois caminhões que devem entrar em operação nos próximos dias e que apenas uma da concessionária afirmou estudar a possibilidade de substituição dos caminhões a diesel por uma frota integralmente elétrica; porém, não a curto prazo.